domingo, junho 04, 2006

O Dia Mundial da Criança


Por dificuldades de agenda, não pude, como pretendia, estar presente aqui no blogue no "Dia Mundial da Criança". Mas, porque queria dizer alguma coisa sobre este dia, penso que ainda vou a tempo.

Como já tenho referido, não sou um grande adepto da existência dos dias mundiais do que quer que seja, talvez porque quase todos os dias, são “dias de qualquer coisa”. Concedo, porém, a minha atenção a duas excepções, que por o serem, merecem o meu carinho: o “dia da mãe” e o “dia da criança”. O primeiro, porque devemos uma atenção e um amor especialíssimo a quem nos trouxe ao mundo. O segundo, porque, e desculpem-me a frase feita, “o melhor do mundo são as crianças” e é nelas que devemos depositar a nossa esperança num mundo melhor.

Mas o dia da criança é festejado por todas as crianças do mundo? Não, não por todas.

Um relatório da Agência do Vaticano agora publicado, revela que há 860 milhões de crianças a sofrer em todo o mundo. Dessas, 400 milhões são afectadas pela desnutrição, das quais, 11 milhões morrem antes dos cinco anos de idade. Em cada minuto, uma criança nasce infectada pelo HIV e uma morre por essa mesma causa. Igualmente brutal é a situação de cerca de 211 milhões de crianças que são obrigadas a trabalhar, algumas em regime de escravatura.

Os números são assustadores. A sociedade que deveria proteger as suas crianças, está tão doente que não consegue cumprir com as suas obrigações para com elas, obrigações que, de resto, foram institucionalizadas pelas Nações Unidas ao aprovarem uma lei chamada “Convenção dos Direitos das Crianças” que, basicamente, estabelece a forma como os governos devem trabalhar para que todas as crianças gozem dos seus direitos. Explicando melhor, os governos devem trabalhar no sentido de garantir a todas as crianças os direitos a que elas têm direito.

E para que não restem quaisquer dúvidas, transcrevo apenas dois dos artigos da “Convenção dos Direitos das Crianças”:

Artº. 27º. Tens direito a um nível de vida digno. Quer dizer que os teus pais devem procurar que não te falte comida, roupa, casa, etc. Se os pais não tiverem meios suficientes para estas despesas, o governo deve ajudar.

Artº. 32º. Tens direito a protecção contra a exploração económica, ou seja, não deves trabalhar em condições ou locais que ponham em risco a tua saúde ou a tua educação. A lei portuguesa diz que nenhuma criança com menos de 16 anos deve estar empregada.

Pegando apenas nestes dois artigos da CDC e olhando para o relatório da Agência do Vaticano podemos ver como a lei é grosseiramente violada. “Duzentos e onze milhões de crianças que são obrigadas a trabalhar, algumas em regime de escravatura”, como aquelas duas crianças do norte do país, que foram mostradas por uma reportagem do Expresso.

A revelação, denunciada por essa reportagem, de que continua a haver trabalho infantil em Portugal abanou muitas consciências. Mas não, ao que parece, a do jornalista José Júdice que na crónica “Globalização Infantil”, publicada num jornal de Lisboa, escreveu:

“A exploração do trabalho infantil é um dos tabus da sociedade moderna e evoluída. Para os moralistas é repugnante a ideia de uma criança se ver forçada a trocar a inocência dos seus verdes anos pelo suor esquálido de um trabalho quase escravo. Por isso, todas as pessoas que não tenham nenhuma razão específica ou nenhuma causa particular a defender, se sentem ofendidas e chocadas”. E José Júdice prossegue dizendo que “considera que o rendimento obtido por cada criança não é nada mau para miúdos daquelas idades, cuja alternativa possível seria passar o dia na escola a não aprender nada ou, talvez, a agredir física e verbalmente as professoras, mas esse pormenor parece ter passado despercebido à nossa boa consciência que condena o trabalho infantil”.

Obviamente que não concordo com a opinião do José Júdice. Mais, choca-me a sua falta de sensibilidade para uma situação que fere claramente todos os princípios morais e éticos e que viola a lei.

Compreendendo, embora, que muitas famílias, por carência absoluta de meios, recorram à “ajuda” das suas crianças para assegurar a subsistência de todos, não posso aceitar, no entanto, que essas famílias dependam sistematicamente do trabalho dessas mesmas crianças. Como estabelece o artigo 27 da “Convenção dos Direitos das Crianças”, se os pais não tiverem meios suficientes, o governo deve ajudar. Era o que se poderia esperar de Portugal, um país que pertence à primeira divisão dos países europeus, há mais de vinte anos.

É por tudo isto que abro uma excepção para a comemoração do Dia Mundial da Criança, para que não haja esquecimento dos direitos das crianças.

Sem comentários: