domingo, setembro 04, 2005

Resposta a um leitor anónimo ou … porque é que não falamos mais vezes em português?


Noutras circunstâncias, teria dito ao anónimo que fez um comentário à introdução do blogue que não responderia a provocações mas, neste caso, até fui eu que incitei os meus amigos a serem provocadores. Por isso, não posso deixar de responder à sua “provocação inofensiva” para lhe dizer o seguinte:

Eu sei que você sabe que eu sei a quem me estou a dirigir. Digamos que, por um momento, hesitei em identificá-lo mas o texto traiu-o, meu caro. A velha questão entre o imprimir e o “printar” foi sempre um tema que fomos discutindo ao longo do tempo que trabalhámos juntos. Por isso …

De resto, quem me conhece, sabe bem que eu, longe de me considerar um (fanático) purista da nossa língua, que não sou, tento – sempre que possível – utilizar no discurso escrito e falado, não os termos estrangeiros que entraram no nosso dia-a-dia, mas as palavras em português que querem dizer rigorosamente o mesmo. O que não significa que, de quando em quando, eu não caia nessa tentação. E você sabe disso.

Reconheço, no entanto, que em certas áreas, existe uma probabilidade acrescida de se utilizarem os tais estrangeirismos. Como na informática, por exemplo. Termos como o “upgrade” ou o “delete” (e quinhentas mil outras expressões que tais) entraram de tal forma no léxico dos informáticos que é delicioso (e irritante, ao mesmo tempo) ouvir uma conversa entre eles.

A propósito, recordo uma reunião que tive há uns anos com um analista informático. Durante mais de uma hora, tentámos discutir um assunto técnico que deveria ser suportado por uma aplicação. Pois o homem, esquecendo-se que eu não era da sua área de especialização, tratou de arranjar uma argumentação cheia de termos em inglês (termos técnicos banais para quem trabalha naquela área, claro), que atirou em velocidade estonteante e que apenas era sustida por uns recorrentes e interrogativos Ok?. Quando a reunião acabou e saí para a rua, valeu-me a brisa fresca de fim de Outono que me refrescou a cara e as ideias. Devo confessar que em toda a minha vida profissional, nunca me aconteceu coisa semelhante. Saíra daquela reunião e não conseguira entender minimamente as razões apresentadas pelo meu colega informático. Pior, eu nem sequer tinha percebido o que ele dissera. Mas, admito, que o problema foi todo meu. Ok?

Contudo, o que me preocupa mais é que essas mesmas pessoas que empregam esses termos nas suas áreas profissionais – e isto diz respeito a uma panóplia imensa de actividades e não só aos informáticos - acabam por utilizá-los também, na sua vida pessoal.

Digam-me, por exemplo, se há alguma necessidade de informar a agência de viagens, que gostariam de fazer um “upgrade” do hotel inicialmente reservado?

E se o Gerente/Chefe/Director/o que seja, convocar o seu “staff” para um "briefing" ao fim da tarde?

E se alguém nos propuser para irmos fazer compras ao “shopping”?

E quando nomeamos as vantagens ou inconvenientes das empresas de “outsourcing”?

Não haverá forma de dizer a mesmíssima coisa mas … em português?

Penso que deveremos valorizar mais a nossa língua, que é tão rica. De certeza que existirão palavras e expressões portuguesas que poderemos utilizar em substituição dos tais termos estrangeiros. Porém, há que ter cuidado. É que se falarmos (e escrevermos) em português, poderemos correr o risco que essas pessoas cheguem à conclusão de que nós, afinal, não dominamos lá muito bem o assunto que estamos a abordar. Por outro lado, pode acontecer que se falarmos ou escrevermos apenas em português, poderemos dar a ideia a certos “iluminados” de que não estamos muito familiarizados com os termos mais “in” utilizados com frequência por determinadas elites. Afinal, ninguém quer dar parte de fraco, não é verdade?

A terminar, meu caro Anónimo, a minha “printer” ainda não está em condições, muito embora eu tivesse feito um “restart”, seguido do “log off”, como sugeriu.

Disponha sempre.

2 comentários:

Anónimo disse...

O que me deixa perfeitamente "abazurdida" (e não me pergunte de que idioma é esta palavra!!!!!)com o estado das coisas é que leio diversos documentos de fontes que teriam por obrigação, se não defender, pelo menos "utilizar" a língua portuguesa, aplicarem estrangeirismos sem qualquer pudor ou preocupação, criando até novas palavras como "printar" ou "logar".

Anónimo disse...

Como sempre o meu amigo, continua a escrever como fala, de uma forma contínua e apelativa.
Quero dar-lhe os meus parabéns pelo seu texto e já agora a provocação tinha uma boa pista… ou não fossemos bons amantes da nossa Língua Materna.
Um Abraço.