quarta-feira, janeiro 30, 2008

Um discurso de revolta

Tive conhecimento do vídeo nos últimos meses do ano passado e, creiam, tocou-me profundamente. Depois de ouvir esta jovem proferir o discurso, neste tom e com a profundidade que emudeceu os congressistas, devo dizer que maior que a coragem e a convicção que ela teve, maior mesmo, só a falta de vontade das nações e o seu egoísmo em querer proteger apenas e tão só os seus interesses, sem qualquer respeito pelos outros e pelo Planeta em que vivemos.

Reparem que esta conferência teve lugar, se bem consegui ver a data que consta em fundo, em 1992. Passaram, entretanto, mais de quinze anos. Nem o protocolo de Quioto nem discursos deste tipo, nem campanhas devidamente preparadas por organizações ambientalistas, nem acções protagonizadas por pessoas tão conhecidas como Al Gore conseguiram fazer com que alguns dos países mais poderosos do mundo aderissem ao espírito de Quioto.

Perante a ameaça real das alterações climáticas, que vai já provocando as maiores catástrofes em todo o mundo, conseguiu-se enfim realizar há pouco a chamada “Conferência de Bali” que parece ter conseguido alguns resultados animadores, uma vez que conseguiu que todos os países lá representados “entendessem” a necessidade de uma efectiva redução de emissões de dióxido de carbono. Até os Estados Unidos assinaram este documento, cujos objectivos, no entanto, só poderão ter alguns resultados a longo prazo.

Entretanto, todos nós vamos esperando que o bom-senso dos responsáveis das nações possa, ao nível de cada país, produzir efeitos visíveis nos próximos anos.

Enquanto isso, e depois de ouvir a Seven Suzuki, penso que valerá a pena reflectir sobre as suas palavras, cujo discurso transcrevo na íntegra.

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“Olá, sou Seven Suzuki e represento a “ECO”, a organização das crianças em defesa do meio ambiente.
Somos um grupo de crianças canadenses, de 12 e 13 anos, que tenta fazer a nossa parte – contribuir.
Nanessa Suttie, Morgan Geisler, Michelle Quigg e eu.
Todo o dinheiro que precisávamos para vir de tão longe, conseguimos nós próprios para dizer que vocês, adultos, têm que mudar o vosso modo de agir.
Ao vir aqui hoje, não necessito de disfarçar o meu objectivo. Estou a lutar pelo meu futuro.
Não ter garantia quanto ao meu futuro não é o mesmo que perder uma eleição ou alguns pontos na bolsa de valores.
Estou aqui para falar em nome das gerações que estão por vir.
Estou aqui para defender as crianças com fome cujos apelos não são ouvidos.
Estou aqui para falar em nome dos inúmeros animais que morrem em todo o planeta porque já não têm mais para onde ir.
Não podemos mais permanecer ignorados.
Hoje tenho medo de apanhar sol por causa dos buracos na camada de ozono.
Tenho medo de respirar esse ar porque não sei que substâncias químicas o estão a contaminar.
Eu costumava passear em Vancouver com o meu pai até ao dia em que pescámos um peixe com cancro.
Temos conhecimento de que animais e plantas estão a ser destruídos diariamente e em vias de extinção.
Durante toda a minha vida eu sonhei ver grandes manadas de animais selvagens, selvas e florestas tropicais repletas de pássaros e borboletas, mas agora pergunto-me se os meus filhos vão poder ver isso tudo. Vocês preocupavam-se com essas coisas quando tinham a minha idade?
Todas essas coisas acontecem bem diante dos nossos olhos e, mesmo assim, continuamos agindo como se tivéssemos todo o tempo do mundo e todas as soluções.
Sou apenas uma criança e não tenho soluções. Mas quero que saibam que vocês também não as têm. Vocês não sabem como reparar os buracos de ozono. Vocês não sabem como salvar os salmões das águas poluídas. Vocês não podem ressuscitar os animais extintos. Vocês não podem recuperar as florestas que um dia existiram e onde hoje é um deserto. Se vocês não podem recuperar nada disso, então, por favor, parem de destruir. Aqui vocês são os representantes dos vossos governos, homens de negócios, administradores, jornalistas ou políticos mas, na verdade, são mães e pais, irmãos e irmãs, tias e tios e todos também são filhos.
Sou apenas uma criança mas sei que todos nós pertencemos a uma sólida família de 5 biliões de pessoas e, ao todo, somos 30 milhões de espécies compartilhando o mesmo ar, a mesma água e o mesmo solo. Nenhum governo, nenhuma fronteira poderá mudar esta realidade.
Sou apenas uma criança mas sei que este problema atinge-nos a todos e deveríamos agir como se fossemos um único mundo rumo a um único objectivo.
Apesar da minha raiva, não estou cega. Apesar do meu medo, não sinto medo de dizer ao mundo como me sinto.
No meu país temos tanto desperdício. Compramos e deitamos fora, compramos e deitamos fora e os países do Norte não compartilham com os que mais necessitam. Mesmo quando temos mais do que o suficiente, temos medo de perder as nossas riquezas, medo de compartilhá-las. No Canadá temos uma vida privilegiada com fartura de alimentos, água e casa. Temos relógios, bicicletas, computadores e aparelhos de televisão.
Há dois dias, aqui no Brasil, ficámos chocados quando estivemos com crianças que moram nas ruas. Ouçam o que uma delas nos contou “Eu gostaria de ser rica e, se fosse, daria a todas as crianças de rua alimentos, roupas, remédios, casa, amor e carinho”.
Se uma criança de rua que não tem nada ainda deseja compartilhar, porque é que nós que temos tudo somos ainda tão mesquinhos? Não posso deixar de pensar que essas crianças têm a minha idade e que o lugar onde nascemos faz toda a diferença.
Eu poderia ser uma daquelas crianças que vivem nas favelas do Rio. Eu poderia ser uma criança faminta da Somália, uma vítima da guerra do Médio Oriente ou uma mendiga na Índia.
Sou apenas uma criança mas, ainda assim, sei que se todo o dinheiro gasto nas guerras fosse utilizado para acabar com a pobreza para achar soluções para os problemas ambientais que lugar maravilhoso seria a Terra.
Na escola, desde o jardim de infância, vocês ensinam-nos a ser bem comportados, a não brigar com os outros, resolver as coisas a bem, a respeitar os outros, a arrumar a nossa desarrumação, a não maltratar as outras criaturas, a dividir e a não ser mesquinho. Então, porque é que vocês não fazem justamente aquilo que nos ensinaram?
Não esqueçam o motivo que os levam a assistir a estas conferências.
Vejam-nos como os vossos próprios filhos. Vocês estão decidindo em que tipo de mundo nós iremos crescer. Os pais devem ser capazes de confortar os seus filhos dizendo-lhes “tudo ficará bem, estamos a fazer o melhor que podemos”. Mas não acredito que possam dizer-nos isso. Será que estaremos mesmo na vossa lista de prioridades?
Meu pai sempre me disse “tu és aquilo que fazes e não aquilo que dizes”.
Bem, o que vocês fazem, nos fazem chorar à noite. Vocês adultos dizem-nos que nos amam. Eu desafio-vos, por favor, façam as vossas acções reflectirem as vossas palavras.
Obrigada”.

2 comentários:

Margarida Guerreiro ou Bia disse...

Curiosidade:

When she was 12, Cullis-Suzuki and three Vancouver schoolmates raised money to go to the Rio Earth Summit. Her speech to delegates, above, had such an impact that she became a frequent invitee to U.N. conferences. Now 22, with a B.S. in biology from Yale University, she will be in Johannesburg as a member of Kofi Annan's World Summit advisory panel.

Já agora aqui: http://en.wikipedia.org/wiki/Image:PA109664_leveled.JPG
Para ver como ela é hoje.

Anónimo disse...

Embora nesse dia todos tenham ficado verdadeira ou cinicamente envergonhados, muito pouco fizeram e muito pouco fazemos em prol das soluções para o futuro.

Envergonhemo-nos, pois!