quarta-feira, maio 02, 2007

A denúncia, de novo?

Quando dei pela coisa pensei que já tinha visto este filme em tempos idos, provavelmente com outros actores e realizadores, de certeza sem os efeitos especiais que agora existem, mas com o mesmo argumento ou com um muito parecido.

A verdade é que, em tempos, tivemos quem, a troco de um prato de lentilhas ou de uns certos favores por vezes inconfessáveis, denunciasse qualquer cidadão que tivesse dado um suspiro que fosse, e o mesmo tivesse sido interpretado como o prenúncio ou a senha de um golpe de estado contra o poder instituído.

Tempos já passados, esperava eu.

Trinta e poucos anos depois, aparece um governo que foi livremente eleito pelo povo, que vem agora exortar toda a gente e, em particular, os funcionários públicos a denunciar casos de corrupção.

Se bem que perceba a preocupação do governo e da sociedade em geral, em continuar, de forma permanente, a luta contra a corrupção e também esteja ciente da dificuldade tremenda em a combater e a vencer, o certo é que me atormenta aquela dúvida existencial de saber se os fins justificam os meios. Ou seja, que por falta de meios de controlo do próprio Estado, tenhamos mesmo de voltar ao tempo da denúncia para conseguir acabar com tal desgraça.

Mas o governo, achou que deveria esclarecer melhor os cidadãos sobre aquilo que lhes pedia e, através do Ministério da Justiça, publicou um guia de recomendações para prevenir a corrupção no seio da Administração Pública. O documento refere vários casos de actos ilícitos, por exemplo, a não tirar partido da sua posição para servir os seus interesses pessoais, ou, a não aceitar quaisquer vantagens (prendas, p.e., sejam elas de que natureza forem) para si ou para terceiros, como contrapartida do exercício das suas funções.

E porque o combate contra a corrupção é, de facto, difícil,
o Ministério da Justiça apela à denúncia perante as autoridades competentes, salientando tratar-se de um “dever legal".

Bom, já aqui enunciada a minha dúvida quanto aos princípios, umas quantas dúvidas mais não deixam de me atormentar. E vejam se seguem a minha linha de pensamento. É que várias situações podem acontecer:

- e se um funcionário honesto denuncia um funcionário corrupto a uma autoridade corrupta;
- ou se um funcionário honesto denuncia um funcionário honesto a uma autoridade corrupta;
- ou se um funcionário corrupto denuncia um funcionário honesto a uma autoridade honesta;
- ou se um funcionário corrupto denuncia um funcionário corrupto a uma autoridade corrupta;
- ou se, finalmente, um funcionário corrupto denuncia um funcionário honesto a uma autoridade corrupta.

Estas, para já, as principais questões. Mas, porque pode acontecer, também, que um funcionário corrupto denuncie um funcionário corrupto a uma autoridade honesta, é lícito que questionemos o que irá acontecer neste caso?

E o que irá acontecer se um funcionário honesto denunciar um funcionário honesto a uma autoridade honesta?

Ao fim e ao cabo, fico bem mais tranquilo, e sem dúvidas (a não ser a tal), se um funcionário honesto denunciar um funcionário corrupto a uma autoridade honesta.






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