terça-feira, maio 30, 2006

Heróis


De certeza que esta irritação toda tem a ver com o meu mau feitio, não vejo outra explicação para estar deste jeito.

Mas a verdade é que fico irritado, e até mesmo indignado, quando vejo as grandes manchetes dos jornais chamar HEROIS aos jogadores convocados pelo Sr. Scolari para fazerem parte da selecção que vai ao mundial de futebol da Alemanha. Heróis? Mas de quê? Se ainda nem sequer disputaram qualquer jogo e já são proclamados HEROIS. O que quer dizer que se por acaso, chegarem a conquistar o título, eles vão passar de HEROIS a DEUSES. Será assim?

Vejo todos os dias na televisão a romaria que se instalou de norte a sul do país, em apoio à nossa selecção. As bandeiras nacionais começam a enfeitar as janelas e até já deparei com ruas onde as bandeiras presas a cordas, ligavam os dois lados da rua, em toda a sua extensão. Aliás, a chamada “epidemia da bandeira” só agora começou e promete espalhar-se rapidamente, podendo atingir níveis superiores aos do Euro 2004. Não se fala de outra coisa na comunicação social, aliás, não se fala mesmo de outra coisa e o país prepara-se para fechar. Sucedem-se as entrevistas e os debates sobre as capacidades dos nossos jogadores e sobre as possibilidades da equipa portuguesa no Mundial.

As expectativas começam a ficar altas, provavelmente demasiado altas. E se bem que eu seja adepto do “pensar positivo” e detestar os “coitadinhos” e os “perdedores natos” que por aí pululam, chamo a atenção dos que garantem que o título já está no papo, para o que aconteceu na última semana com os Sub 21. Também eles eram já campeões da Europa mesmo antes de começarem e, afinal, nem sequer passaram da primeira fase. E, note-se, a fase final do Europeu da categoria está a disputar-se no nosso país, e a equipa teve todas as condições de trabalho e o apoio de um público extraordinário.

É necessário que haja prudência e bom senso. É certo que temos bons jogadores, temos um treinador vencedor mas necessitamos de mais, de muito mais. De uma equipa que jogue efectivamente dentro do campo e de muita, muita humildade. Se tudo isso existir, então, temos hipóteses de vir a fazer uma boa campanha e, quem sabe, de chegarmos a campeões. Até lá, será melhor não deitarmos foguetes antes da festa…

Mas, francamente, ganhando ou não o troféu máximo, chamar heróis aos jogadores da selecção, àqueles mesmos jogadores a quem são dadas as melhores condições de trabalho e que ainda por cima ganham vencimentos exorbitantes, completamente desajustados da realidade de um país de tão baixos salários, não, eu não alinho nessa onda. Apesar de gostar muito de futebol e de ter a certeza de que ficaria muito orgulhoso se a equipa de todos nós conquistasse o Mundial, mesmo assim, os jogadores não são definitivamente os meus heróis.

Heróis, para mim, são aquelas crianças que foram apanhadas lá no Norte, a coser sapatos para a Zara, a 20 cêntimos a peça. Crianças que não se podem dar ao luxo de serem, apenas, crianças e que, depois de chegarem da escola, têm que ajudar a família a aumentar o magro rendimento mensal, agarrando-se a um trabalho que lhes deixa as mãos gretadas e com cicatrizes, apesar das grossas dedeiras que nem sempre os protegem do cortante fio de nylon. Crianças que não podem gozar, como deveriam, o “Dia Mundial da Criança”, que se celebra na próxima quinta-feira.

Essas sim, são essas crianças que são os meus HEROIS!

3 comentários:

Anónimo disse...

Das duas uma, ou ninguém leu este texto ou, se o leram, não tiveram coragem para comentar. Sim, porque o autor teve a ousadia de remar contra a maré ao dizer que os futebolistas não são os seus heróis. Mas com o futebol não se brinca, mais a mais agora que o país está boquiaberto com os nossos craques. Pois fiquem a saber que os futebolistas também não são os meus heróis!

Anónimo disse...

Não me parece minimamente ousado.

Eu também não os considero meus heróis. Aliás, muita, mas mesmo muita gente não os considera heróis de coisa alguma.

Essas não são as opiniões que aparecem nos telejornais, mas não significa que sejam uma minoria sem expressão.


Felizmente não somos aquela massa acéfala-boladepenedente que querem fazer crer.


Há quem goste de futebol e ainda assim mantenha tudo em perspectiva.

Anónimo disse...

Viva
Já agora também comento...

Relembrando o velho dito, em que no fio da navalha se pode passar com a maior das facilidades de bestial a besta, confesso que de tanta “bola” na tv um dia destes, querem que possamos todos nós, os telespectadores ser promovidos a bestiais.

Haja pudor, mesmo a TVE, que tem muito mais Bola para relatar, quer pelo número de equipas / jogos / jogadores / campeonatos / (respectiva qualidade) / patrocinadores / tele e principalmente espectadores, no seu país de origem, utiliza o tempo de antena com as mais variadas modalidades desportivas. Nós por cá ... nada disso ...
– O importante é relatar os treinos e a outras coisas miú ... IMPORTANTES, ia dizer miúdas mas, ... sobre as miúdas dos jogadores também se fala muito !

- Nem com eles aprendemos...! (depressão!)

Recomenda-se pois uns pontapés na TV (não partam nada), poderemos todos contribuir para acertar os relógios da inteligência.

Beneficium divisionis (em beneficio da divisão)