quarta-feira, março 12, 2008

As janelas do quarto de António Gedeão

De António Gedeão

"As janelas do meu quarto"


Tenho quarenta janelas,
nas paredes do meu quarto,
sem vidros nem bambinelas,
posso ver através delas,
o mundo em que me reparto.

Por uma entra a luz do sol,
por outra a luz do luar,
por outra a luz das estrelas,
que andam no céu a rolar.

Por esta entra a Via Láctea,
como um vapor de algodão,
por aquela a luz dos homens,
pela outra a escuridão.

Pela maior entra o espanto,
pela menor a certeza,
pela da frente a beleza,
que inunda de canto a canto.

Pela quadrada entra a esperança,
de quatro lados iguais,
quatro arestas, quatro vértices,
quatro pontos cardeais.

Pela redonda entra o sonho,
que as vigias são redondas,
e o sonho afaga e embala,
à semelhança das ondas.

Por além entra a tristeza,
por aquela entra a saudade,
e o desejo, e a humildade,
e o silêncio, e a surpresa.

E o amor dos homens, e o tédio,
e o medo, e a melancolia,
e essa fome sem remédio,
a que se chama poesia.

E a inocência, e a bondade,
e a dor própria, e a dor alheia,
e a paixão que se incendeia,
e a viuvez, e a piedade.

E o grande pássaro branco,
e o grande pássaro negro,
que se olham obliquamente,
arrepiados de medo.

Todos os risos e choros,
todas as fomes e sedes,
tudo alonga a sua sombra,
nas minhas quatro paredes.

Oh janelas do meu quarto,
que vos pudesse rasgar,
com tanta janela aberta,
falta-me a luz e o ar.



3 comentários:

Porcos no Espaço disse...

Lindo!

Tem ideia e está impecavelmente escrito. Poesia não é propriamente o meu estilo, e muito menos rimas. Mas quando é bom, bolas, é bom mesmo.

Boa escolha.

E obrigado.

Anónimo disse...

Vamos ver se essa luz me inspira a encontrar a melodia, digna de "António Gedeão"

Anónimo disse...

De outro anónimo, citando o mesmo (fantástico) autor:
" A Catedral de Burgos tem 30 metros de altura e as pupilas dos meus olhos 2 milímetros de abertura.
Olha a Catedral de Burgos com 30 metros de altura!"

Isto é mais que poesia, é vida!