domingo, setembro 04, 2005

“Estou a passar-me …”

Correspondendo, de certo modo, ao desejo manifestado pelo Skinnypt, gostaria hoje de abordar um tema que mais tem que ver com “demónios” do que com os “deuses” (com letra pequena), invocados pelo nosso amigo. E faço-o de uma forma que nada tem de filosófica, pelo contrário, procuro ser o mais terra a terra possível.

No dia a dia, toda a gente se vai apercebendo que o oportunismo e a aldrabice se instalaram de vez na nossa sociedade. Infelizmente. A pouco e pouco vão-se conhecendo cada vez mais casos em que a trafulhice e o compadrio andam de mãos dadas. Graça o despudor e a desonestidade. E isso revolta-me. Como deve acontecer com a maioria da população.

Há anos que os diversos governos pedem os maiores sacrifícios aos portugueses, em nome do controlo do défice e do cumprimento do pacto de estabilidade. E a rapaziada amocha e vai fazendo os sacrifícios possíveis e impossíveis e, ingénuo como sempre, espera que as contas do Estado se equilibrem, o país se desenvolva e que, rapidamente, a vida melhore para todos. A começar pela vida do dito povo, claro. Sujeita-se, por isso, a vencimentos reais abaixo da inflação, a congelamento de salários por períodos mais ou menos longos, a acordos com as empresas que prejudicam gravemente as suas condições de trabalho e de vida. Todos os sacrifícios em nome da tal estabilidade e da mais ou menos rápida recuperação da economia. Mesmo assim, quando se fala em pouca produtividade faz-se crer que a culpa é maioritariamente dos trabalhadores, quase nunca de quem gere as empresas. E isto porque não há interesse em referir, que o sector bancário, a Auto Europa ou a Siemens, por exemplo, registam produtividades acima da média europeia dos respectivos sectores, apenas porque as Instituições estão bem organizadas, foram-se preparando para o futuro e estão convenientemente geridas.
Ou seja, o que nos estão a dizer é que, salvo honrosas excepções, as empresas portuguesas são pouco competitivas porque os trabalhadores têm uma produtividade reduzida e ganham salários bem acima do que a economia permite. Por isso, é justo que lhes sejam pedidos (exigidos) sacrifícios atrás de sacrifícios.
Mas, em contraponto e ainda que tímida e pacientemente, o povo espera também ver que no topo da pirâmide também se fazem sacrifícios, pelo menos em percentagem idêntica aos que lhes são exigidos. Como se costuma dizer, o exemplo deve vir de cima. O pior é que esses exemplos não aparecem, e o povo desespera, desespera cada vez mais.

Mas o desespero torna-se revolta quando na primeira página de um jornal (neste caso, o “Expresso” de 16 de Julho de 2005) se pode ler, com todas as letras, uma afirmação do presidente do BPI, Fernando Ulrich:

“a situação é grave e estrutural, mas os portugueses não estão mobilizados nem preocupados com a competitividade, querem é passar mais tempo na praia”.

Isto, depois de defender que:

“os portugueses deviam ter uma redução de 10% nos salários, como forma de ajudar a resolver a má situação das contas públicas. E, quem ganha mais, devia ter uma redução entre 12 e 15%”.

Redução de salários, será que li bem? O que o homem disse foi mesmo que os portugueses têm que ganhar menos? Mas, a que portugueses é que ele se estará a referir? Será ao Dr. Vítor Constâncio ou ao Engº. Mira Amaral? Ou será à grande massa de trabalhadores que mal ganham para comer, ou à generalidade dos reformados e pensionistas cujos proventos quase não chegam para comprar os remédios de que necessitam, quanto mais para o resto.
É que, se a redução dos 10% se aplicar àqueles que têm ordenados ou pensões acima dos dez mil euros (2 mil contos), bem, parece que essas pessoas poderão, ainda assim, sobreviver com menos mil euros (200 contos) por mês. Ainda lhes restam nove mil euros, qualquer coisa como mil e oitocentos contos para “governar a vida”. E, isto, só para os que ganham dez mil euros. E para os (muitos) que ganham acima disso, obviamente que também têm condições para ver baixar os seus proventos.
Mas poderão “governar a vida” (senão de forma satisfatória, pelo menos digna), aqueles cujos rendimentos não ultrapassam os 500 euros (100 contos) e a quem ainda querem tirar 10%? Isto para não falar daqueles (e são tantos) que ganham bastante abaixo dos 500 euros.

Em 2003, segundo o INE, o aumento médio do salário líquido dos portugueses que trabalham por conta de outrem foi de apenas UM euro. Médio, se bem me entendem …
Apesar disso, tudo vai aumentando. Aumentam o desemprego, o petróleo, o dólar, a concorrência dos países do Leste e, em especial da China, o IVA e, atrás dele, quase tudo por arrasto.
Os aumentos anuais (quando os há) raramente cobrem a inflação e o poder de compra é cada vez mais baixo.
E as queixas por este estado de coisas vêm de todos os lados, desde o sector da saúde aos professores, dos empregados do comércio e serviços aos militares e aos polícias e até aos próprios políticos. E vêm, sobretudo, daqueles cujos vencimentos e pensões são tão pequeninos que já não dão sequer para viver.

Mas apesar de todos os problemas das contas públicas e apesar de todos os enormes sacrifícios que o Zé povinho vai sendo obrigado a fazer, continuamos a olhar para as nossas empresas públicas, cujo accionista é maioritária ou totalmente o Estado (nós, portanto) e a observar a quantidade de desmandos que continuam a verificar-se. E não digo isto apenas por dizer, senão vejamos:

Na mesma edição do Expresso, e curiosamente logo acima da douta opinião do Presidente do BPI, vinha publicada uma notícia intitulada “Gastos Milionários na GALP” (como se sabe, uma empresa com capitais públicos), e nela se davam a conhecer enormidades tais (e tantas) que não pude evitar um arrepio de revolta. Por exemplo, casos como a contratação:
- de um cunhado de Morais Sarmento (que foi ministro do PSD de Durão Barroso), que entrou na empresa, negociando uma antiguidade de 17 anos;
- do filho de Miguel Horta e Costa (presidente da PT), que entrou na empresa com 28 anos e um ordenado de 6.600 euros (mais de 1.300 contos);
- de jovens quadros de apelidos sonantes, quase todos ligados, directa ou indirectamente, à política;
- de um engenheiro agrónomo que foi trabalhar para a área financeira por 10.000 euros;
- de um especialista em finanças que foi para o Departamento de Marketing por 9.800 euros;
- de um administrador para uma empresa do grupo, com um único trabalhador efectivo;
- da contratação de um quadro superior muito próximo de António Mexia (ex-ministro das Obras Públicas e Transportes de Santana Lopes), com um ordenado de 8.700 euros, num contrato de vários anos de antiguidade que lhe renderam, dois anos depois quando saiu da Galp, uma indemnização de quase 300 mil euros. De salientar que este quadro entrou para a Galp quando António Mexia assumiu a presidência da empresa e saiu para o sector imobiliário da Refer quando Mexia foi para o governo para a pasta que tutelava (por coincidência) a mesma Refer.

Parece evidente que as sempre invocadas “regras de mercado” não justificam por si só as contratações milionárias acima descritas, como nos querem fazer crer. Trata-se, isso sim, de situações de compadrio e de protecção que, infelizmente, se vão banalizando.

Aliás, virou moda a contratação nas empresas públicas de quadros que negoceiam, à cabeça, anos de antiguidade.
É, também, o que se passa nos CTT (em que o Estado é o accionista único) que tem contratado quadros que, ao entrar, ficam com muitos anos de antiguidade. O que quer dizer que, quando for nomeada uma nova Administração (e sempre que o governo muda de cor, a Administração muda também), esses quadros poderão ser despedidos com direito a chorudas indemnizações.

Aliás, os CTT constituem um exemplar paradigma da má gestão dos dinheiros públicos e da protecção de amigos pessoais e da política. É um escândalo.
Como entender que:
- directores de primeira linha tenham tido um aumento de 2.000 euros (quatrocentos contos)? Repito, um aumento de 2.000 euros.
- a alguns desses mesmos directores tenham sido atribuídos carros novos quando os que estavam ao seu serviço tinham apenas um ano?
- que administradores em fim de mandato tivessem auto-requisitado novos carros, continuando a andar com os que já estavam ao seu serviço para, depois de cessarem as suas funções, levarem com eles os carrinhos (de topo de gama, claro) novinhos e a brilhar?

Mas, voltando ainda ao Expresso de 16 de Julho, destaco uma outra notícia que exemplifica bem os desmandos das nossas empresas públicas, neste caso a “Parques de Sintra Monte da Lua”. Aqui a situação é tão calamitosa que até já houve investigação da Polícia Judiciária. Entre as ilegalidades já detectadas contam-se, por exemplo:
- a fuga aos impostos para cobrir despesas de representação como complemento de salários;
- o compadrio com situações de fraude em concursos públicos e o levantamento de cheques dirigidos a fornecedores por funcionários da empresa, nomeadamente pelo director financeiro;
- a atribuição para si próprio (do mesmo director financeiro), de quatro subsídios de férias, sem a aprovação do conselho de administração;
- o aumento de 20% dos salários do presidente, da esposa deste (também funcionária da empresa) e do (tal) director financeiro, decididos por este último.


Perante estes exemplos que demonstram bem a desonestidade, a má gestão e a falta de controlo das empresas públicas e dos nossos dinheiros, dá vontade de perguntar se os nossos governos acham justo que só os trabalhadores tenham que suportar tantos sacrifícios? Se assim for, é imoral e é obsceno.
Façamos a nossa parte mas dêem-nos, pelo menos, um sinal que não somos só nós a fazer os sacrifícios. Para não desesperarmos e para que o nosso desespero não se torne numa revolta ainda maior.


PS: Já depois de ter acabado de descrever a minha irritação, li na Revista Única do Expresso de 30 de Julho uma pequena notícia, intitulada “Secretária Diligente” que dizia textualmente o seguinte:

“Os CTT têm novos administradores. E, com eles, novas secretárias. Uma das quais não perdeu tempo. Mal se instalou, tratou de pegar no telefone e ligar para todas as colegas da tutela – o das Obras Públicas, Transportes e Comunicações, de Mário Lino – convidando-as para um repasto no Solar dos Presuntos. Onde, diligentemente, reservou mesa a preceito. Tudo normal, não fosse a conta do dito jantar aparecer na secretária propriamente dita da tesouraria dos CTT”.

Que me dizem a isto?...

Depois de mais esta preciosidade, por favor agarrem-me que “estou a passar-me” …

4 comentários:

Anónimo disse...

Acima de tudo falta vergonha a muita gente, que não só faz destas, como as faz nas barbas de toda a gente.

E nós continuamos aqui, como dizes, a amochar. Custa sempre aos mesmos.

Citando Calvin (sempre actual e acutilante) "Eu sei que a vida é injusta, mas porque é que nunca é injusta a meu favor?"

Anónimo disse...

Boas.

Realmente a justiça está a tardar.

Bom tema para desabafar e tossir os males que somos obrigados a respirar.

Aqui vai a minha pequena mensagem.

Este ano perdi o subsidio SS da minha semente primogénita. Disseram que os valores do IRS tinham sofrido alterações e que assim iria deixar de receber(deviam querer que contribuísse para o aumento de pais separados).

Analisando de forma justa (o que parece não existir actualmente) não questiono nem critico, pois "temos que ser uns para os outros".

No entanto, como homo sapiens que ainda sou (apesar de ser bombardeado com "n" situações a tentarem me conduzir á psicoadaptação) e utilizando essa capacidade que me distingue do resto dos animais, esse tal raciocinar, leva-me a gritar "ISTO NÃO É JUSTO"!

Então o meu rebento perde uma ajuda (não é pela quantia de cerca de 50 Euros, mas pelos sentimentos)para ajudar a sociedade portuguesa e esses FDPs, desculpem-me as mães e que estas perdoem esses filhos, consomem essa ajuda e a de muitas outras crianças, doentes, anciãos, pessoas com todo o tipo de problemas para satisfazer as suas necessidades de status, poder, media, fama, glória, o raio que os parta?

Gostava que todos esses “senhores” acordassem um dia na pele, não digo de um sem abrigo, mas pelo menos de um desempregado com todos os seus encargos de casa, filhos, infantário, lar de anciãos, enfim que fossem um dos mais de 500 000 portugueses que estão nestas condições. Assim talvez n se importassem de baixar os seus volumosos vencimentos em 10%.

Deixo as questões: Como bons portugueses que somos vamo-nos desenrascando com o que temos e damos graças a deus ou devemos fazer alguma coisa? E quem toma a iniciativa (vai correr o risco de ouvir algo do tipo "coitado, tão correcto, mas está sozinho")!

Abraço

Anónimo disse...

Pois é, este país atravessa um período bastante difícil e não sabemos o que ainda virá por aí ...
Tudo fruto de uma má gestão por parte dos sucessivos governos, quando sabemos bem que, apesar de serem pedidos cada vez mais sacrifícios, continuam a ser gastos valores astronómicos em prol das mordomias duma elite que, sem elas, não consegue viver...
E os outros, a grande maioria dos trabalhadores cujo ordenado mal dá para as despesas do dia a dia, ou aqueles que nem emprego têm, como conseguem sobreviver ?
Não se vislumbra uma saída … Confesso que também me estou a passar …

Anónimo disse...

Pois... tanta coisa que acontece neste país e que nos causa indignação. O problema é que perante estas situações há muita gente que se indigna mas muito pouca gente para lutar a sério. Há que concluir de uma vez por todas que reclamarmos isoladamente não levará a nada. São necessárias medidas mais drásticas, lutarmos unidos, porque continua a ser verdade que a união faz a força!

Podermos votar, podermos dar a nossa opinião livremente, foi uma conquista dificil, mas possivel porque um dia essa união existiu. Será necessário chegarmos a uma situação limite para que nos revoltemos de novo?

Acredito que a maioria de nós, que navegamos nesta internet que tem o mundo cá dentro, não estejamos (felizmente) numa situação limite. Vamo-nos indignando, mas no dia-a-dia sentimo-nos impotentes para resolver todos os problemas (estes e outros ainda piores) com que nos cruzamos quase diáriamente.
Por mim, confesso que há dias em que o simples acto de ver o telejornal me faz doer. Faz doer pelo vejo, faz doer pela impotencia que sinto, faz doer assistir à indiferença de quem tem o poder nas mãos e não faz absolutamente nada para ajudar este mundo a ser um lugar melhor, para ajudar as pessoas a terem uma vida melhor.