segunda-feira, janeiro 22, 2007

Párocos e Argumentos


Tenho, naturalmente, assistido com muita atenção aos argumentos aduzidos pelos movimentos que estão a favor ou contra a despenalização do aborto e que vão ser referendados no próximo dia 11 de Fevereiro.

Para já, devo dizer que, na minha opinião, não faz muito sentido que se faça um referendo sobre esta matéria (se calhar os referendos não fazem mesmo sentido). Afinal, se nós votámos e demos um mandato de confiança aos nossos representantes para governarem o país em todas as situações, porque razão é que vamos ser chamados a opinar sobre uma matéria que deveria ser o Governo e a Assembleia a decidirem? Tal como o fizeram, por exemplo, os governos de Espanha, França e Holanda.
Mas isso é uma outra questão!

Como disse, tenho acompanhado toda esta feira que se montou, onde se cruzam as diversas opiniões e onde se gasta, também, muito dinheiro que seria melhor empregue noutras coisas, mas, o que me surpreende, é que depois de já ter vivido todos estes anos, julgava que já haveria pouca coisa que me conseguisse surpreender. Enganei-me!

Por exemplo, pensava que nunca ouviria um padre argumentar de forma tão canhestra como o fez o pároco de Castelo de Vide, Tarcísio Alves, que defendeu (ameaçou) que:

«quem comete um aborto tem sobre si a excomunhão da Igreja e exclui-se da comunidade cristã automaticamente. A prática da Interrupção Voluntária da Gravidez impede o acesso aos sacramentos e ao funeral religioso”.

Dirão que se trata, apenas, de mais um argumento a favor do “não” ... mas não. O padre Tarcísio Alves que escreve, também, no boletim paroquial, incita os fiéis a votarem “não” e faz uma campanha influenciando “o seu rebanho” com as consequências canónicas do aborto (que nem todos compreenderão, por certo), o que está impedido por lei de o fazer. Enquanto cidadão, pode ter e dar a sua opinião à vontade, mas como pároco é-lhe negada essa possibilidade. Aliás, a lei proíbe expressamente campanhas nas missas e os sacerdotes que apelarem directamente ao voto incorrem numa pena de prisão até dois anos.


Outro pároco que achou por bem dar testemunho público sobre o que pensa sobre este tema, o Reitor do Santuário de Fátima, disse que “prefere o aborto clandestino ao legal”. E explica: Se um marido engana a mulher é diferente ser no estrangeiro ou à sua frente”.

Perceberam a lógica deste argumento? Provavelmente, o senhor reitor pretendeu dizer “Olhos que não vêem ...”.



Independentemente do que cada um possa pensar sobre a questão da Interrupção Voluntária da Gravidez e a forma como vai votar no Referendo, tendo em conta os seus aspectos mais íntimos, nomeadamente, religiosos e éticos, o que é importante é que se saiba apresentar os argumentos de forma séria e honesta. E, com toda a sinceridade, não me parece que os párocos referidos o tenham feito.

25 comentários:

Anónimo disse...

E ainda ainda continuo a ficar indignada quando me contam estas coisas... É impressionante e vergonhoso!

Estou de acordo consigo! Cada um tem o direito de ter a sua opinião. Mas usem argumentos de jeito... e não sejam hipocritas!

Anónimo disse...

Indignada e gaga! ;)

Anónimo disse...

Isto parece um episódio de Monty Python.

Um assunto delicado entregue desta forma aos desígnios do povo é, já por si, um tremendo risco. Mas depois a campanha dá ao caso a dimensão surreal que só dá para uma de duas coisas: chorar ou rir.

Está-se a falar de um assunto sério e este é defendido, tanto pelo sim como pelo não, com os piores argumentos possíveis.

Mas não são só pelos argumentos errados que esta discussão peca. Peca por tardia, e, em termos comunicacionais, cheguei a ver cartazes onde argumento até podia ser considerado válido se não fosse o português mal utilizado quase a inverter o sentido da mensagem.

Amadorismo puro. E assim chegamos à mesa de voto sem uma campanha estruturada com lógica, com poucos debates sérios e esclarecedores sobre o assunto, e com uma população muito mal informada.

É que ainda que votem bem, votam bem mas pelas razões erradas.

Anónimo disse...

Vamos lá ver se percebi. É mesmo verdade que o reitor do santuário de Fátima, que é católico e padre, admitiu que "se um marido engana a mulher é diferente ser no estrangeiro ou à sua frente”?

E também é verdade que o senhor reitor disse que se dessa escapadela a mulher vier a engravidar, e não quizer ter a criança, ao menos que o aborto, seja clandestino ...?
AAAAAAAAAAAAIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIII, afastem esse homem, por favor de Deus!

Anónimo disse...

Estão a ver como eu fiquei? Até já peço o cartão amarelo para aquele padre, por favor de Deus, em vez de "por amor de Deus"

Anónimo disse...

Pelo texto que transcreveu os padres não apelaram ao voto, disseram o que pensaram sobre o aborto e a posição da igreja relativamente a ele. Se há um sentido de voto óbvio implicito dessa mensagem, azar. Claro que eles têm o direito de expressar a sua visão ou a da igreja referente ao aborto.

Porcos no espaço, realmente é vergonhoso deixaram o povo tomar uma decisão tão séria. Já era tempo também de retirarem ao povo a escolha do governo. Obviamente que não tem capacidade para tomar uma decisão capaz.

Anónimo disse...

A democracia é uma faca de dois gumes. Se por um lado dá ao povo a palavra e a possibilidade de expressar livremente as suas vontade, por outro, tem sempre o lado obscuro que se traduz no poder de manipulação por parte de quem faz uso dela.

O voto só útil quando é honesto, quando quem vota o faz em consciência, esclarecido e informado. Como já se viu, essas não são as características mais marcantes do nosso povo.

No entanto, a razão que levou a dizer aquilo é a mesma patente no post: este governo tem maioria absoluta. Tenha a coragem de fazer uso dela.

Anónimo disse...

Os padres não apelaram ao voto? Apelaram, ao voto no Não, e passam o tempo a fazê-lo. E simplesmente não podem fazê-lo! Mas como neste país cada um faz o que quer...

Anónimo disse...

Os padres não podem dizer o que pensam?
Será isso campanha? Estão a apelar ao voto num partido? Faz parte da doutrina da igreja ser contra o aborto, é por agora ir haver um referendo que têm que se abster? Vão consultar a lei e depois falem.

A liberdade de expressão é para todos, não só para quem concorda connosco.

Anónimo disse...

A missão dos padres é difundir a doutrina da sua igreja, e, por isso, apelar ao não.

Concorde-se ou não, é isso que lhes cabe.


O que NÃO podem fazer é campanha cerrada do tipo que fazem, ameaçando excomungar quem votar sim.

Anónimo disse...

Porque não?
Não sou católico, não estou dentro de todas as regras da igreja, mas só é católico quem quer. Acho bem que quem não cumpra as regras saia do clube, para acabar com a hipocrisia.
Tal como os jornalistas ou médicos que não cumpram o as regras deontológicas que se comprometeram em seguir deviam ser impedidos de exercer a sua profissão.

Anónimo disse...

A hipocrisia da igreja há-de continuar por muitos anos, infelizmente.

Mas não é disso que eu falo. O que eu disse foi que perante a lei não é correcto fazer pressões deste tipo para atingir um fim que nada tem a ver com fé. Há uma diferença entre dar a conhecer as leis da igreja, e virem agora a público, precisamente nesta altura, párocos a dizer "se votas sim, levas um chuto no traseiro e vais para o inferno".

No limite, isto pode comparar-se a uma chantagem. A menos que encares a chantagem como um meio perfeitamente legítimo para atingir os fins...

Anónimo disse...

A hipocrisia da igreja e a hipocrisia das pessoas que frequentam a igreja.

O voto é secreto, ninguém é obrigado a revelá-lo.
Agora se a igreja considera que a vida começa no momento da fecundação (cientificamente até é uma interpretração perfeitamente legitima, porque o adn nesse momento é exactamente o mesmo que terá em adulto), o aborto é um homicidio. Não há volta a dar. Assim quem defende o aborto está a ir contra os mandamentos ("não matarás"). Encarando os mandamentos como os estatutos do clube que é a igreja, digamos assim, está a violar esses estatutos e obviamente que a hipótese de expulsão tem que ser considerada. É assim em todas as sociedades, os estatutos são para se cumprir, senão não fazem sentido.

Anónimo disse...

A igreja não é um clube, e como tal, não tem estatutos assim tão fechados. Cada um estabelece a sua relação com Deus como quer. A igreja sabe perfeitamente que muitos dos seus fiéis não partilha dos mesmos pontos de vista que o Vaticano dita. E é aqui que reside a grande diferença: mesmo sabendo que o seu rebanho não é lá muito homogéneo, a igreja quer obrigar as pessoas a tomarem o seu partido num tom de chantagem, ao bom velho estilo da Santa Inquisição, típico de quem não tem mais argumentos para se fazer valer.

O problema é que esta é uma questão que diz respeito a toda a sociedade, crentes e não crentes, e não apenas à igreja. A crítica do post vai precisamente nesse sentido, e é isso que está a ser discutido.

Anónimo disse...

Não é a chantagem a base da igreja? Ou te comportas como te dizemos ou não entras no reino dos céus?

Não me choca que quem declaramente se oponha a um dos mandamentos sagrados, seja excluído. Mas isso é discussão para quem é crente.
No entanto, fica a questão: Se a Virgem Maria resolvesse fazer um aborto nas 10 semanas após a visita do Espírito Santo, estava tudo bem?

O que eu acho totalmente errado é que abordem o assunto como sendo apenas uma questão de direitos da mulher. A base da questão é se é ou não uma vida. Se não for, obviamente deve ser liberalizado e desde que não seja pago com os meus impostos, tudo bem.
Se é uma vida, claro que é crime.
Simples e verdadeiro. A resposta se é ou não uma vida é que não é simples.

Anónimo disse...

Repara, não está aqui a ser discutida a questão do aborto, pelo que as nossas convicções pessoais neste caso são irrelevantes.

O post centra-se na atitude opressora da igreja num assunto que diz respeito a toda a sociedade, atitude essa que a própria lei reprova.

E o que eu tenho estado a dizer este tempo todo é que há uma clara diferença de tom, entre defender uma posição (aconselhar, dialogar) e forçar os outros a tomá-la. Se achas a chantagem um meio legítimo, tenho pena que assim seja. Eu não acho. E pelos vistos, a lei também não.

Anónimo disse...

Eu não expressei a minha convicção referente ao aborto. Dei um exemplo de algo que não acho correcto e parece que não indigna ninguém.

Ninguém é forçado a ser católico. A posição relativamente ao aborto revela se uma pessoa está de acordo ou não com uma convicção que a igreja considera básica. Se um padre considera a discordância com essa convicção razão suficiente para a expulsão, o que está em causa são as leis da igreja e não a lei nacional.
Violação da lei nacional seria se obrigassem as pessoas a dizer em quem tinham votado.

E mesmo que a acção do padre esteja contra alguma lei, a lei pode estar errada e má, certo? Segundo parece, é algo assim que está a ser perguntado neste referendo.

Anónimo disse...

Nunca o autor deste blog tinha tido tantos comentários a um só post.

Nunca, até agora. Graças a apenas dois leitores (um que já explicou várias vezes qual é o cerne da discussão, e outro que insiste em não querer compreender, levando a mesma para outros sub-tópicos), que se têm esgrimido com valentia até aos limites do seu latim, e que tornaram este post um dos mais concorridos de sempre.

Aos restantes, que já perceberam que esta conversa de surdos não vai a lado nenhum, resta-nos agradecer a atenção e pedir desculpa pela paciência e tempo perdidos.

DeMascarenhas, estás de parabéns.

Anónimo disse...

"Um que já explicou várias vezes qual é o cerne da discussão, e outro que insiste em não querer compreender, levando a mesma para outros sub-tópicos"
Caro porcos no espaço, escusas de ser tão duro contigo próprio, se tu insistes em não compreender, pode ser só porque não és muito esperto e disso não tens culpa.

Anónimo disse...

O que procuras, afinal? Ter razão a qualquer custo ou apenas ficar com a última palavra?

Eu ainda joguei com fair-play, mas depois dessa tua observação despropositada sobre a minha inteligência, começo a pensar que se calhar não valeu a pena o esforço.

DeMascarenhas, volto a dar-te os parabéns pelo tópico, mas desta vez faço só um apelo para que da próxima vez sejas mais claro no que à discussão diz respeito, para que todos possamos entender e participar. Mas mesmo todos.

Anónimo disse...

Caro Porcos do Espaço, foste tu que levaste isto para o plano pessoal, falando de alguém que sempre viu o "cerne da questão" e do outro "que insiste em não querer compreender".
E és tu que lutas pela última palavra, anunciado várias vezes que é o último post e depois sempre escreves mais.
E parabéns pela tua clarividência superior, pois tal como o Pacheco Pereira és o único que vê o "essencial da questão".

Anónimo disse...

Adoro quando vejo ser usado o argumento dos impostos! A partir de hoje recuso-me a pagar operações de transplantes de figado e tratamentos a quem tem cirrose! Não bebessem, ora essa!

Anónimo disse...

Artigo 66º do actual Código Civil Português, aprovado em 25 de Novembro de 1966 e assinado por Américo Deus Rodrigues Thomaz e António de Oliveira Salazar:nº1: «A personalidade (jurídica) adquire-se no momento do nascimento completo e com vida».nº2: «Os direitos que a lei reconhece aos nascituros dependem do seu nascimento».

Catecismo da Igreja Católica aprovado por João Paulo II em 11 de Outubro de 1992:«Preservar o bem comum da sociedade pode exigir que se coloque o agressor em estado de não poder fazer mal. A este título, reconheceu-se aos detentores da autoridade pública o direito e a obrigação de castigar com penas proporcionadas à gravidade do delito, incluindo a pena de morte...»

Anónimo disse...

Sim, porquê pagar transplantes de figado em quem insiste em beber contra as ordens do médico?
A responsabilidade é uma coisa muito bonita.

Sobre a lei aprovada pelo Salazar, se não fosse assim, se os direitos fossem adquiridos não com o nascimento mas com fecundação, por exemplo, não estariamos a discutir aborto mas sim homicidio, logo sujeito a penas muito superiores.

Anónimo disse...

Ó Paula, os impostos não é o cerne da questão!

Realmente estavam a mais naquela frase. Mas não era argumento, pois não estavam a sustentar qualquer posição. Estavam pura e simplesmente a mais, mas isso já é típico dos impostos, serem a mais.