terça-feira, dezembro 12, 2006

No calor da noite



Como estamos numa época em que ficamos particularmente sensíveis, decidi contar-vos hoje uma história de amor, uma linda história de amor. E, como todas as histórias, esta também começa por
“Era uma vez...”.


Era uma vez uma jovem, de seu nome Carolina Salgado, que, para conseguir o sustento de todos os dias para ela e para os seus dois filhos ainda pequenos, se empregou como “alternadeira” num bar muito lindo chamado “O Calor da Noite”.

Um dia, quero dizer, uma noite, nesse bar tão acolhedor, a jovem Carolina conheceu Jorge Nuno, um garboso homem, bonito de figura, próspero nos negócios e, ainda por cima, presidente do maior clube de futebol lá da terra.

E como tantas vezes acontece, surgiu entre eles algo que os deixou perdidamente apaixonados um pelo outro. E, porque foi um amor à primeira vista, tão intenso e tão abrasador, logo ali, no “Calor da Noite”, decidiram unir os seus destinos. E Carolina e Jorge Nuno viveram um belo romance de amor.

Mas, e há sempre um mas, mesmo nas histórias de amor, o casal desentendeu-se e a briga feia foi subindo de tom, até que se separaram.

Despeitada por ter sido rejeitada, Carolina decidiu escrever um livro em que denunciou uma série de ilegalidades do seu ex-companheiro. Acusou-o de ter comprado árbitros que iam dirigir os jogos do seu clube, pagando-lhes com viagens, dinheiro e “alguns favores” de certas senhoras, acusou-o de evasão fiscal, de agressões, de perjúrio e fuga à justiça. Tudo acusações muito graves, que mais não foram que os desabafos mais íntimos e sofridos de Carolina. Mas esses desabafos tão sentidos foram ainda mais longe e Carolina para além de apontar o dedo ao seu antigo amor, acusou também nomes importantes ligados ao clube e ao futebol da região e até à pessoa da Polícia Judiciária que avisou Jorge Nuno que ia ser detido, o que os levou a fugir para Espanha.

A coisa ficou muito feia. Jorge Nuno não deve ter gostado nada do que Carolina disse sobre ele, que, a provar-se, o colocaria em maus lençois e o poderia levar à prisão. A ele e aos outros que, com ele andavam envolvidos em todas estas andanças. Aquilo que um senhor que tinha sido presidente de um clube rival do de Jorge Nuno, tantas vezes dissera que “o futebol estava como estava porque a culpa era do sistema”. E nunca ninguém disse o que era o sistema ou quem é que fazia parte do sistema. Como o povo costuma dizer “não se dava os nomes aos bois”.

Carolina, porém, chamou os bois pelos nomes, com a vossa licença, e ao escrever o livro, certamente por despeito, ingenuidade, ou mau aconselhamento, também ela ficou exposta aos rigores da lei, podendo ser constituída arguída por co-autoria moral de crimes efectuados pelo seu ex-companheiro. Mas, pelo menos, teve o seu momento de glória. A comunicação social apareceu em peso, entrevistou-a, deu publicidade à sua “obra”, coisa que a maior parte dos nossos bons escritores nunca conseguiram.


Mas a história ainda ainda vai no princípio e vai, seguramente, prosseguir brevemente na justiça.



No que respeita ao livro, ele teve o mérito de pôr a nú muitas das suspeitas que a maioria das pessoas tem desde há muito sobre o mundo do futebol e sobre as personagens que Catarina acusou (e outras), e teve igualmente o mérito de obrigar a justiça a mexer-se e a investigar mais a fundo com base não só na avaliação do próprio livro mas, interligando as várias acusações com o que já foi investigado no âmbito do processo “Apito Dourado”.


Do ponto vista literário, este livro não passará de um lixo, onde se misturam acusações, com pormenores das vidas privadas dos ex-amantes, alguns deles publicados com destaque nas páginas de certos jornais e que foram alvo da chacota geral, nomeadamente, aquela declaração de Catarina relativamente a Jorge Nuno:

“Tendo problemas de flatulência [...] de vez em quando descuidava-se [...] em cerimónias oficiais, levando-me a acender, de imediato, um cigarro para disfarçar o odor”.


Os ingleses chamam a este género de livros ‘kiss and tell’. Beijar e contar. Um género que não obriga a boa escrita, só a fraco carácter.


O certo é que uma história que parecia uma bela história de amor, ainda mais acobertada pelo calor do “Calor da Noite” está em vias de acabar muito mal.


Como na canção do Jorge Palma poderíamos dizer que, afinal, Catarina e Jorge Nuno estavam “no lado errado da noite”...

2 comentários:

Porcos no Espaço disse...

Pela expressão do senhor na foto, diria que foi tirada precisamente num desses momentos de flatulência.

Anónimo disse...

De toda essa história, o que eu gosto mesmo é de ouvir o Jorge Palma.