quarta-feira, maio 30, 2007

A afronta


Já vão longe os tempos em que se gritava por tudo o que era sítio, “salário igual para trabalho igual”.

Os tempos eram, de facto, outros, influenciados em grande medida pelas brumas pós-revolucionárias que ainda se viviam, mas igualmente fruto de uma conjuntura bem diferente da que temos hoje, em que funciona a lógica de mercado, num mundo todos dias mais globalizado.

Ainda assim, e mesmo tendo passado mais de 30 anos, continuo a pensar que os que fazem mais ou menos a mesma coisa, deveriam auferir salários mais ou menos idênticos, ressalvando, naturalmente, as especificidades e capacidades próprias de cada trabalhador. Como compreendemos, nem todos são igualmente bons e há sempre trabalhadores que se destinguem mais, quer pela competência quer pela dedicação.

Como é evidente, nem todos somos iguais, uns nascem altos, outros baixos; uns fortes, outros fracos; uns mais inteligentes, outros menos ... é assim!

Por isso, tenho alguma dificuldade em perceber como é que os administradores executivos do BCP, que ganharam cada um, em média, 2.995 milhões de euros em 2006, têm vencimentos cinco vezes superiores aos seus congéneres dos restantes bancos cotados.

Será porque os administradores do BCP são incomensuravelmente melhores que os seus colegas dos outros bancos? Não sei se isso será verdade, custa-me a crer. O que sei é que os 4 maiores bancos privados (BCP, BES, Santander Totta e BPI) cresceram no primeiro trimestre deste ano 24% e foi o BES, e não o BCP, que liderou esse crescimento com um aumento de 33%. O que deita por terra a teoria de que os altos executivos do BCP são os maiores, e por serem os maiores merecem as enormes fortunas que ganham.

Mas, como aqui já tenho manifestado por diversas vezes, neste país pobre em que vivemos, em que a maioria dos trabalhadores ganham muito mal e são cada vez mais explorados, parece-me que as chorudas remunerações dos administradores do BCP são um atentado imoral, indecoroso e obsceno à dignidade dos trabalhadores em geral, e constituem um avolumar significativo do fosso salarial entre uns quantos que ganham muitíssimo e a maioria que não ganha o suficiente para viver.

E para que percebamos melhor o que estou a dizer, basta olhar para a imensa discrepância entre os salários dos administradores do BCP e os restantes colaboradores do Grupo. Em 2006, como se disse, cada executivo do BCP recebeu, em média, 2.995 milhões de euros. Para conseguir amealhar uma verba de tamanha dimensão, os colaboradores do Grupo necessitariam de trabalhar, também em média, durante uns míseros 164 anos.

Para que não restem quaisquer dúvidas, aos administradores do BCP bastou-lhes um ano de trabalho para ganhar o mesmo que os outros trabalhadores da casa ganhariam em 164 anos.

Repito, isto é imoral e constitui um gravíssimo atentado à dignidade dos outros trabalhadores que dão, seguramente, o seu esforço, a sua dedicação e a sua inteira disponibilidade para o engrandecimento da instituição em que trabalham e que lhes retribui da forma como vimos.

E pensar que a esperança de vida em Portugal, anda à volta dos setenta e tal anos!

9 comentários:

Anónimo disse...

Faz sentido comparar o salário dos administradores do BCP com o salário dos administradores de outros bancos e de outras grandes empresas.
É um disparate comparar com o salário médio dos trabalhadores do Banco.

Anónimo disse...

O que se trata aqui não é de comparar o salário médio dos trabalhadores do Banco com o salário médio dos administradores desse mesmo Banco. O que me parece que é ofensivo para qualquer um é assistir às diferenças salariais cada vez maiores que se registam entre a generalidade dos colaboradores e quem os administra. Isso sim, é um disparate.

Por acaso alguém percebeu nas minhas palavras que todos deviam ter os mesmos salários? Nunca advoguei isso, nem mesmo nos tais tempos revolucionários.

Como disse, a competência, a dedicação, a disponibilidade, a responsabilidade das funções que cada um desempenha, têm que ser pagos de forma diferenciada. Mas, pergunto, não o ofende, caro azul, que o seu patrão ganhe uns largos milhares de euros por mês, que tenha uma mansão em Cascais, um jacto, um iate, uma vida faustosa e se limite a dar-lhe a si e aos seus colegas uns trocos como pagamento do vosso trabalho competente e dedicado, que, ao fim e ao cabo, ajudou também o seu patrão a ter a empresa próspera.

Nunca me importei quanto é que ganhavam os que estavam acima de mim. O que sempre me preocupou foi que houvesse alguma justiça no que me pagavam pelo meu trabalho. Mas assistir ao avolumar do fosso salarial, que cada vez é maior, sempre me afligiu e sempre me indignou.

Porque é que será que Portugal é apontado como sendo um país onde a redistribuição da riqueza apresenta mais e maiores assimetrias. Não é por acaso, certamente.

Anónimo disse...

O BCP tem milhares de bancários. Administradores tem meia dúzia. Se essa selecção correspondeu a uma efectiva escolha com base nas qualidades para gerar riqueza para a instituição, pode ser justo a diferença.
Se o mercado e o regime fiscal funcionar bem, é justo. Desse salário, mais de 40% iria para o estado em IRS. E a riqueza que o banco gerava graças a uma boa administração pagava IRC, contribuindo assim para o bem comum.
O mal é que o mercado não funciona bem, com leis proteccionistas para os bancos, por exemplo, que lhes permite ter sempre enormes lucros mesmo mal geridos. Isso permite pagar salários acima do mercado. Tal como o regime fiscal não funciona bem, levando uma percentagem irrisória dos enormes lucros dos bancos.
Tal como os futebolistas em Portugal. Por si só os salários de dezenas de milhares de euros não são vergonhosos. O vergonhoso é isso não corresponder à riqueza que geram. Os clubes pagam isso, mas têm dividas eternas ao fisco e à segurança social, sucessivos perdões e pagamentos sem juros, ofertas de terrenos por parte de camâras municipais e estádios pagos pelo estado. Se os clubes fossem empresas que respeitassem as leis de mercado não havia esses salários.
Não me chateia que haja pessoas que ganhem muito. Não sou invejoso. Chateia-me que ganhem isso por distorção das regras, ou seja, por batota.

Anónimo disse...

Azullllllllllllll ... o que se está a discutir é a enormíssima diferença entre os tubarões e os peixinhos, tás a ver?

E adivinha quem ganha com tudo isso. Os peixinhos? Não, esses são comidos sem apelo nem agravo porque são indefesos; o país? Também não, porque se trata de empresas privadas e há sempre maneira ardilosas de escamotear as questões; só nos restam os tubarões, esses sim, porque têm uns dentes terríveis, porque são insaciáveis e porque não poupam ninguém ... nem os peixinhos.

Anónimo disse...

provocador, obrigado por me elucidar do sentido da discussão. Pronto, se o objectivo é apenas dizer que 3 milhões é muito mais que 20 mil, então peço desculpa por ter opinado.
Já agora, qual a solução? Matar os tubarões que comem tudo?

Anónimo disse...

Essa “deixa” é perfeita. Talvez não se consiga matar os tubarões todos, mas seria uma óptima ideia que eles fizessem um qualquer regime alimentar, de modo a que os peixinhos não fossem comidos.

Há lugar para todos estes “mares”, mas é preciso que os tubarões não sejam tão garganeiros.

Anónimo disse...

Por decreto? Como na administração pública? Fixar tectos salariais? Ninguém no país ganha mais que determinado valor?

Anónimo disse...

Ó meus caros há quem tenha vergonha de dizer, que há por ai, nos bancos também, muita gente que não merece o que ganha.
Até probabilisticamente quem mais ganha, estará mais perto desse patamar.

O provocador falou de ardis, e todos sabemos que os há, embora eu prefira o sinónimo manha, para falar de manhosos processos, manhosas actividades, manhosas mentes, manhosos administradores.

Por acaso sabeis o que quer dizer “Responsabilidade social” ? E da necessidade existente nas maiores empresas (internacionais) de haver até uma certificação nesta área ?
Não será isto sintoma remorso ou mesmo culpa ?

Claro que já ouvimos capitalistas a dizer : - “Os administradores ganham fortunas e gastam fortunas em luxos desmedidos. Dinheiro esse que é dos accionistas!”

E esta hém? Afinal o capitalismo também promove a distribuição o dito!

O Azul estará um bocado comprometido ou somente desfocado da realidade, mas é mesmo assim a vidinha ! – Não temos de desculpá-los quando são culpados, só por termos vergonha ou complexo de inferioridade.

Os administradores não merecem o que ganham em 90% dos casos !
Os empreendedores sim esses merecem talvez mais !
Mas aqueles, são geralmente escolhidos por critérios interesseiros !
Não venham com tretas de “qualidades para gerar riqueza”, pois que a grande maioria não a tem !

Modus dicendi (Modo de dizer)

Anónimo disse...

vexata e restantes,
eu em algum sitio disse que eles mereciam o que ganhavam? antes pelo contrário. o que eu disse que ganhar muito não é errado, se isso for um reflexo da riqueza gerada. voltando ao futebol, é mais fácil. se um jogador leva milhares ao estádio e milhões a ver televisão, isso só por si gera receitas para inúmeras empresas (televisões, agências de publicidade e marcas publicitadas, por exemplo). Assim, é normal que esse jogador ganhe algo proporcional à riqueza que gera. Desde que todas as regras sejam cumpridas: estar lá por direito próprio, pagar os impostos, a empresa que lhe paga o salário pagar os seus impostos, etc. O mesmo se aplica a tudo.
Há de haver pessoas com salários enormes que o merecem mais do que muita gente merece o ordenado de 1000 euros que tem. Depende dos casos. Relativamente aos administradores do bcp acho que ganham mais que merecem porque estão muito acima do mercado e o seu desempenho não justifica a diferença. É essa a comparação necessária e não com o empregado de balcão. No meu ponto de vista. Chame-lhe desfocado e comprometido se não tem argumentos melhores. E agora vou produzir, ver se mereço o salário.