quinta-feira, abril 27, 2006

Alexandre O'Neill

Alexandre O’Neill (1924-1986) fez da pátria o seu tema mais constante, e do verso crítico o pincel com que pintou paisagens, gestos e costumes quotidianos.
“Um grande poeta menor" (tal como foi considerado Aleixo), transbordante de sonhos e sedento de realidades submersas, foi em vida, e é em morte, incompreendido e por vezes votado ao esquecimento.
Esse terá sido o preço (demasiado alto, em minha opinião) que pagou por se ter recusado a enveredar pela
poesia do populismo fácil.
E porque é um dos meus poetas preferidos, deixo-vos, meus Amigos, com uma excelente poesia a que chamou justamente “Amigo”

Mal nos conhecemos
Inaugurámos a palavra «amigo».

«Amigo» é um sorriso
De boca em boca,
Um olhar bem limpo,
Uma casa, mesmo modesta, que se oferece,
Um coração pronto a pulsar
Na nossa mão!

«Amigo» (recordam-se, vocês aí,
Escrupulosos detritos?)
«Amigo» é o contrário de inimigo!
«Amigo» é o erro corrigido,

Não o erro perseguido, explorado,
É a verdade partilhada, praticada.

«Amigo» é a solidão derrotada!

«Amigo» é uma grande tarefa,
Um trabalho sem fim,
Um espaço útil, um tempo fértil,
«Amigo» vai ser, é já uma grande festa!

quarta-feira, abril 26, 2006

Meditação sobre um texto de Eduardo Prado Coelho

Só agora tenho a possibilidade de "dar uma resposta" a um artigo brilhantemente escrito por Eduardo Prado Coelho publicado, já há algum tempo, no Jornal Público. Ainda pensei transcrevê-lo aqui mas achei que tornaria o "post" de hoje demasiado extenso. De qualquer forma, considero que as questões que ele suscita, continuam a ter muito interesse e actualidade.

Não conheço pessoalmente o Prado Coelho mas, com alguma frequência, sentamo-nos em mesas próximas na esplanada do Picoas Plaza, normalmente nas manhãs de sábado, onde tomamos o pequeno-almoço e passamos os olhos pelo “Expresso”.

Talvez por timidez, nunca tive a coragem de o cumprimentar. Procuro, no entanto, não perder os textos que ele escreve, muito embora, não raras vezes, o considere demasiado pessimista nas análises que efectua.

No dia em que escreveu aquela crónica, quem sabe se na esplanada do Picoas Plaza, provavelmente estaria um dia mais ventoso e cinzento do que o costume, pelo que, Prado Coelho estaria, também, um pouco mais azedo, muito embora eu concorde com ele na maioria das coisas que aponta.

Como tenho dito por diversas vezes neste mesmo espaço, é perigoso generalizar e é necessário muito cuidado com as comparações. Em minha opinião, Santana não se pode comparar, obviamente, a Sócrates, por uma infinidade de razões. Bem como, comparar o trabalho e a acção de cada um deles seria muito injusto para Sócrates. É que, agora, sente-se pelo menos, e essa parece-me ser a sensação da maioria dos portugueses, de que há sinais claros de que se pretende fazer mudanças, que se querem reparar injustiças, que existe coragem para enfrentar poderes instalados. Sinais e coragem que nunca existiram nem com Santana nem com Cavaco, nem com Durão, nem mesmo com Guterres.

É verdade que a matéria-prima – nós, portugueses – não é de primeira qualidade, mas, ainda assim, têm sido ultimamente divulgados muitos casos de sucesso e há que reconhecer que existe muita gente séria e com valor que mostra uma grande determinação em ajudar a ultrapassar esta fase em que o país está a viver e a fazer dele um país melhor, de que possamos ter mais orgulho.

Não vale a pena, portanto, fustigarmo-nos como se fossemos os piores do mundo. Pelo contrário, temos que acreditar que podemos dar a volta a este estado de coisas e esforçarmo-nos mais, aplicarmo-nos mais, prepararmo-nos melhor.


A questão é que, mesmo quando as coisas mudam, os resultados são demasiado lentos a aparecer. As mentalidades para mudar, levam, por vezes, gerações. E enquanto isso não acontece vamos continuar a ter por mais algum tempo a “Chico-Espertisse Portuguesa”, como lhe chama Prado Coelho.

Repito, tenho que reconhecer que a maior parte das coisas que Eduardo Prado Coelho descreve é, infelizmente, verdade.

Tão cedo não desaparecerão os empregados que levam das suas empresas todo o material que lhe é necessário em casa, pelo menos até essas empresas não aplicarem as medidas de controlo adequadas. Continuaremos a tentar enganar o Fisco para pagar menos impostos, enquanto isso nos for possível. A pontualidade será sempre relegada para último plano, e não nos preocuparemos com ela até que os outros nos façam sentir o mesmo que nós fizemos com eles ou as salas dos cinemas e dos teatros comecem os seus espectáculos impreterivelmente à hora marcada, impedindo-nos de entrar depois dessa hora. Haverá quem continue a falsificar cartas de condução e atestados médicos. Continuará a haver montanhas de deputados a baldar-se às sessões da Assembleia e que, por isso, muitas votações não serão feitas por falta de quórum. Tudo isso vai continuar.

Mas eu acredito que melhores dias virão. Conheço muitos jovens que por educação e por formação, têm já uma outra visão da vida. São muito mais politizados, a maioria pratica desporto, preocupam-se com os problemas da ecologia, indignam-se com as injustiças e revoltam-se quando as oportunidades não são para todos. Estão atentos aos problemas dos mais velhos e, muitos, são voluntários em hospitais e noutras Instituições de Solidariedade Social. São jovens solidários, cultos, preparados do ponto de vista académico e, sobretudo, e sublinho isto, são jovens a quem lhes foram transmitidos valores que eles assimilaram e que, de facto, praticam no dia a dia.

Com material deste calibre, bem diferente da matéria-prima de que falávamos há pouco, temos todas as razões para acreditar que Portugal pode ser realmente melhor, que poderá vir a ter melhores políticos, gestores mais competentes, cidadãos mais sérios e espertos mas “sem espertezas”.

Por isso, meu caro Prado Coelho gostaria de olhar com esperança o nosso futuro. Não vamos mais ter necessidade de nos olharmos num espelho à procura do responsável de todos os males.
Apesar dos muitos escolhos que vamos ter que enfrentar, eu tenho confiança que os conseguiremos vencer. E sem sequer necessitarmos da ajuda dos tais “Messias”. É que, de Ditadores, já tivemos a nossa conta!

terça-feira, abril 25, 2006

Parece que agora vai…


Já quase desistira de acreditar que, algum dia, iriam melhorar em Portugal os padrões de higiene no ramo alimentar, tantas e tantas vezes eu tinha assistido ou soubera, de um sem fim de imundícies que se verificavam em restaurantes, cafés, pastelarias e quejandos.
E desesperava porque toda a gente tinha consciência que havia porcaria a mais e fiscalização a menos.
E, ao longo dos anos vi tanta coisa.

Vi, por exemplo, baratas e outros animais rastejantes passearem-se calmamente por cima de balcões, ou pior ainda, por cima de queijo e de fiambre que se preparavam para serem protagonistas de “saborosas” sandes ou tostas mistas.

Vi copos que uma vez despejados de cerveja, eram passados rapidamente por um fio de água corrente para mais rapidamente ainda voltarem a ser cheios de deliciosa cerveja e servidos aos clientes.

Vi colheres de café que, em princípio, só serviriam para mexer o açúcar da bica, voltarem a ser colocadas em novas bicas sem sequer passarem por água, mesmo sabendo os empregados que, algumas delas, tinham sido lambidas com deleite por pessoas mais gulosas.

Vi serem servidos bolos com tenazes que tinham caído ao chão e que não foram lavadas antes de voltarem a servir.

Vi serem confeccionadas sandes com produtos que nitidamente não estavam nas melhores condições.

Estou mesmo a ver que, neste preciso momento, alguém estará a pensar que tudo isto se passou há “séculos”, tanto mais que, felizmente, nestes últimos anos, é notório que há muito mais cuidado no que respeita à higiene dos estabelecimentos, dos produtos e dos empregados.
É verdade que sim, reconheço que na maior parte dos estabelecimentos os empregados são mais cuidadosos e não se vê porcarias tão aberrantes como as que descrevi. Mas não se iludam, porque há muito pouco tempo e em estabelecimento acima de qualquer suspeita, vi alguns desses mesmos descuidos.

Mas onde, na verdade, eu queria chegar era a isto. Eu pude indignar-me, barafustar e reclamar quando assisti a tais imundícies. Mas, e as que eu e os meus amigos, nunca conseguimos ver porque elas se passavam para além das paredes enfeitadas desses estabelecimentos? Também aí os cuidados que, agora, parece haver à vista de todos, são observados escrupulosamente? Receio bem que não.

Foi, por isso, com enorme surpresa e grande alegria que dei conta que a renovada Autoridade de Segurança Alimentar e Económica (agora presidida por António Nunes) está no campo, a actuar de facto, e já fez uma série de “estragos” que, espero, continuem para o bem de todos nós.
Para já, são conhecidos os resultados decorrentes de mais de 300 estabelecimentos inspeccionados: 5 detidos, 7 processos-crime, 57 contra-ordenações por falta de higiene e de normas de controlo de qualidade, e foram encerrados restaurantes chineses e roulottes de venda ambulante de cachorros e quejandos.
Mais, nas semanas que antecederam a Páscoa, a Autoridade de Segurança Alimentar e Económica, lançou a “Operação Páscoa” e 36 brigadas de inspectores fiscalizaram pastelarias, confeitarias, fábricas de ovos, matadouros de cabritos, borregos e leitões, tudo relacionado com os produtos que a população normalmente consome nesta época, e descobriram de tudo um pouco. Abate clandestino, cabritos e centenas de frangos sem selo oficial de garantia, e a culminar, foram encontrados numa pastelaria da baixa de Coimbra, 400 quilos de produtos estragados, no meio de dejectos de ratos, baratas e muito lixo. E esta, hem?

Vamos lá ver se é desta. Como vêm as minhas preocupações tem razão de ser mas as acções agora efectuadas trouxeram-nos uma nova esperança.

Meus amigos, estamos a falar de saúde pública e de higiene alimentar, quer no que respeita aos alimentos quer quanto aos próprios estabelecimentos que os comercializam. Como cidadãos temos o direito de exigir uma fiscalização actuante e forte.
Esperemos que a força agora demonstrada pela ASAE não perca a validade.
Vamos acreditar.

quinta-feira, abril 20, 2006

Arte ou não Arte?


Não pude deixar de ouvir os comentários de um grupo de senhoras com quem me cruzei numa das escadas do edifício. Dizia uma, entre risos silenciados por uma mão posta a tapar a boca, “senão fosse pelo respeito pelas outras pessoas que ali estavam, juro-vos que tinha desatado à gargalhada…”

Se calhar tinha razão para isso … ou talvez não. Estávamos no Museu de Arte Contemporânea de Serralves e, como todos sabemos, a chamada “arte contemporânea” quase sempre provoca as mais díspares reacções. Uns gostam, outros nem tanto, outros, ainda, simplesmente não chamam “arte” àquele tipo de manifestação artística.

E, na verdade, estar-se-á longe de saber se poderemos considerar “arte” qualquer obra que resulte da criação de um artista.

Esta tem sido uma preocupação ao longo dos tempos, discutida por sectores um tanto ou quanto intelectualizados, mas que vem ao encontro daquilo que as pessoas, as pessoas comuns, pensam deste tipo de obras, e que, no fundo, poderá ser, tão-somente, uma questão de sensibilidade e de gosto, dos olhos que as contemplam.

Mas eu percebo, e digo-o francamente porque eu próprio a senti, a perplexidade, para não dizer outra coisa, daquelas senhoras, quando deram de caras:

- com uma sala completamente despida de objectos, de paredes pintadas de branco e, em três delas, apenas se via escrito em letra miúda:

- “nada que ouvir em sítio nenhum”, numa das paredes;

- “ nada que se mova em sítio nenhum”, na noutra parede;

- “ nada que ver em sítio nenhum”; na terceira parede.

- ou com um quadro pintado de branco que tinha a seguinte legenda “Correcção”.

- ou com uma parede pintada totalmente de branco, que tinha como legenda “Grande Erro”.

- ou com uma estante mal amanhada em madeira, completamente vazia, e cuja legenda rezava “Livros”.

Ou com outros quadros, de pinturas estranhas, que tinham títulos como “A repetição é a alternância do nada”, ou “Não existir outra ordem que a do acaso”, ou ainda, “Todo o texto encerra uma maldição”.

Perplexidade, quem sabe se incredulidade em olhar para “obras” que, em princípio, as senhoras não conseguiam entender como arte.

Provavelmente eu ficaria muito mais bem visto se não confessasse a minha ignorância e falta de sensibilidade nesta matéria, mas, de facto, certos “quadros” e respectivas legendas também me fizeram sorrir.

Mas a obra desta exposição que achei mais emblemática foi a de um tal Ignasi Aballi, intitulada “Desperdiçar”, que era constituída por um conjunto de 20 latas de alumínio (daquelas latas de tinta de 5 litros), em cujos interiores deixaram secar, numas mais noutras menos, 250 quilos de tinta industrial de cor branca.

Perante tudo isto, interrogo-me:

Tendências e conceitos à parte, estamos perante uma Arte ou uma Não Arte?

quarta-feira, abril 19, 2006

Eu tenho lá em casa um piano, só que não sei tocar…

Confesso que fiquei verdadeiramente entusiasmado com o entusiasmo manifestado pelo primeiro-ministro José Sócrates, ao anunciar que o país aderirá rapidamente ao famoso plano tecnológico. Fiquei, igualmente entusiasmado por, finalmente, ter aparecido um projecto denominado SIMPLEX, que virá certamente resolver uma boa parte das burocracias que “entopem” o aparelho de Estado, perfilando-se para isso, e para já, nada menos que 333 medidas que irão “aliviar” os problemas relacionais dos portugueses com a máquina do Estado. Fiquei ainda muito entusiasmado pela convicção patenteada por José Sócrates de que a rapaziada vai começar, a partir de agora, a fazer um certo número de operações através da Internet.
Mas, quando o meu entusiasmo estava ao rubro, tive acesso a uma notícia divulgada pelo Departamento de Estatísticas da Comunidade Europeia que dizia que, afinal, quase dois terços dos portugueses entre os 16 e os 74 anos nunca tinham utilizado a Internet. Nem em casa, nem no emprego, nem em qualquer outro lugar.
E a verdade é que não me dá qualquer consolo saber que ao nível dos 22 países da EU, 43% do pessoal nunca navegou na net, nem tão pouco que a nossa triste posição só encontra parceiros em pior situação em países como a Grécia e o Chipre.
Assim sendo, gostaria muito que me explicassem como é que a maioria dos meus concidadãos vai conseguir entregar o IRS pela Internet?

terça-feira, abril 18, 2006

Justificar o injustificável?

Num país que (dizem) atravessar uma crise económica profunda, onde o orçamento não dá sequer para comprar os tinteiros e o papel para as impressoras da Polícia Judiciária, daria a impressão que todo o dinheiro que os muitos milhares de turistas que nos visitam todos os anos nesta época, faria muito jeito para equilibrar algumas das nossas contas. Isto para não falar na enorme frustração que esses turistas devem sentir por não poder conhecer um pouco mais da nossa cultura e da nossa História, uma vez que os Museus e os Palácios deste país estão de portas fechadas sexta, sábado e domingo de Páscoa.

Mesmo tentando perceber todas as razões que nos têm sido dadas pelos diversos responsáveis, acho inconcebível que se escolha uma altura destas para se fazer uma greve que tanto prejudica o Estado e quem nos visita.

E esta greve dos Museus e dos Palácios Nacionais já dura há, calculem, 16 anos. Nem mais. Os trabalhadores dos museus, monumentos, palácios e sítios arqueológicos tutelados pelo Ministério da Cultura recorreram este ano, uma vez mais, à greve, apesar do Estado pagar a esses trabalhadores 200% nesses dias.


Entende-se que os trabalhadores tenham reivindicações para resolver, nomeadamente as relativas aos horários de trabalho, ao gozo de férias, a vínculos laborais precários, mas caramba, fazer greve justamente num período tradicionalmente marcado por um significativo acréscimo de visitantes estrangeiros, parece-me desadequado, pelas razões já expostas e por uma outra – essa muito mais grave - que ouvi da boca de um sindicalista “todos têm o direito de ir passar a Páscoa com a família”.

Essa justificação é demasiado forte para mim e não faz qualquer tipo de sentido. Mas pode ser que eu esteja a ver mal o problema, e se assim for, se vier a vingar este princípio, para o ano poderemos ter um país totalmente paralisado. Para além dos funcionários dos museus, teremos também em greve polícias, médicos, motoristas e todos os demais trabalhadores que normalmente trabalham nesta época, porque, também eles, têm o direito a passar a Páscoa com as suas famílias.

Aos turistas, restará como única atracção, os pombos nacionais, se é que eles não se lembram de promover, também, uma greve.

segunda-feira, abril 17, 2006

Vergonha

Eu sei que já tenho idade mais do que suficiente para ter juízo, para não acreditar piamente em tudo o que nos dizem, mas, que querem, a minha ingenuidade ainda me trai de quando em vez.

Estou a lembrar-me, naturalmente, da triste situação daqueles deputados que na véspera da Páscoa foram à sua vida, sem dar cavaco a ninguém, e sem fazerem aquilo que era a sua obrigação – a de estarem presentes na Assembleia da República e trabalharem. E não me deveria admirar com esta situação, tanto mais que nem sequer é a primeira vez que as “baldas” dos deputados são descobertas. Ainda há poucos anos, os jornais publicaram fotografias que mostravam alguns deputados a apanhar o comboio em Santa Apolónia, mesmo com o relógio da estação por cima da cabeça deles, onde o mostrador do relógio indicava que àquela hora eles deveriam estar no Parlamento e não ali em Santa Apolónia. Devo ter pensado, nessa altura, que esses deputados eram a excepção e esqueci o assunto.

Mas agora, foi demais. Na quarta-feira da semana passada, em vésperas das mini férias da Páscoa, 120 deputados (e não 119 como anunciaram no início) decidiram ir de férias mais cedo e faltaram às votações parlamentares, que, assim, não puderam realizar-se por falta de quórum. Não contando com as 13 ausências que estavam justificadas, 107 deputados (50 do PSD, 49 do PS, 5 do CDS, 2 do PCP e 1 do BE) acharam que seria muito mais agradável apanhar um calorzito lá pelos Brasis ou beber uns copos junto dos amigos num qualquer sítio do país, do que ouvir os discursos chatíssimos dos seus companheiros e adversários, sentados ali nas bancadas de S.Bento, para onde, afinal, todos eles foram eleitos e pelo qual são pagos.
Mas se já é muito grave que esses deputados tenham faltado ao seu dever, isto é, não tenham cumprido com as suas obrigações, parece-me igualmente grave que na hora das votações não se registasse quórum quando, de manhã, a lista das presenças estava totalmente (para além dos tais 13) assinada.

O que me leva a questionar se esses baldas chegaram a ir à Assembleia nessa manhã e depois “desenfiaram-se” (como se dizia na tropa), ou se nunca chegaram a pôr lá o pé e alguém assinou por eles.

Para além da falta de vergonha, outra coisa que me irritou imenso foi o de, sem qualquer pudor, quererem alijar responsabilidades. Segundo o líder do PSD, a culpa de tudo isto deve-se à maioria porque, se os seus deputados lá estivessem já haveria quórum e poder-se-iam aprovar as leis agendadas. Ou o homem está a passar por um período de grande cansaço psicológico ou, então, está a gozar com todos nós. Para mim, a responsabilidade deve ser imputada, de igual forma, a todos os faltosos, independentemente dos partidos. Ou estarei a fazer confusão?

E são estes senhores, em que nós votámos, que fazem as leis deste país, que discutem e promovem acesos debates sobre produtividade e competitividade. Mas, para quem é que eles estão a falar, se eles são os primeiros a prevaricar, a abandonar as suas obrigações, dando o pior dos exemplos, quando se aproxima um fim-de-semana prolongado? O que é que nós podemos concluir de tudo isto?

O mínimo que se poderia dizer é que esses senhores deputados não respeitam nem a lei nem a ética. Não cumprem com o que lhes é exigido, ou seja, que trabalhem em prol dos cidadãos e do país. Em vez disso, o país assiste atónito e envergonhado à existência de uma certa camada política que contraria aquela velha máxima que sempre ouvimos “o exemplo deve vir de cima”.

Ainda que venham a ser multados, o sentimento dos cidadãos continua a ficar defraudado. Esses senhores para além da multa que a lei prevê, deveriam ser imediatamente expulsos da Assembleia. Se não pela força da Lei, pelo menos pela vontade de quem foi enganado, ao elegê-los.

UMA VERGONHA, meus amigos. Uma verdadeira VERGONHA!

domingo, abril 16, 2006

Pelo menos nas agências bancárias somos os maiores

Dou-vos a minha palavra de honra que não foi por nenhum instinto de vingança em relação ao Barcelona (que é de Espanha, como sabem), lá porque ganhou ao meu Benfica, que me deu para falar, hoje, neste assunto.

Achei que seria agradável reatar esta nossa conversa, depois das mini férias da Páscoa, com uma boa notícia. E a boa notícia é esta, segundo uma investigação da Lafferty Group junto de bancos de 10 países europeus, as agências bancárias em Espanha e em Itália são as piores da Europa, enquanto que Portugal, Alemanha e Roménia foram considerados os países com melhores agências bancárias.
Ainda por cima como eu pertenço ao ramo, tal como vários leitores deste blogue, considero que este é um bom motivo para ficarmos satisfeitos. Pelo menos, quanto a agências bancárias, estamos classificados entre os melhores.

O que a Lafferty Group não divulgou foi que critérios os levaram a chegar a esta conclusão. Se o bom aspecto das instalações, se a sua cor e luminosidade, se a conjugação entre o atendimento personalizado e a área automática, se a qualidade do atendimento propriamente dito, se a qualidade dos serviços e dos produtos. E seria interessante saber.

De qualquer forma é sempre mais estimulante começar uma semana com uma boa notícia.

quinta-feira, abril 06, 2006

As tesouradas do Eça

E já que ontem falei no Eça, aproveito hoje para dizer mais alguma coisa sobre esse grande vulto das nossas artes, e não só.

Toda a gente sabe da admiração profunda que tenho por Eça de Queiroz. Muito antes de “conhecer” o homem (que foi brilhante quer como jornalista quer como diplomata), comecei a admirar o escritor. Sem qualquer esforço, antes por puro deleite, habituei-me a “devorar” as obras escritas por Eça, incluindo, imagine-se, até as que faziam parte dos programas escolares dos meus tempos de estudante.

Li, e muitas delas reli mais do que uma vez (numa altura em que muitos desses livros eram proibidos em Portugal), obras tão marcantes como “O Mistério da Estrada de Sintra”, “O Crime do Padre Amaro”, “O Primo Basílio”, “O Mandarim”, “A Relíquia” e “Os Maias”. Adorei, e sobretudo marcaram-me, “O Crime do Padre Amaro” e “Os Maias”.

Ao contrário de outros escritores prestigiados como Aquilino, como Torga, ou até como o nosso contemporâneo António Lobo Antunes, cujos os estilos, as formas e o arrevesado das palavras que utilizam tornam, em minha opinião, a leitura e a sua compreensão por vezes um tanto ou quanto difícil, com o Eça descobrimos a clareza das palavras e a simplicidade da escrita que fazem dele um escritor único e moderno.
Apesar de ter nascido em 1845, Eça continua a ser em 2006 um escritor perfeitamente actual, que as sucessivas gerações de jovens continuam a ler com entusiasmo.

Conta-se, e eu acredito que isso fosse verdade, que o Eça mandava chamar o seu jardineiro para lhe ler todos os capítulos que ia escrevendo. Sempre que o homem não compreendia qualquer termo, o Eça rescrevia o texto, voltava a lê-lo e só o dava por concluído quando o jardineiro percebia completamente o que o escritor pretendia dizer.

Muito do meu gosto pela escrita, já o disse algures, vem do incitamento e do entusiasmo que o meu pai me transmitiu para que escrevesse, mas a leitura da obra do Eça foi fundamental para que me decidisse a tentar penetrar nos difíceis caminhos da escrita.

Eça de Queiroz é, reconhecidamente, um dos nossos mais brilhantes escritores de sempre, sendo a ironia uma marca constante da sua obra literária. Os seus romances trouxeram uma espectacular e inovadora arte narrativa, obviamente muito criticada na época, sobretudo porque revelavam um humor caricatural forte, que ainda hoje é reconhecido e apreciado.

Mas Eça não manifestou a sua ironia e o seu humor fino e corrosivo apenas nos seus livros. Também nas situações comuns do dia a dia, fazia questão de demonstrar a contundência e a mordacidade das suas palavras. Como no exemplo que se transcreve:


Esta carta de Eça de Queiroz foi publicada num jornal de Lisboa e foi dirigida ao Dr. Pinto Coelho, ao tempo director da Companhia das Águas de Lisboa.

Exmo. Senhor Pinto Coelho, digno director das águas de Lisboa e digno membro do Partido Legitimista.

Dois factores igualmente importantes para mim me levam a dirigir a V.Exª. estas humildes regras: o primeiro é a tomada de Cuenca e as últimas vitórias das forças carlistas sobre as tropas republicanas em Espanha; o segundo é a falta de água na minha cozinha e no meu quarto de banho.

Abundaram os carlistas e escassearam as águas, eis uma coincidência histórica que deve comover duplamente uma alma sobre a qual pesa, como na de V.Exª, a responsabilidade da canalização e a do direito divino.

Se eu tiver a fortuna de exacerbar até às lágrimas a justa comoção de V.Exª, que essas lágrimas benditas, de industrial e de político, caiam na minha banheira!

E, pago este tributo aos nossos afectos, falemos um pouco, se V.Exª o permite, dos nossos contratos. Em virtude de um escrito, devidamente firmado por V.Exª e por mim, temos nós – um para com o outro – certo número de direitos e encargos.

Eu obriguei-me para com V.Exª a pagar a despesa de uma encanação, o aluguer de um contador e o preço da água que consumisse. V.Exª., pela sua parte, obrigou-se para comigo a fornecer-me a água para meu consumo. V.Exª. fornecia eu pagava. Faltamos evidentemente à fé deste contrato eu, se não pagar, V.Exª. se não fornecer.

Se eu não pagar V.Eª. faz isto: corta-me a canalização. Quando V.Exª. não fornecer, o que hei-de eu fazer Exmo Senhor?
É evidente que para que o nosso contrato não seja inteiramente leonino, eu preciso no caso análogo àquele em que V.Exª. me cortaria a mim a canalização, de cortar alguma coisa a V.Exª. ... Oh! E hei-de cortar-lha.

Eu não peço indemnização pela perda que estou sofrendo, eu não peço contas, eu não peço explicações, eu chego a nem sequer pedir água. Não quero pôr a Companhia em dificuldades, não quero causar-lhes desgostos nem prejuízos.
Quero apenas esta pequena desafronta, bem simples e bem razoável perante o direito e a justiça distributiva: quero cortar uma coisa a V.Exª.
Rogo-lhe, Exmo Senhor, a especial fineza de me dizer, imediatamente, peremptoriamente, sem evasivas, nem tergiversações, qual é a coisa que, no mais santo uso do meu pleno direito, eu possa cortar a V.Exª.

Tenho a honra de ser
De V.Exª.
Com muita consideração e com umas tesouras,
Eça de Queirós”



Ficámos sem saber se o Eça chegou a cortar alguma coisa ao digníssimo director das águas ou, se o fez, qual terá sido a coisa, ou as coisas, em que as tesouras anunciadas pelo escritor teriam actuado.

De qualquer forma, deliciámo-nos com o humor e a ironia finíssimos do grande Eça.

quarta-feira, abril 05, 2006

Eça de Queiroz e os políticos


De Eça de Queiroz já quase tudo se disse mas, por vezes, há a necessidade de recordar a sua genialidade e a sua coragem.

Vejam uma passagem de uma entrevista que ele concedeu ao jornal “O Distrito de Évora” … em 1867:
“De uma maneira geral, todos os ministros são inteligentes, escrevem bem, discursam com cortesia e pura dicção, vão a faustosas inaugurações e são excelentes convivas. Porém, são nulos a resolver crises. Não têm a austeridade, nem a concepção, nem o instinto político, nem a experiência que faz o ESTADISTA.
É assim que, há muito tempo em Portugal, são regidos os destinos políticos. Política de acaso, política de compadrio, política de expediente. Um país que é governado ao acaso, governado por vaidades e interesses, por especulação e corrupção, por privilégio e influência da camarilha, será possível que se possa conservar a sua independência?“

Isto foi dito há mais de 100 anos. Façam um esforço de memória e vejam se encontram algumas afinidades com o que se passou aqui em Portugal, nestes últimos 30 anos?

segunda-feira, abril 03, 2006

Felizmente, há mais gente que se irrita


Ao ler a crítica do Miguel Sousa Tavares, publicada no Expresso do último sábado, fiquei muito animado por sentir que não sou o único neste país, a ficar com a cara meio aparvalhada ao saber de certas situações.

Há muito que admiro o MST pela forma como escreve e pela sensatez e lucidez (sem ser cordato, pelo contrário) como aborda os problemas e como desafia certos poderes instalados. E como tem acesso a diversos meios de comunicação, as suas opiniões são, naturalmente, muito mais ouvidas e respeitadas.

Sem audiências que se comparem, tenho tido a preocupação de, neste espaço, manifestar por diversas vezes, não só a minha discordância em relação a muitas coisas que passam neste país, mas, principalmente, tenho tornado pública a minha revolta, a minha estupefacção e a minha indignação por essas mesmas situações. Muitas vezes - recordar-se-ão – chego mesmo a questionar se, por acaso, quem manda não estará a mangar connosco.

Foi, também, o que ele pensou quando escreveu o artigo no Expresso.

Resumidamente, a questão é esta. No ano se 2005 registaram-se aumentos constantes nos combustíveis, os quais foram justificados pelo aumento do petróleo na origem. Até aqui tudo bem, a nós custava-nos um bocado porque nos saía dos bolsos, mas percebíamos. Mas, o que não sabíamos (se bem que muitos já calculavam) é que o aumento que tínhamos que pagar cá, não correspondia inteiramente ao que o Estado tinha que pagar lá. A cada novo aumento, o Estado aumentava correspondentemente as suas receitas fiscais com os combustíveis, e as duas empresas que os exploram em regime praticamente de monopólio – a GALP e a EDP – iam naturalmente aumentando, e de que maneira, os seus lucros. De tal forma que, em 2005, o aumento dos lucros atingiu cerca de 300%

Esta já é uma questão gravíssima mas, atrás dela, vem outra. Como acontece com outras empresas que aqui temos denunciado, a GALP e a EDP perante tais resultados, vão ter que, obviamente, atribuir aos seus gestores, prémios pela sua boa gestão. E, presumo eu, prémios que serão chorudos.

Mas como diz Sousa Tavares:

“a lógica deste negócio é tão genialmente simples que faz pensar se terei percebido bem: “pega-se num produto essencial que é distribuído em situação de quase monopólio; aproveita-se a subida do preço da matéria-prima na origem e sobe-se proporcionalmente o preço do produto final ao consumidor, em lugar de tentar reduzir os custos ou obter ganhos de exploração. No fim do ano, fazem-se as contas e, obviamente, os lucros só podem ser imensos. Então, muito contentes com os resultados, distribuem prémios pela brilhante gestão e pela fabulosa produtividade.”

Daí a pergunta do Miguel Sousa Tavares: Estarão a gozar connosco ou fui mesmo eu que não percebi bem?

Claro que o Miguel percebeu, claro que percebemos todos qual é a lógica e o que ela provoca. Mas, para mim, não existe uma pergunta mas sim uma afirmação, que, talvez por isso, ainda me irrita mais:

“Eles estão mesmo a gozar connosco.”

domingo, abril 02, 2006

Mais um pouco de Tim Burton

Mesmo tendo sabendo que o texto sobre o Tim Burton não teve lá grande saída, se atentarmos que apenas teve a honra de um comentário, mesmo assim, eu, porque sou teimoso naquilo em que acredito e porque sempre achei que um pouco de humor ajuda bastante a começar uma semana de trabalho, decidi, por isso mesmo, voltar ao Tim Burton para lhes oferecer um poema, que contém, também este, alguma sinistra comicidade, e a que ele deu o título de

Palitinho e Fosforina Apaixonados


Palitinho amava Fosforina
Gostava muito dela.
Com a sua figura franzina,
Que quente era ela.


Mas seria amor ardente
O de uma fósfora e de um palito?
Pois muito literalmente
Incendiou-se o pauzito.


Eu sei que os tempos mudam e as sensibilidades variam de pessoa para pessoa, mas, Luís Vaz de Camões, depois deste poema, quem é que vai acreditar que

Amor é um fogo que arde sem se ver…?