quarta-feira, março 26, 2008

Os noivos, a invasão da privacidade e o fisco



Confesso que achei uma certa piada a todo este ruído que se fez à volta da intenção do governo de “pedir” aos noivos informação sobre quem foram os seus fornecedores e quanto é que lhes pagaram por todos os serviços prestados com o casamento.

Até há pouco, toda gente se insurgia pelo facto de só pagarem impostos os que trabalhavam por conta de outrem, enquanto que os profissionais liberais, tivessem eles a profissão que tivessem, fugiam invariavelmente às suas obrigações fiscais. Chamavam-lhes malandros, aos que fugiam ao pagamento e aos governos que não os conseguiam caçar, e lamentavam-se por só eles terem que aguentar tamanho fardo.

Até que houve um governo qualquer que obrigou os bancos a serem controladores e denunciantes dos seus clientes para que estes não pudessem contrair empréstimos se não tivessem em dia os pagamentos à segurança social. Nessa altura, os Bancos e os seus empregados argumentaram que o Estado estava a delegar nas entidades bancárias uma tarefa que competia por inteiro aos próprios serviços do Estado. Embora com algumas trafulhices pelo meio, devido à concorrência desenfreada dos próprios bancos, o certo é que muitos empresários tiveram mesmo que regularizar as suas dívidas sob pena de não conseguirem os tão almejados empréstimos.

Anos depois, o governo, não sei se da mesma cor do outro governo, lembrou-se de dizer aos contribuintes que deveriam pedir sempre facturas nos restaurantes. O coro da discórdia já se começava a ouvir quando alguém se lembrou de acrescentar alguma coisa à tal solicitação. Se pedirem as facturas nos restaurantes, parte desse montante pode ser abatido no IRS. E o coro, surpreendentemente (ou talvez não), calou-se e os proprietários dos restaurantes tiveram que começar a pagar os impostos devidos. Pelo menos os respeitantes aos valores inscritos nas facturas que tinham que passar.

Agora (um agora que teve início já em 2004) foi a vez do governo olhar para toda a indústria (cada vez mais próspera) que gira à volta dos casamentos. Os que vendem os fatos de noiva, os que arrendam espaços para as festas, os restaurantes e as empresas que fornecem os cattering, os fotógrafos, os que animam os copos-de-água, as floristas e todos os demais, estão sob o olhar do fisco que pretende saber, através dos noivos, quem é que eles contrataram e quanto lhes pagaram.

Perante esta investida, um bruá enorme se levantou e as acusações de “querer controlar os contribuintes” e de “tentativa de invasão de privacidade” não se fizeram esperar.

Mas, afinal, onde reside o problema? O Estado não pretende saber como é que os noivos, que até podem estar desempregados ou ganham uma miséria, conseguiram oferecer uma festa de estadão aos seus convidados. Provavelmente alguém lhes pagou as despesas ou recorreram a empréstimo bancário. Ninguém está a pedir contas aos noivos. O que o fisco quer é saber quem é que prestou os serviços e se esses fornecedores estão, ou não, a pagar os impostos devidos. Não é o que toda a gente pretende, que todos, e não só alguns, paguem os impostos para que este país possa ser um pouco mais justo? Não é, afinal, uma forma de travarmos a evasão fiscal?

Para além de que não estou a ver como é que se podem conhecer as verbas realmente auferidas por cada um dos fornecedores se não existem quaisquer registos de controlo?

Frequento de vez em quanto um “snack-bera” cujo o dono faz as contas aos clientes no próprio toalhete que serve de toalha. Quem é que vai saber quantas refeições é que são servidas por dia naquela casa se quase ninguém pede facturas? Serão duzentas por dia ou apenas as cinquenta declaradas? Em termos de impostos, esta é a diferença que faz uma enorme diferença.

O único pecado do governo nesta matéria é, quanto a mim, a “ameaça” que faz aos nubentes caso eles não apresentem os dados solicitados. Arriscam-se a ter que pagar uma coima entre os cem e os dois mil e quinhentos euros. Se o legislador tivesse optado por uma outra solução, por exemplo, que os recibos ou facturas das despesas com o casamento pudessem entrar como benefícios fiscais no IRS, então, outro galo cantaria ...

Ah, e o governo cometeu ainda um outro pecado, e este gravíssimo. Dar aos recém-casados quinze dias para responder ao fisco, não lembra a ninguém. É que quinze dias, em plena lua-de-mel, são demasiado preciosos para resolver uma montanha de coisas ... e não, propriamente, esse tipo de coisas.

1 comentário:

Anónimo disse...

Estou mesmo a ver:
- Ó querida(o) espera ai pela 2 keka que eu tenho de ir entregar os recibos às finanças!

:)

E no dia seguinte:
- Ó querido(a) hoje vou eu entregar os recibos!

;)