terça-feira, janeiro 09, 2007

Por esta é que eu não esperava!


Quando li a notícia nos jornais, a primeira coisa que fiz foi correr a uma farmácia para comprar Xanax, porque já sabia que ia começar a ter grandes insónias.

Então não é que os jogadores profissionais de futebol ameaçaram fazer greve, o que quer dizer que, todos nós, corremos o altíssimo risco de ficar sem ver futebol à sexta, ao sábado, ao domingo e, às vezes, até à segunda-feira?

Temos a experiência que chegue para sabemos que podemos aguentar com os aumentos da electricidade, com os dos transportes, podem-nos até reduzir os salários, mas, por favor, não nos deixem sem futebol.

Mas, perguntarão, porque é que os jogadores profissionais vão fazer greve, afinal, com o que é que eles estão insatisfeitos?

Apenas e só porque o Governo decidiu acabar com o regime transitório que permitia aos agentes desportivos profissionais pagar impostos sobre uns escassos 60% dos seus rendimentos e que, agora, vão começar a pagar, já a partir deste ano, IRS sobre todos os rendimentos auferidos. O que significa, que os futebolistas profissionais passam a ser tratados como todos os outros contribuintes, isto é, começam a pagar impostos sobre todos os seus rendimentos (salários, prémios de jogo ou direitos de imagem).

Claro está que o Sindicato dos Jogadores Profissionais já fez saber que não se conforma com o fim do regime fiscal até aqui em vigor, que era mais favorável para os jogadores. Alegam que se trata de uma profissão de desgaste rápido e, como tal, justifica-se que haja um regime de excepção.

Nada mais justo. Aliás, acho mesmo que se os jogadores profissionais de futebol se juntarem aos mineiros, aos pescadores, aos atletas profissionais de outras modalidades, aos modelos, aos cirurgiões, aos criativos publicitários e a todos os que sejam considerados como tendo uma profissão de desgaste rápido, têm uma grande possibilidade de levar de vencida o vosso propósito.

Já agora, acolham no vosso protesto, os milhões de pensionistas e reformados que auferem pensões e reformas insuficientes para pagar o aluguer da casa, a farmácia e para enganar a fome e os milhares de desempregados (de curta ou de longa duração, jovens ou menos jovens) que não conseguem arranjar emprego que lhes pague as contas e lhes acalente uma perspectiva de vida digna. E não se esqueçam de chamar, também, os milhares de jovens que são explorados com salários baixíssimos, pagos em recibos verdes e que não têm direito sequer a subsídios de almoço, de férias, de Natal, nem de desemprego, que é para onde muitos vão parar e de onde é difícil sair, esta sim, uma das profissões de mais rápido desgaste.


Ainda há dias ouvi dizer a um responsável de um dos organismos que gere o futebol que as pessoas têm a tendência para olhar só para os jogadores de proa e pensar que todos os jogadores têm ganhos equivalentes a eles. E acrescentou que, segundo dados estatísticos, em 2004 os jogadores da primeira liga nacional ganhavam em média 5.000 euros por mês.

Desde 2004 até agora, a situação evoluiu. Se é certo que o ordenado mínimo dos jogadores da I Liga é de 1.400 euros, o salário médio ronda os 10.000 euros. O que significa que, em termos de salários médios, houve um aumento para o dobro em menos de dois anos. Gostava de saber quantas actividades é que tiveram tamanho aumento.

Mesmo considerando os vencimentos de 2004, se eu tivesse tido a oportunidade de entrevistar o tal dirigente, ter-lhe-ia perguntado se não considerava que esses míseros 5.000 euros eram substancialmente mais elevados que o salário mínimo de 385,90 euros, pagos a milhares de trabalhadores em 2006? Ou será que o trabalho de um jogador de futebol é muito mais importante e digno que a tarefa desempenhada por qualquer outro trabalhador de outra qualquer actividade?

Há quem afirme que há jogadores que ganham mais num ano do que 80% dos portugueses em toda a sua vida de trabalho. Não sei se isso corresponde à verdade, mas se nos pusermos a fazer contas, verificaremos facilmente que um trabalhador que auferira o salário mínimo nacional, necessita de trabalhar um ano inteiro para ganhar o mesmo que um jogador médio da primeira liga (dos tais que ganhavam 5.000 euros) ganha num único mês. É obra!

Mas o que é curioso (ou triste) no meio de toda esta obscenidade, é que este regime especial para os jogadores de futebol já deveria ter terminado há muito, mas os sucessivos governos optaram por não actualizar a tributação.
Há, ainda, uma outra curiosidade bastante original neste processo. É que, ao contrário do que acontece normalmente, a anunciada greve não vai ser feita contra uma entidade patronal mas contra uma medida legislativa do governo...

3 comentários:

Anónimo disse...

Nada a acrescentar.


Mais, se a minha actividade tivesse um sidicato, eu também fazia greve.

Anónimo disse...

Belo texto e boa tacada. Parabéns!

Anónimo disse...

Numa época em que termos de emprego, tudo é efémero, tudo é precário e de desgaste rápido, não se compreendia porque é que os jogadores de futebol tinham tamanho privilégio.

Poder-se-ia pensar - e esse é um dos argumentos mais vezes utilizados pelos defensores do regime fiscal que vigorava até ao fim do ano passado - num regime de excepção para aqueles jogadores que ganham realmente pouco. Mas não teriam que ser englobados, também, no mesmo pacote, todos aqueles que têm contratos a termo certo, que vão pulando de contrato em contrato e que, por fim, não arranjam mais trabalho, muitas dessas pessoas que não atinjiram sequer os quarenta anos?
Não será exactamente a mesma situação?