quinta-feira, dezembro 28, 2006

Parabéns a Você

Hoje sinto-me completamente à-vontade. Como anunciei que só regressaria no dia 8 de Janeiro, tenho a certeza que ninguém se lembrará de espreitar este cantinho para ver se, entretanto, houve alguma novidade. Porque é que haveria?

Posso, portanto, escrever o que me apetecer, sem sequer me preocupar com o estilo ou com o conteúdo. Hoje, e porque FAÇO ANOS, escrevo apenas para mim e a mim dedico uma poesia do poeta João de Deus.

Aliás é uma poesia cujos versos, sobretudo os primeiros, se costumam declamar (declamar é capaz de ser exagero, talvez dizer) sempre que um amigo “cai na asneira” de aniversariar.

É uma poesia que, de alguma forma, todos conhecemos (pelo menos os mais velhos), e que, se calhar, alguns de nós até a souberam de cor e a declamaram alguma vez.

A minha mãe adorava-a e, invariavelmente, em todos os dias 28 de Dezembro, recitava-a entusiasmada - dedicando-a a mim, naturalmente - com uma alegria bem patente nos seus olhinhos envelhecidos mas brilhantes, que reflectiam toda a felicidade.


Então, de João de Deus,

“Dia de Anos”


Com que então caiu na asneira
De fazer na quinta-feira 25 anos,
Que tolo
Ainda se os desfizesse
Mas fazê-los não parece
De quem tem muito miolo

Não sei quem foi que me disse
Que fez a mesma tolice
Aqui no ano passado
No que vem agora aposto
Como tomou o gosto
E faz o mesmo coitado

Mas anos não caia nessa
Olhe que a gente começa
Às vezes por brincadeira
E fá-los queira ou não queira


Parabéns, demascarenhas, por mais um aniversário. Não, certamente, os 25 anos que refere a poesia mas, o que é que isso interessa? Ao fim e ao cabo, o que tem piada, para além do dia propriamente dito (que já aqui disse que gosto muito de comemorar, e de receber cumprimentos, e de receber prendas e de brindar a mim e a todos os que me são próximos), é que nunca me tinha dado Parabéns a mim mesmo. Alguma vez teria que acontecer. É a vida!

terça-feira, dezembro 19, 2006

As maiores Árvores de Natal



Em 2005 já tivemos a maior árvore de Natal da Europa, então com 72 metros de altura.

Talvez influenciados por aquela que é, ainda, a maior do mundo, a do Rio de Janeiro, (ambas construídas, aliás, pelos mesmos técnicos), que todos os anos vai sendo um pouco mais alta, a nossa árvore, localizada na belíssima Praça do Terreiro de Paço, em Lisboa, também cresceu um bocadinho e, este ano, tem 75 metros de altura (mais três metros do que em 2005) e continua a ser a


Árvore de Natal mais alta da Europa





Mas como não nos era suficiente tal feito, este ano temos também,
na secção de árvores verdadeiras,
uma das Árvores de Natal mais altas do Mundo

Uma árvore à séria, uma araucária excelsa, de 49 metros de altura, que está plantada e toda iluminada, no Jardim dos SLAT, em Viana do Castelo.



Nós somos assim, ou tudo ou nada. Quais megalómanos, metemos na cabeça que temos que estar no topo da classificação das maiores (em altura) árvores de Natal do mundo, artificiais ou verdadeiras.
Apesar das Árvores de Natal serem um símbolo pagão, elas constituem, desde há muito, uma tradição do nosso Natal.

A todos, desejo


BOM NATAL

FESTAS FELIZES

FELIZ ANO DE 2007




Estarei de volta no próximo dia 8 de Janeiro de 2007. Até lá!

segunda-feira, dezembro 18, 2006

Fora de prazo

Eu “ainda sou do tempo” em que os produtos não indicavam os prazos de validade. As águas, as manteigas, os fiambres, os yogurtes quando apareceram, as bolachas, todos, mas TODOS os produtos que consumíamos estavam seguramente em óptimas condições, porque não havia indicação em contrário que nos dissesse que a partir de determinada data, os produtos estavam (ou estariam) presumivelmente estragados.

Mas, enfim, os especialistas entenderam que era
imprescindível dar melhor informação aos consumidores sobre o estado dos alimentos, e hoje poucos produtos estarão isentos dessa indicação. Que me lembre, os whiskies terão passado ao lado dessa necessidade, talvez, digo eu, porque estão conservados em álcool.

Passados vários anos após esta inovação, hoje, todos estamos muito melhor informados, sem dúvida mais protegidos relativamente à ingestão das bactérias putrefactas mas, sobretudo, estamos amarrados ao cumprimento de consumir o que quer que seja até àquela data que lá está indicada, mas nem um dia a mais.

Eu confesso que não sou tão radical como isso. Se um yogurt ultrapassou um ou dois dias e se a embalagem não está opada, se o conteúdo não cheira mal nem tem mau aspecto e mau sabor, eu como-o na mesma. E aplico idêntico princípio a outros alimentos. Mas eu sou um cidadão anónimo que faço da minha privacidade o que me der na realíssima gana.

O que já não deve acontecer quando se trata de organismos públicos, quer sejam privados ou do Estado.

Não deve, mas acontecem. E para que se saiba, vejam o que sucedeu no passado dia 17 de Novembro, com o voo da TAP para Angra do Heroísmo, voo que estava muito atrasado e que, por isso, em vez do jantar, os passageiros tiveram que se contentar, lá por volta das onze da noite, com umas sandes que a TAP lhes serviu.

A data de validade das ditas sandes era precisamente 17 de Novembro (o próprio dia do voo), portanto, estavam ainda dentro do prazo, embora no limite. Mas suponham que o voo em vez de ir para Angra se destinava a Copenhaga que tem mais uma hora que Lisboa. Nesse caso, as sandes já estariam fora do prazo de validade. Aliás, como estavam fora de validade as sandes distribuídas a dois passageiros do voo em questão, Lisboa-Angra do Heroísmo, cuja data-limite indicada era de dia 16 de Novembro.

Podemos argumentar à vontade, mas a realidade é esta, se existem regras bem definidas nesta matéria, elas têm que ser cumpridas.

domingo, dezembro 17, 2006

Será que é desta?

Ao que parece o Governo vai aprovar um decreto-lei sobre as habilitações indispensáveis para o exercício da docência: todos terão que, para além de outras especificações, ter um mestrado e saber português. Neste particular, requere-se que os candidatos a professores demonstrem “domínio oral e escrito da língua portuguesa”. Bravo, já é alguma coisa.

Não que eu esteja convencido que só com essas medidas, quero dizer, só com o professor dominar (mais ou menos) bem o português, se consiga o desejado aproveitamento escolar, mas se temos que começar por algum lado ... vamos a isso.

Contudo, e sendo realmente importante esta medida, já agora, gostaria de ver professores com vocação para ensinar, que fossem criativos, que conseguissem cativar os alunos, que estivessem actualizados e que dominassem as últimas tecnologias por forma a tornar interessantes (e desejadas) as suas aulas. Porque aquilo que mais afasta os formandos é o tormento de aturarem professores “chatos” e que eles, formandos, percebam perfeitamente que os “profes” não se sentem seguros do que estão a tentar transmitir. Um professor tem que gostar de ensinar e o ensinar para ele não pode ser um simples emprego, uma forma de ganhar a vida.

Mas há ainda uma coisa que, a meu ver, poderia ajudar, e muito, o sucesso que agora se pretende começar a desenhar. Refiro-me aos conteúdos dos programas. Deveriam ser mais interessantes e, particularmente em certas disciplinas, mais virados para a prática e para o mundo empresarial.

Enfim, este poderá ser um bom começo, o domínio da língua portuguesa por quem tem a obrigação de ensinar.

É que ouve-se e vê-se por aí cada calinada que é de bradar aos céus!

sexta-feira, dezembro 15, 2006

Podem “Bazar”

Já aqui temos falado por diversas vezes em publicidade, e sobre o mau gosto e a falta de ética existentes em certas campanhas publicitárias.

Passa neste momento nos vários canais de televisão um anúncio patrocinado pela TV Cabo, em que um homem chega a casa e, consoante a versão do anúncio, ele depara com bilhetinhos deixados pela mulher, pelo filho, pela filha e até pela empregada, todos a dizer que o abandonavam porque ele era grandessíssimo unhas de fome, porque não tinha querido gastar uns míseros 15,50 euros, que lhes permitiria terem mais uns quantos canais de TV espalhados pela casa.

Na minha opinião, aquele anúncio é de um profundo mau gosto. Não vejo ali nem criatividade nem sequer humor, por muito subtil que ele pretendesse ser.

Na verdade, o que eu consigo ver é o apelo puro e simples à descaracterização do padrão familiar, em que todos os que “bazaram”, como diz o filho, preferem trocar a estabilidade familiar, a partilha, pelo prazer de estarem sós diante de mais uns canais de televisão em casa.

Eu sei que muitos discordarão da minha opinião, que os mais chegados à criação publicitária repetirão que a publicidade apenas retrata, ou vai buscar inspiração à própria sociedade (o que é verdade, infelizmente) mas temos que ser honestos. O apelo a valores e princípios não vende e, daí, que se recorra a estratégias como esta, que vão minando e provocando a separação cada vez maior das famílias e levam cada um de nós, inevitavelmente, ao isolamento social.

Um anúncio de mau gosto, em suma!

terça-feira, dezembro 12, 2006

No calor da noite



Como estamos numa época em que ficamos particularmente sensíveis, decidi contar-vos hoje uma história de amor, uma linda história de amor. E, como todas as histórias, esta também começa por
“Era uma vez...”.


Era uma vez uma jovem, de seu nome Carolina Salgado, que, para conseguir o sustento de todos os dias para ela e para os seus dois filhos ainda pequenos, se empregou como “alternadeira” num bar muito lindo chamado “O Calor da Noite”.

Um dia, quero dizer, uma noite, nesse bar tão acolhedor, a jovem Carolina conheceu Jorge Nuno, um garboso homem, bonito de figura, próspero nos negócios e, ainda por cima, presidente do maior clube de futebol lá da terra.

E como tantas vezes acontece, surgiu entre eles algo que os deixou perdidamente apaixonados um pelo outro. E, porque foi um amor à primeira vista, tão intenso e tão abrasador, logo ali, no “Calor da Noite”, decidiram unir os seus destinos. E Carolina e Jorge Nuno viveram um belo romance de amor.

Mas, e há sempre um mas, mesmo nas histórias de amor, o casal desentendeu-se e a briga feia foi subindo de tom, até que se separaram.

Despeitada por ter sido rejeitada, Carolina decidiu escrever um livro em que denunciou uma série de ilegalidades do seu ex-companheiro. Acusou-o de ter comprado árbitros que iam dirigir os jogos do seu clube, pagando-lhes com viagens, dinheiro e “alguns favores” de certas senhoras, acusou-o de evasão fiscal, de agressões, de perjúrio e fuga à justiça. Tudo acusações muito graves, que mais não foram que os desabafos mais íntimos e sofridos de Carolina. Mas esses desabafos tão sentidos foram ainda mais longe e Carolina para além de apontar o dedo ao seu antigo amor, acusou também nomes importantes ligados ao clube e ao futebol da região e até à pessoa da Polícia Judiciária que avisou Jorge Nuno que ia ser detido, o que os levou a fugir para Espanha.

A coisa ficou muito feia. Jorge Nuno não deve ter gostado nada do que Carolina disse sobre ele, que, a provar-se, o colocaria em maus lençois e o poderia levar à prisão. A ele e aos outros que, com ele andavam envolvidos em todas estas andanças. Aquilo que um senhor que tinha sido presidente de um clube rival do de Jorge Nuno, tantas vezes dissera que “o futebol estava como estava porque a culpa era do sistema”. E nunca ninguém disse o que era o sistema ou quem é que fazia parte do sistema. Como o povo costuma dizer “não se dava os nomes aos bois”.

Carolina, porém, chamou os bois pelos nomes, com a vossa licença, e ao escrever o livro, certamente por despeito, ingenuidade, ou mau aconselhamento, também ela ficou exposta aos rigores da lei, podendo ser constituída arguída por co-autoria moral de crimes efectuados pelo seu ex-companheiro. Mas, pelo menos, teve o seu momento de glória. A comunicação social apareceu em peso, entrevistou-a, deu publicidade à sua “obra”, coisa que a maior parte dos nossos bons escritores nunca conseguiram.


Mas a história ainda ainda vai no princípio e vai, seguramente, prosseguir brevemente na justiça.



No que respeita ao livro, ele teve o mérito de pôr a nú muitas das suspeitas que a maioria das pessoas tem desde há muito sobre o mundo do futebol e sobre as personagens que Catarina acusou (e outras), e teve igualmente o mérito de obrigar a justiça a mexer-se e a investigar mais a fundo com base não só na avaliação do próprio livro mas, interligando as várias acusações com o que já foi investigado no âmbito do processo “Apito Dourado”.


Do ponto vista literário, este livro não passará de um lixo, onde se misturam acusações, com pormenores das vidas privadas dos ex-amantes, alguns deles publicados com destaque nas páginas de certos jornais e que foram alvo da chacota geral, nomeadamente, aquela declaração de Catarina relativamente a Jorge Nuno:

“Tendo problemas de flatulência [...] de vez em quando descuidava-se [...] em cerimónias oficiais, levando-me a acender, de imediato, um cigarro para disfarçar o odor”.


Os ingleses chamam a este género de livros ‘kiss and tell’. Beijar e contar. Um género que não obriga a boa escrita, só a fraco carácter.


O certo é que uma história que parecia uma bela história de amor, ainda mais acobertada pelo calor do “Calor da Noite” está em vias de acabar muito mal.


Como na canção do Jorge Palma poderíamos dizer que, afinal, Catarina e Jorge Nuno estavam “no lado errado da noite”...

segunda-feira, dezembro 11, 2006

Em bom português

O que pensariam os meus amigos se ao acederem ao blog deparassem com uma frase como esta:
oje porque chuvia muito, fiquei em casa a ver televisão e entretiveme com pogramas culturais e outros a fins. Por isso, a muleza foi tão grande que não me apeteceu escrever o testo para o blog”.


Eu sei o que pensariam de mim, escusam de o dizer.



E o que pensariam ao saber que o Teatro Nacional de D. Maria II colocou à venda um DVD em francês sobre o comediante, coreógrafo e pedagogo Jacques Lecoq, com legendagem em português – paga, aliás, pelo próprio D. Maria II – que foi tão mal feita, mas tão mal feita, que se revelou uma verdadeira desgraça e que de português tem quase nada?

Não há pedagogia nem pachorra que resistam, quando se assiste a um documentário com legendas num português tão correcto como indes, senti-lo, prolungamento, descubrir, espetáculo, estilisado, fisestes ou viagam.


Quem escreve assim ...

domingo, dezembro 10, 2006

De centro esquerda


“Sou de Centro Esquerda”, esta a frase, proferida pela Drª. Maria Cavaco Silva, em entrevista à revista Visão, que tem provocado sucessivas ondas de choque no Partido Social Democrata.

Mais, diz-se até que a posição pública assumida por Maria Cavaco Silva embaraçou o PSD de tal modo, que os dirigentes, deputados e militantes do partido, chegaram a duvidar de que a frase tivesse saído com grande destaque na capa da revista (mas foi mesmo, como prova a fotografia anexa). Fala-se já em levá-las a tribunal. Às duas, à Visão e à Drª. Maria.

Confesso que a mim também me chocou que a esposa do Presidente da República, ao que parece um homem conotado com a direita (o que está ainda por provar) e por ela apoiado para a eleição à Presidência da República, primeiro ministro justamente de um governo PSD, durante 10 anos, se tivesse assumido como sendo de esquerda, embora ao Centro.

Aliás, a minha atitude (a de choque) foi muito idêntica à que tive quando soube que a minha filha é adepta do Sporting, quando eu sou um benfiquista convicto. Neste caso particular, acho até que a notícia me poderia ter provocado um ataque cardíaco, tão forte foi o choque. E só não a levei a tribunal, porque era minha filha mas, de qualquer forma, para lhe fazer sentir o meu desgosto e o meu embaraço, decidi deserdá-la.


Ora, meus amigos, agora falando a sério, será que um mosquito vindo sei lá de onde, vos tirou a inteligência e os impede de raciocinar? Ainda que o Presidente fosse um homem de direita, o que é que impede que a esposa tenha uma opção política diferente? Será anti-constitucional? Será uma infidelidade conjugal?

A senhora, pensasse o que pensasse, podia até ter ficado caladinha e tudo estaria na paz do Senhor. Mas não, a Drª. Maria Cavaco Silva decidiu dizer publicamente que, em termos políticos é de centro esquerda. Muito bem, revelou coragem e demonstrou claramente que não tem medo de manifestar as suas opiniões, até em questões, como esta, que poderiam “chamuscar” a sua condição de Primeira Dama. Muito bem, uma vez mais.

Para além de uma pequena notícia de jornal, ainda não vi nem ouvi qualquer reacção por parte dos dirigentes do PSD. Mas, estou convencido que depois do primeiro embate, e já com a cabeça fria, ninguém se atreverá a dizer uma palavra que seja, sobre a tomada de posição da Drª. Maria Cavaco Silva, num país livre, onde as pessoas podem, livremente, expressar as suas opiniões.

Não me recordo, de resto, que os dirigentes, deputados e militantes do PSD tivessem ficado tão indignados quando, há uns anos, Roberto Carneiro era Ministro da Educação (pelo PSD) e, a esposa, deputada pelo Partido Socialista.
Enfim, outros tempos!

quarta-feira, dezembro 06, 2006

A ilusão

O homem não teria mais do que um metro de altura. Talvez nem tanto, noventa centímetros, quando muito. Trajava uma calça beije, casaco e camisa azuis e gravata entre o vermelho e o bordeau. Muito embora o vestuário conjugasse na perfeição, o semblante do homem destoava claramente. Tinha um ar triste.

Já me cruzara com ele momentos antes e fixara-o justamente pela sua pequena estatura. Aliás, cruzámo-nos duas ou três vezes, para ser mais preciso.

A determinada altura, num dos pequenos corredores do pequeno centro comercial, sentei-me quase em frente de um painel que ostentava, em cada um dos lados, como motivo decorativo, dois espelhos. Espelhos esses que refletiam imagens distorcidas das pessoas e que tanto as faziam gordas como magras, como altas como baixas, mas quase sempre horrendas e desproporcionadas em relação à realidade. Como aqueles espelhos que tanto nos faziam rir na velha Feira Popular, na conhecida “Casa dos Espelhos”, também conhecida pela “Casa dos Horrores”.

Dei, então, com o homem a deambular de um lado para o outro do corredor, parando por momentos em cada um dos espelhos, para, logo de seguida, continuar a andar. E fez isto uma infinidade de vezes. Chegava ao pé de um dos espelhos, mirava-se de frente, colocava-se de perfil e seguia até ao outro espelho do outro lado do painel.

Só ao fim de algum tempo, julguei perceber a verdadeira intenção do homem. Ajustar o nó da gravata, estava fora de questão, pois estava no lugar certo. Compor o casaco, também não seria o caso, muito embora o tamanho fosse um pouco excessivo para uma pessoa com a sua altura. Alinhar o penteado, tão pouco, os escassos cabelos estavam irrepreensivelmente penteados. Alimentar a sua vaidade com a miragem de um homem esbelto, muito menos, porque aquele tipo de espelhos são públicos inimigos da vaidade humana.

O que, portanto, o homem tanto procurava junto daqueles espelhos - e só podia ser isso - era a tentativa de conseguir que um qualquer ângulo desses espelhos, pudesse reflectir não os seus oitenta ou noventa cêntimetros bem medidos, mas, quem sabe, a altura que sempre desejara ter, de um metro e noventa, quem sabe se um pouco mais.

terça-feira, dezembro 05, 2006

A verdade nua e crua

A Rádio Pax, de Beja, desde há muito que nos habituou às excelentes crónicas escritas por Alberto Matos.

O texto que se segue foi transmitido hoje, 05.12-2006. E, porque está muito bem escrito, porque se trata de um assunto extremamente actual e porque a questão é séria e deve merecer a nossa melhor reflexão, achei que devia partilhá-lo convosco. Vale a pena pensar neste momentoso problema.


“O Presidente da República marcou para 11 de Fevereiro o referendo sobre a IVG (interrupção voluntária da gravidez), apelando aos participantes na campanha para que procurem “um debate sério, informativo e esclarecedor para todos aqueles que irão ser chamados a decidir uma matéria tão sensível como esta”.
A primeira condição para um debate sério e esclarecedor é partir da realidade concreta da sociedade portuguesa que, em matéria de aborto clandestino como noutras, nos coloca na cauda da Europa.
Todos podemos invocar os mais variados conceitos filosóficos, éticos e/ou religiosos (ou ainda a ausência deles) para sustentar o SIM ou o NÃO. Mas uma teoria que não se sustenta na experiência prática não passa de especulação, livre mas infecunda. E é sobre a realidade nua e crua da sociedade portuguesa, neste início do século XXI, que faz todo o sentido colocar aos cidadãos a seguinte pergunta: “Concorda com a despenalização da IVG se realizada por opção da mulher, nas primeiras dez semanas de gravidez, em estabelecimento de saúde legalmente autorizado?”.
E qual é a realidade portuguesa em matéria de aborto? Todos os anos vão parar ao hospital mais de mil mulheres devido a complicações resultantes de abortos feitos clandestinamente, por curiosos ou mesmo pelas próprias mulheres, em desespero de causa. Algumas morrem, muitas sofrem lesões irreversíveis que as impedem de ser mães para o resto da vida. Outras ainda são conduzidas à barra dos tribunais, juntando esta humilhação ao sofrimento do corpo e do espírito que as marcará para sempre. Lembram-se que, no referendo de 1998, os partidários do NÃO garantiam que não haveria mais julgamentos de mulheres vítimas de aborto clandestino? É o que se tem visto…
O aborto é, evidentemente, um último recurso numa situação desesperada. Por isso mesmo, a sua prática não deve constituir mais um castigo ou uma vergonha para a mulher. Não é, evidentemente, um método alternativo de planeamento familiar. Mas, apesar de todas as campanhas de prevenção e mesmo com o recurso à pílula do dia seguinte há sempre, estatisticamente, milhares de mulheres obrigadas a recorrer ao aborto, pelas mais variadas razões. Esta é a verdade nua e crua e não vale a pena enterrar a cabeça na areia. Cabe aqui recordar outra promessa de 1998 – um investimento sério no planeamento familiar – furada, por exemplo por Bagão Félix que, uma vez no governo, tudo fez para travar uma educação sexual saudável e descomplexada nas escolas.
Um argumento habitual do NÃO é que uma decisão de tal gravidade não pode depender unicamente da vontade da mulher, devendo envolver o seu marido ou namorado. É desejável que isso aconteça. O problema é que, em muitos casos, já não há parceiro: ou porque este fugiu ás responsabilidades; ou porque a mulher, por razões do seu foro íntimo, entendeu não lhe comunicar que está grávida; ou ainda em situações mais graves, como a violação. Nestes casos (que estão entre as principais causas de aborto), onde está o parceiro? Infelizmente, é em profunda solidão que muitas mulheres são obrigadas a decidir.
E é por isso que elas devem dispor de todo o apoio médico e psicológico, em estabelecimento legal de saúde, onde ninguém chega e faz um aborto sem passar por uma consulta. Neste processo, com a devida informação, é possível até que algumas destas mulheres ou adolescentes mudem de ideias e descortinem alternativas que lhes permitam assumir a maternidade. Pelo contrário, se for à curiosa ou à clínica de luxo, num bairro fino, o aborto é para já! Desde que pague… E até pode lá encontrar um desses hipócritas que se declara objector de consciência à IVG… mas apenas no SNS, tentando sobrepor um qualquer corporativismo aos direitos de cidadania e à saúde das mulheres.
No debate que agora se (re) inicia, iremos assistir à invocação casuística da ciência, numa mistura perversa com a religião. Convirá recordar Galileu – “no entanto, ela move-se”, as rodas dos conventos, a condenação do preservativo e da pílula do dia seguinte. Os diversos “ayatollahs” são livres de pregar aos fiéis mas, por favor, não nos obriguem a viver numa sociedade confessional. Parece que o fundamentalismo não está só na Turquia nem do outro lado do Mediterrâneo. É que se o SIM vencer no referendo de 11 de Fevereiro, como estou convicto, ninguém fica obrigado a violar os seus conceitos éticos ou religiosos. Será apenas o triunfo do direito à livre escolha.
O debate ainda está no princípio, mas é importante colocar em cima da mesa a verdade nua e crua, pondo de lado toda a hipocrisia”.

segunda-feira, dezembro 04, 2006

Nem tudo o que luz ...

O ano passado, quando visitavámos o Palácio Imperial de Petrópolis, no Brasil, conhecemos um casal de portugueses, um pouco mais velhos do que nós, que também andavam por ali em turismo. Durante a visita, enquanto passávamos pelos salões e íamos ouvindo as explicações do guia, de quando em vez trocávamos impressões sobre aquilo que nos iam dizendo, alongando-nos um pouco mais sobre alguns aspectos mais significativos da nossa História.

E, conversa puxa conversa, não tardou que falássemos de política, mais propriamente da política que nos levou a permanecer portugueses e não sermos hoje espanhois.

“Como nós seríamos mais felizes se fizéssemos parte de Espanha. Como estaríamos melhor em termos de ordenados e pensões” dizia o meu companheiro de passeio. Ainda tentei argumentar mas senti, da parte dele, uma atitude bastante intransigente que roçava o confronto, pelo que decidi deixar morrer aquela e as outras conversas a partir dali.

Mas, a verdade, é que este sentimento pró-espanhol nem sequer me causou alguma admiração. Lembram-se que há bem pouco tempo uma sondagem do Semanário Sol, a que dei aqui o devido destaque, indicava que 28 % dos portugueses gostariam de ser espanhois. Por isso ...

Claro está que, como é hábito, pelo menos nos portugueses, normalmente, “vê-se o vinho que os outros bebem, mas não se vê os tombos que dão”. É, portanto, natural que os nossos compatriotas vejam que Espanha tem uma das mais elevadas taxas de crescimento da União Europeia, tem o emprego e os salários em alta (sobretudo este item é muito valorizado entre nós) e tem as contas públicas mais do que equilibradas.

Só que, como diz o Professor Daniel Bessa, nem tudo o que luz é ouro...

E assim, alertados que somos para o problema, temos forçosamente que olhar para o outro prato da balança e constatar que o crescimento de Espanha é quase totalmente assegurado pelo mercado interno e a inflação é das mais altas da UE. As exportações crescem muito lentamente e as importações crescem também, mas a um ritmo louco. O défice da balança de transacções correntes é o segundo maior do mundo, excedendo já os 8% do PIB.

Mesmo olhando para o fiel da tal balança onde se aferem os ganhos e as perdas, quase que juraria que os mesmos portugueses que afirmaram querer ser espanhois, permaneceriam fieis à sua crença. O vil metal, traduzido em melhores vencimentos, continua a ser um chamamento muito forte.

Mas, não esqueçam aqueles que pensam deste modo que, e volto a citar o Professor Miguel Bessa,

“Em Economia não há resultados definitivos. Estamos e estaremos, eternamente, no intervalo que separa a primeira de uma segunda parte”.

domingo, dezembro 03, 2006

Novamente à volta da gramática

Já em Setembro tinha aqui feito algumas considerações sobre o TLEBS, a “Terminologia Linguística para o Ensino Básico e Secundário”. Referi-me então, nomeadamente, às grandes alterações que estavam a ser introduzidas já no ano lectivo em curso ao nível da gramática, e às enormíssimas confusões e falta de preparação para essas alterações, por parte de professores, pais e da população em geral.

E o reflexo disso tem-se vindo a sentir um pouco por toda a parte. E com aspectos psico-somáticos e depressivos que urge atacar quanto antes.

Miguel Sousa Tavares, por exemplo, reflectia há dias sobre o futuro do seu cão. Dizia ele que, até há pouco tempo, pelo menos do ponto de vista gramatical, o seu cão era um substantivo. Ora, neste momento, MST só tem a certeza que o cão continua a ser cão, mas substantivo é que ele tem a certeza que ele já não é. Passou a ser um “nome comum, contável, animado e não humano”, o que nos leva a pensar que ou o cão não é o mesmo ou alguém lhe deu qualquer coisa estragada para comer, ou que, se calhar, estamos perante um caso de polícia. Não por causa do cão, mas pelos génios que se lembraram de complicar aquilo que sempre foi fácil e acessível.

Mas o que me deixou mais abazurdido, foi conhecer a razão que levou este grupo de linguístas a mexer tão profundamente na nossa gramática:
é que a gramática (esta mesma gramática que nos acompanha há tantos anos) já não era alterada desde 1976, calculem.
Acho que é uma razão plenamente justificável. De facto, não se compreende como, durante tantos anos, ninguém se lembrasse de lhe fazer uma alteração, pequena que fosse, permitindo, deste modo, que um cão continuasse a ser – indevidamente - durante todos estes anos, um substantivo, e não um nome comum, etc., etc., etc.
São coisas como estas que fazem com que nos atrasemos relativamente a todos os outros países da comunidade... é injustificável!

Mas a cereja em cima do bolo surgiu na posição pública assumida por Vasco Graça Moura, José Saramago e Eduardo Prado Coelho, entre outros intelectuais e professores, que entregaram um abaixo-assinado à Ministra da Educação. O documento pede a suspensão “imediata” da TLEBS. Consideram-na “incorrecta e abstrusa” e a sua aplicação “terá gravíssimas consequências para o país”.

Abstrusa, nem mais.

Sendo assim, resta-me a esperança que o cão do MST, quero dizer, que o cão que pertence ao Miguel Sousa Tavares, para além de cão, volte a ser um substantivo. Ele (o cão) bem o merece!