quarta-feira, maio 16, 2007

O Suspiro


Quando relia aquela história que aqui publiquei há uns tempos sobre o garoto que almoçou com um senhor a quem pedira auxílio e que acabou por concluir que também esse senhor tinha uma vida virtual, lembrei-me de uma outra história que eu presenciei há um bom par de anos.

Entre as duas somos capazes de achar que há alguma coisa em comum.


Era um dia frio e enevoado e a humidade, muita, fazia-se sentir de tal forma que apetecia aconchegar os agasalhos.

Dentro da pastelaria, a temperatura era naturalmente superior à que se fazia sentir lá fora, e fazia-nos esquecer, por momentos, esse dia de inverno, ainda mais depois de nos aquecermos com uma bebida bem quente.

De repente, junto ao Balcão, surgiu do nada uma figura que destoava claramente dos demais. Era uma pessoa pouco mais que andrajosa, nada agasalhada e um ar de infeliz bem patenteado no rosto, fruto do estado do dia mas, sobretudo, do estado da alma.

Percebi depois que era um internado num estabelecimento psiquiátrico que ficava ali próximo mas que, com frequência, e com outros colegas seus, deambulava pelas ruas ali perto, pedindo cigarros a uns e dinheiro a outros.

Ali estava ele, junto ao Balcão, fixando-o insistentemente.

Uma senhora que estava a tomar o pequeno-almoço, constrangida com a cena, perguntou se ele queria comer alguma coisa.

“Um suspiro”, exclamou o homem. E o olhar desesperado transformou-se em esperança, perante a possibilidade de que aquele enorme suspiro branco, que também olhava para ele, lhe pudesse ser oferecido por aquela senhora.

“Um suspiro”, repetiu. E olhou para a senhora.

A senhora terá estremecido. Então, com um dia tão frio e o homem tão mal agasalhado, ele queria comer um suspiro? E de imediato perguntou:

“Não quer antes um croissant e um galão? Ia ficar mais quentinho e ia sentir-se melhor. Então, o que é que acha, olhe que ficava muito melhor!”

O homem desviou os olhos da vitrina e daquele suspiro monumental que lhe estava tão próximo, e cada vez mais longe, olhou desencantado para a senhora e exclamou: “Está bem” e esperou que lhe fossem servidos o croissant e o galão quentinho que, suspeito eu, os tomou sempre virado para a vitrina do balcão e para aquele enorme, branco e apetitoso suspiro dos seus sonhos!

3 comentários:

Anónimo disse...

Ai!!!!!!!!!! (isto foi um suspiro). Eu que adoro suspiros, grandes ou pequenos, brancos ou rosas, fiquei com muita pena do tal senhor que teve que comer um croissant e beber um galão, quando, o que ele tanto queria era o suspiro. Como eu o entendo ... Ai!!!!!!! (isto era outro suspiro).

Margarida Guerreiro ou Bia disse...

Porque é que nos perguntam o que se passa ou o que queremos, e quando respondemos com sinceridade colocam entraves ou observações descabidas?

Acontece-me muito sim senhor. Neste momento ah e tal o que te apetece? Queijo da Serra.
Ah e tal não podes.
Porque é que perguntaste?

Sonharei com este queijo toda a vida...e com o alentejano amanteigado e mais o de cabra curado e aquele salgadinho muito bom.

Anónimo disse...

A Margarida, vê-se logo que tem um gosto refinado e que aprecia coisas boas como são o queijo da serra (amanteigado, digo eu) e o alentejano amanteigado (referia-se ao de Serpa, por acaso?).

Já agora, se me permite, sugiro que, juntamente com umas tostinhas, acompanhe o Serpa com um Planura Reserva tinto (um belíssimo vinho alentejano e com um preço que não fere) e com o Serra um bom tinto do Dão, embora eu prefira um espumante Murganheira Touriga Nacional Bruto.

E porque levantou a questão, a verdade é que na maioria das vezes é melhor não se fazerem perguntas, se não se podem ou não se querem ouvir as respostas. Ainda que, na história publicada, eu continue a acreditar que a tal senhora estava cheia de boas intenções, embora … não fosse ao encontro do desejo daquele homem.

É a vida, como diria o Engº. Guterres.