quarta-feira, janeiro 16, 2008

Saúde pública ou polícia de costumes?


Embora não o conheça pessoalmente, sempre tive grande simpatia por Francisco José Viegas, que descobri no programa “Falatório” que era então transmitido pela televisão. Talvez pela elegância como conversa como os seus convidados e pela forma como os sabe ouvir. Mais tarde comecei a ler os seus escritos publicados em vários jornais e a ouvir as suas crónicas na TSF e na Antena 1, e a acompanhar o seu percurso jornalístico.

Mas Francisco José Viegas é, sobretudo, um escritor versátil que já publicou obras de divulgação, de poesia, romances, contos, teatro e relatos de viagens.


Dado que ontem falámos sobre a ASAE, achei que vinha a propósito um texto que ele escreveu para o Jornal de Notícias e que, de algum modo, tem a ver com as nossas liberdades e as proibições que nos querem impor. E muito embora não esteja inteiramente de acordo com o que Francisco José Viegas disse nesta crónica, apesar disso, acho que é um texto imaginativo e de bom recorte literário, razões pelas quais não resisto a transcrever parte dele, com a vénia que é devida ao Autor:


"A saúde pública é um domínio vasto que frequentemente entra nos caminhos da moral e dos costumes. Os queijos com alto teor de gordura serão perseguidos, da Serra da Estrela a São Jorge e ao Pico. Um dia haverá fiscais vigiando o teor de sal no bacalhau. As casas de família irão, com o tempo, transformar-se em antros de pecado - aí podemos comer pastéis de massa tenra, pataniscas, "bacalao al pil pil" ou à lagareiro, feijoadas e compotas preparadas com açúcar em vez de adoçante (havendo até quem fume um charuto no final, mais perigoso do que uma "erva" simplória, muito bem admitida socialmente). Um dia, mais tarde, os inspectores de saúde pública entrarão em nossa casa e desaprovarão as migas de bacalhau ou o feijão no forno. Na escola, os institutos da saúde perguntarão subtilmente às crianças se os pais têm por hábito comer fritos e barrar o pão com manteiga, essa substância perigosa. Justificarão. Justificarão sempre. Querem o nosso bem. Nunca sei o que é melhor, se a liberdade, se o comando da nossa saúde por políticos que elegemos com outras finalidades".





4 comentários:

Anónimo disse...

Não conhecia o texto mas concordo com o escritor.

Anónimo disse...

As últimas 6 palavras é que têm a chave da coisa: políticos que elegemos com outras finalidades.
Pena é que nos esqueçamos nas eleições a seguir os desvios que aqueles senhores insistem em fazer com a legitimidade do nosso voto.
A prazo muitos decidiremos deixar de participar nesse "faz de conta que estamos a brincar à democracia" em que a politiquice caseira se está a tornar.
E não sei o que será pior ... esta etapa histórica ou essa futura...

Anónimo disse...

Gostaria de comentar as tais 6 últimas palavras do texto de Francisco José Viegas que o nosso companheiro “Anónimo” fez questão de sublinhar “políticos que elegemos com outras finalidades”.

Como se sabe a democracia é um sistema político que tem como princípio fundamental que a autoridade emane do povo. Por isso se realizam eleições periódicas e livres para eleger os nossos representantes. E para quê? Para governar e controlar um país, governo e controlo que têm balizas definidas e cujos resultados devem ser avaliados, em todos os momentos, pelos cidadãos que ajudaram (com os votos) a que esses políticos nos representassem. Estou a falar, claro está, ao nível dos princípios o que, infelizmente, nem sempre correspondem ao que na prática vai acontecendo. Daí que veja, com apreensão, o afastamento das pessoas da política. E reparem que esta preocupação não é tão despiciente. A chamada sociedade civil – nós – temos o dever de fazer uma avaliação contínua do comportamento dos nossos governantes e reparem que, muitas vezes (não tantas como eu gostaria) a pressão da dita sociedade civil consegue fazer inverter posições que são tomadas pelo poder político. Ou porque as coisas não foram suficientemente equacionadas, ou porque a visão de quem tomou a decisão veio a revelar-se incorrecta ou, na melhor das hipóteses, a menos boa. Por isso, é fundamental que os cidadãos estejam atentos e não se afastem da política. Não para proteger apenas os nossos interesses particulares, tantas vezes mesquinhos e egoístas, mas para que as decisões sejam realmente tomadas tendo em conta as pessoas e o desenvolvimento do país.

E aqui volto às tais 6 últimas palavras do texto de Francisco José Viegas. Quando elegemos políticos seja para que cargo for, não devemos estar à espera que eles se preocupem apenas com isto ou aquilo. Não, estamos na expectativa que eles cumpram a sua missão nos mais diversos campos que incluem, naturalmente, a definição das boas políticas no campo da saúde alimentar, mesmo que essas políticas desaconselhem a ingestão de certos alimentos que sabem muitíssimo bem mas que prejudicam a saúde.

À medida que os tempos passam e a ciência vai evoluindo, vão-se alterando hábitos que “matam” muitas vezes com prazeres antigos. Em contrapartida, vão-se ganhando outras coisas. A saúde, por exemplo.

A terminar, e desculpem-me ter alongado o discurso, o que está subjacente a este tema, como em tudo na vida, é que “É necessário bom-senso”.

Anónimo disse...

E já que falaram em Democracia, nunca é demais recordar a brilhante frase de Millor Fernandes (e eu sei, demascarenhas, como tu o aprecias):

"Democracia é quando eu mando em você, ditadura é quando você manda em mim."