quarta-feira, abril 30, 2008

“O país dos brandos costumes”

Dizer-se, hoje, que “Portugal é um país de brandos costumes”, não corresponde à verdade e a frase, em si mesma, não passa de uma forma de retórica.

Mas não o sendo, de facto, continua-se a fazer supor que o nosso país continua a ser o tal paraíso à beira-mar plantado.

E o certo é que não é. Se o fosse seria improvável que uma esquadra de polícia fosse invadida, em pleno dia, por um grupo de mais de dez homens com o intuito de agredir um jovem que tentava apresentar queixa contra, precisamente, esses “invasores”. E a esquadra foi mesmo invadida.

E, pergunta-se, eles não foram impedidos de entrar pelas forças policiais? Não, não foram. E porquê? Porque na esquadra - que apoia uma população de doze mil e tal pessoas – apenas havia um polícia que se viu impotente para impedir a invasão.

Perante tão insólita situação, a responsável pela esquadra atacada procurou justificar o injustificável, alegando que, tratando-se daquela hora e daquele dia, o número de efectivos – UM, apenas um – era razoável.

Posições diferentes tiveram, quer a Associação Sindical dos Profissionais da Polícia, que considerou que a presença de um único agente na esquadra era “rídicula”, quer o Ministro da Administração Interna que afirmou que "Não é prática aconselhável haver uma esquadra da PSP em que esteja apenas um agente da polícia. As esquadras não podem ser locais vulneráveis".

Concordo em absoluto com a ASPP e com o Ministro. Têm toda a razão. Só que, com a presença de um único polícia, as esquadras tornaram-se efectivamente muito vulneráveis e a verdade é que o tal polícia único não consegue garantir nem a segurança dos cidadãos (como foi o caso), nem a sua própria.

Para mais, é suposto que as esquadras tenham armamento. E, caso sejam invadidas, é bem provável que essas armas e munições venham a cair em mãos erradas, com todos os perigos daí decorrentes.

Mas a minha curiosidade inquieta-se quando penso que não se chegou a saber o que a senhora responsável pela esquadra entende por “horas e dias não perigosos” ou como vai, de imediato, o senhor Ministro da Administração Interna, que tutela a PSP, resolver a situação de postos de polícia guardados por um único agente, quando corre por aí que a falta de mais polícias nas esquadras é consequência dos cortes orçamentais determinados pelo governo.

Não é a primeira vez que uma esquadra é invadida. Já aconteceu mais vezes e em várias localidades do país.

Definitivamente, o “Portugal, país dos brandos costumes” já não existe.

segunda-feira, abril 28, 2008

Tardou mas veio ...

Demorou muito a reacção dos médicos oftalmologistas portugueses à crescente indignação pública sobre a sua evidente ineficácia, cuja consequência maior se traduz nos muitos milhares de pessoas que, desesperadamente, estão à espera de uma cirurgia oftalmológica ou de uma simples consulta.

Eu esperava que os médicos viessem a terreiro mais cedo, mas só ontem vi na televisão uma mal amanhada resposta à procura de ajuda que os nossos concidadãos conseguem em Cuba (por não a obterem em Portugal), com o precioso auxílio das suas Câmaras Municipais.

Vi e ouvi um médico pôr em questão a qualidade dos seus colegas cubanos mas não o ouvi sugerir soluções para ultrapassar o problema.

Também o Bastonário da Ordem dos Médicos veio dizer que era uma vergonha para Portugal e para os seus médicos este tipo de “peregrinação” a Cuba. Afirmou que o país tem uma má distribuição geográfica destes especialistas e uma concentração despropositada em alguns hospitais.

O que o especialista que acima referi e o que o Sr. Bastonário não disseram é que aqui mesmo em Portugal um médico espanhol fez 234 operações em seis dias, enquanto os colegas que trabalham no mesmo hospital fazem, cada um, cinquenta operações num ano (post do dia 8 deste mês “Contra factos ...”).

Pois é, sobre isso disseram nada e, portanto, cada um que tire as ilações que quiser. Enquanto isso, as Câmaras de Vila Real de Santo António (que já teve idêntica iniciativa o ano passado) e de Santarém celebraram protocolos com médicos oftalmologistas de Cuba para que os seus munícipes possam ser operados rapidamente.

E, ao que consta, outras autarquias estão-se a preparar para lhes seguir as pisadas.

Os doentes agradecem.


domingo, abril 27, 2008

Lembrem-se como foi

Abril não é só um mês nem o 25 de Abril é apenas uma data e um feriado. Ambos fazem parte da História recente do nosso país e têm um significado profundo para os portugueses, independentemente das ideologias de cada um. Uma data muito importante – mas infelizmente bastante esquecida mesmo pelos que viveram em ditadura - que é sempre bom relembrar e comemorar.

Nesse sentido, e a exemplo do que aqui já tem acontecido noutros anos, trago-vos desta vez um excerto de um artigo publicado no Diário de Notícias de 25 de Abril, da autoria da jornalista Fernanda Câncio.

A escolha deste texto obedeceu a dois critérios: O primeiro, porque está muito bem escrito e retrata com verdade algumas das diferenças de como se vivia em Portugal antes do 25 de Abril de 1974 e como se passou a viver depois. O segundo, porque este tipo de testemunhos ajuda, por um lado, a preservar a memória dos que viveram antes da revolução dos cravos e, por outro, para aqueles que nasceram depois daquela data, a conhecer algumas das principais transformações e conquistas que se registaram nestes últimos 34 anos e que, naturalmente, não caíram do céu, como alguns poderão julgar. Tanto mais que para estes últimos, nem a escola nem as famílias, foram capazes de lhes transmitir toda a riqueza de uma época absolutamente extraordinária, que mudou em definitivo a vida dos portugueses.



“… Quando oiço ou leio elogios a Salazar e ao "outro tempo" a gente que tem idade para se lembrar, fico estupefacta. Nunca deixa de me espantar que se considere que "se vivia melhor" ou "havia mais segurança". É que não é uma questão subjectiva: não me venham com questões subjectivas. Nada há mais objectivo que os indicadores do Instituto Nacional de Estatística, e a forma como nos últimos 34 anos as provas do bem-estar dos portugueses aumentaram de modo quase milagroso. A mortalidade infantil e materna, por exemplo: passámos de um índice de país do Terceiro Mundo para um dos mais honrosos da UE. A esperança de vida. A electricidade, a água canalizada, as casas de banho dentro das casas. A quantidade de jovens que conseguem aceder ao ensino superior. Quem acha que isso não tem nada a ver com a democracia e que era inevitável deve questionar-se, por exemplo, sobre o motivo pelo qual em quase todos os países totalitários, independentemente da sua riqueza, a maioria das pessoas vive tão mal.

Porque antes da democracia a esmagadora maioria dos portugueses vivia mal. Havia miséria como não há, nem por sombras, hoje. Havia pobreza como não há, nem por sombras, hoje. Há gente a viver mal hoje, idosos com reformas miseráveis. Mas antes da democracia não havia sequer reforma garantida para todos - lembram-se? E podia não haver carjacking - não havia sequer carros que chegassem para isso - mas havia tropa obrigatória, lembram-se? E minas nas picadas, e emboscadas na selva. Quantos portugueses morreram, obrigados, na guerra? Quantos voltaram deficientes? Quantos tiveram de fugir para não serem enviados para África? Quantos fugiam, "a salto", para tentar uma vida melhor no estrangeiro? Quantos morriam de medo de dizer alguma coisa errada que os levasse a serem considerados anti-regime, a perder o emprego, a serem presos? Era seguro, ser português? Era seguro, viver numa ditadura?

Há, claro, sonhos que se perderam e traíram. Não somos todos felizes - mas só nos cartazes das ditaduras toda a gente sorri. Os amanhãs cantaram, mas desafinados para muitos ouvidos. Desafinam ainda, e ainda bem - porque agora depende tudo de nós, e cada voz canta diferente. Sobretudo, não me digam que "há medo de falar" nem usem a palavra "fascismo" a torto e a direito. Porque é ridículo, demasiado ridículo, mas porque, sobretudo, é um insulto a todos os que realmente souberam o que era ter medo e viver num regime totalitário, todos os que no "dia inicial, inteiro e limpo" de Sophia se sentiram, enfim, inteiramente inteiros.”


quarta-feira, abril 23, 2008

Liberdade

Liberdade

Ai que prazer
Não cumprir um dever,
Ter um livro para ler
E não o fazer!
Ler é maçada,
Estudar é nada.
O sol doira
Sem literatura.



O rio corre,
bem ou mal,
Sem edição original.
E a brisa, essa,
De tão naturalmente matinal,
Como tem tempo não tem pressa...

Livros são papéis pintados com tinta.
Estudar é uma coisa em que está indistinta
A distinção entre nada e coisa nenhuma.

Quanto é melhor,
quando há bruma,
Esperar por D. Sebastião,
Quer venha ou não!

Grande é a poesia,
a bondade e as danças...
Mas o melhor do mundo são as crianças,
Flores, música, o luar, e o sol, que peca
Só quando, em vez de criar, seca.

O mais do que isto
É Jesus Cristo,
Que não sabia nada de finanças
Nem consta que tivesse biblioteca...








Fernando Pessoa, de seu nome completo Fernando António Nogueira Pessoa, nasceu em Lisboa em 13 de Junho de 1888 e morreu também em Lisboa em 30 de Novembro de 1935.

É considerado um dos maiores poetas de língua portuguesa.
Trabalhou em várias actividades como jornalismo, publicidade e no comércio mas foi através da poesia e da literatura – assinadas com o seu próprio nome ou sob o manto dos vários heterónimos que adoptou – que se tornou uma figura maior das nossas letras.

















terça-feira, abril 22, 2008

Pipocas


Para começar, uma declaração de interesses. Detesto ver filmes ao som da mastigação de pipocas.

A esta hora já começaram a vociferar alguns dos meus amigos – espectadores incondicionais de filmes e de televisão que se costumam aconchegar a baldes ou taças de pipocas - que não devo estar bom da cabeça.

Mas é isso mesmo. Detesto ouvir o ruído daquela trituração infindável quando, o que eu pretendo, é tão simplesmente concentrar-me na película. E se em casa de cada um, são livres de fazer o que lhes der na real gana – podem comer pipocas, arrotar ou andar vestidos com fatos de treino bizarros – porque estão no seu território, estão à vontade e não incomodam ninguém, já nas salas de cinema a coisa muda de figura.

Acho deprimente quando as pessoas entram na sala carregadas com baldões enormes a transbordar de pipocas e uns copázios de dois litros de coca-cola. Não só acho que é deselegante como define logo o tipo de pessoa que transporta tais carregos. É, mal comparado, como aqueles que vestem uma roupinha catita mas que calçam uns sapatos mal amanhados. O pormenor dos sapatos faz toda a diferença, exactamente da mesma forma como acontece com o balde das pipocas.

E depois, é todo o remexer no balde, é toda a mastigação que não pára, é toda a agitação dos braços que cruzam o espaço para ir buscar mais uma mão-cheia de pipocas. Tudo enquanto o pacato cidadão se procura concentrar – inutilmente - na trama do filme que está a ser exibido.

No final, e como se a irritação já não chegasse, toda a minha gente se levanta e vai abandonando a sala, deixando atrás de si um enorme e aviltante “campo de batalha”, os copos de coca-cola abandonados, as poças de refrigerante derramado, os baldes de pipocas (por vezes meio cheios) espalhados pelo chão, tudo a lembrar um confrangedor e terrível cenário de guerra.

Tanta coisa que poderíamos ir copiar aos americanos e logo fomos importar esta moda. “Americanices”, como diz um amigo meu!

Para além do mais, considero que este negócio veio desferir um rude golpe na privacidade de cada um. Eu estou ali apenas para ver um filme e não incomodo ninguém. O mínimo que esperaria é que também não me incomodassem com a palpitante deglutição do milho empacotado. Ao fim e ao cabo, tudo se resume a uma simples questão de respeito.


Solidariedade social?

Embora muita gente soubesse da existência desses casos, a notícia não deixou de despertar um sentimento de revolta a muitos portugueses: “Há lares para a terceira idade apoiados pelo Estado que, por falta de dinheiro, vendem vagas em troca de donativos, deixando em lista de espera idosos mais carenciados”. Ou seja, para que os idosos consigam entrar nos lares, os familiares são obrigados a “oferecer” donativos às instituições.

Na sequência desta notícia, uma estação de televisão entrevistou um cidadão que tinha feito um donativo de uns largos milhares de euros para que o pai fosse admitido num determinado lar. Como o senhor acabou por falecer dois meses depois de lá estar, a instituição “generosamente” devolveu ao filho metade da quantia “oferecida”.

Claro que o presidente da Confederação das Instituições de Solidariedade Social, Lino Maia - um padre - apressou-se a esclarecer que a culpa é da Segurança Social que só comparticipa com 350 euros quando o custo real por mês e por idoso é de 650 euros.

Explicação um pouco grosseira, convenhamos, quando se sabe que na generalidade dos lares, para além do subsídio atribuído pelo Estado, todos os internados pagam a sua estadia com uma boa parte da sua pensão e que todos os custos chamados acessórios – fraldas, medicamentos, idas a hospitais e outros – são pagos à parte.

Conheço um lar que pertence à Santa Casa da Misericórdia de uma vila do nosso país, que recebe comparticipações do Estado e em que os utentes têm obrigatoriamente que ser sócios (pagam uma quota mensal) e pagam, ainda, 80% das suas pensões, além de todos os tais cuidados acessórios que necessitam.

Nesse lar quando um utente necessita de ser transportado ao hospital cobram 15 euros por esse serviço (motorista, desgaste do veículo, gasóleo). Pois se nesse mini-autocarro em vez de um, forem dois, ou três ou nove utentes, cada um paga os mesmos 15 euros, como se as despesas com o gasóleo e com o motorista não fossem rigorosamente iguais quer o autocarro transportasse apenas um idoso ou levasse a lotação esgotada.

Nesse mesmo lar tive conhecimento da situação de um casal que estava instalado cada um em seu quarto desde a sua entrada, até que, ao fim de uns anos, conseguiram partilhar o mesmo quarto, tendo pago por essa reunião 2.500 euros.


Será que estamos perante uma política de gestão financeira que tenta tão somente garantir a sobrevivência das instituições ou todos estes casos não passam de pura exploração?

No meio de tudo isto onde é que fica a solidariedade social? Estaremos, de facto, a cuidar convenientemente das pessoas que se encontram mais fragilizadas e carentes? Não deveriam estas pessoas receber da sociedade um outro tipo de atenção e de respeito?


domingo, abril 20, 2008

Para aliviar o stress

À primeira vista poder-se-ia pensar que esta história era coisa de americanos. Mas não, desta vez a ideia é espanhola e conta-se em duas palavras.

Com o objectivo de tentar acalmar os seus clientes executivos, a cadeia de hoteis espanhola NH Hoteles mandou equipar os quartos do seu hotel do centro de Madrid com martelos para que os clientes mais stressados pudessem partir à vontade tudo o que está no edifício - mobiliário, paredes, portas e janelas.

E o grupo hoteleiro foi ainda mais longe. Pôs psicólogos à disposição dos seus hóspedes para acompanhar todos os ataques de nervos dos seus clientes mais excitados.

Como diria o outro “este mundo está louco”, versão moderna do que dizia noutros tempos o Obelix “estes romanos são doidos”.

Resta saber se a verdadeira intenção da administração do NH Hoteles foi a de que os seus executivos voltassem aos seus afazeres mais calmos depois de tanta martelada ou se pretenderam simplesmente ter uns quantos malucos a destruir – ainda por cima pagando – um edifício que eles queriam reconstruir e modernizar.

quinta-feira, abril 17, 2008

O ano internacional da batata

Quando li que a UNESCO – Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura - “decretou” que 2008 se comemoraria o Ano Internacional da Batata, veio-me à cabeça uma expressão muito em voga na minha adolescência:

“Nicles, Batatoide”

Não me perguntem o que significa nem o contexto em que se utilizava. É daquelas expressões idiotas, uma expressão de época, se assim se pode dizer, daquelas (muitas) que se empregam em qualquer geração e que querem dizer absolutamente nada. Dizem por que se dizem, mas não têm qualquer conteúdo. Funcionam apenas como se fossem um tique ou um arremedo mas que são perfeitamente inócuas e sem substância.

Mas foi, talvez, o “batatoide” que, por associação de ideias, me fez lembrar a batata e, esta, o ano internacional da dita. O que, à primeira vista, parece ser coisa de pessoas desocupadas.

Contudo, parece que a ideia da UNESCO ao promover a homenagem a este tubérculo milenar foi a de aumentar a consciência dos povos para a importância da batata, quer do ponto de vista agrícola, quer social quer, ainda, para o facto de o cultivo da batata poder ajudar a combater a fome no mundo.

Recorde-se que a batata é rica em hidratos de carbono e constitui uma boa fonte de energia. Para além do mais, contém também aminoácidos, vitamina C e potássio. Portanto, um bom alimento.

Apesar da sua importância e de ser o tubérculo mais consumido do mundo e apesar da facilidade com que certas cabecinhas conseguem fazer associações abstrusas de ideias, o Ano Internacional da Batata nada tem a ver, felizmente, com aquela infeliz e imbecil expressão - “Nicles, Batatoide” – que tanto se ouvia nos tempos idos da minha juventude. Expressão que passou à história sem deixar história. Apenas simples reminiscências.

quarta-feira, abril 16, 2008

Avaliação de professores


Antes que me torturem, devo confessar que surripiei este boneco (que já circula pela net) a um blogue de referência da nossa blogosfera. Embora não a conheça pessoalmente, tenho imensa admiração pelos textos escritos pela bloguista que publicou a caricatura – Margarida Corrêa de Aguiar - a quem presto as minhas homenagens.


Quanto ao desenho em si, penso que ele é suficientemente esclarecedor. Mais do que a graça que é patente, o que me preocupa é a possibilidade de que alguns senhores professores, nesta fase de arranque das avaliações a que não estavam habituados, pensem que a
subserviência será o melhor meio para se atingir o fim, ou seja, alcançar uma boa avaliação. Se assim for, a fila de “graxistas” poderá ser grande e correr-se-á o risco de que o sistema venha a ser subvertido.

Para esses, se os houver, gostaria de sugerir que reflectissem no seguinte:

“Só no dicionário, o sucesso vem antes de trabalho”

terça-feira, abril 15, 2008

O acordo ortográfico

Apesar do “Prós e Contras” da RTP acabar sempre a horas impróprias, há temas que, pelo seu interesse, me fazem perder umas horas de sono para poder assistir até final.

Foi o caso do programa de ontem em que se discutia o acordo ortográfico da língua portuguesa. E, estando atento aos argumentos dos que defendiam quer as posições dos “prós” quer as dos “contras”, em boa verdade, cheguei ao fim sem perceber qual a vantagem real de sermos obrigados a alterar a ortografia actualmente em vigor.

Em tempos, já aqui abordei esta questão e manifestei nessa altura o meu desinteresse pela uniformização da ortografia que Portugal e Brasil pretendiam celebrar. Não via então, como não vejo agora essa tão grande vantagem que alguns e, nomeadamente os governos, manifestam na realização do acordo.
E não estou entusiasmado porquê?

Primeiro, porque não vejo em que é que isso vai fortalecer a língua portuguesa. Podem, talvez, alguns editores incrementar maiores negócios vendendo mais uns livros no Brasil, mas quanto à língua ...

Depois porque até agora nunca ouve problemas em nos entendermos. Os portugueses percebem perfeitamente o português falado e escrito no Brasil e nos restantes países de expressão oficial portuguesa. Quanto aos brasileiros admito que uns quantos milhares possam ter dificuldade em nos entender mas duvido que com a alteração da grafia o resultado seja diferente. Quanto aos africanos e timorenses a taxa dos que não sabem ler é tão elevada que se hoje não falam nem escrevem o português, é bem provável que assim continuem por muitos e bons. Aliás, segundo julguei perceber no “Prós e Contras”, a preocupação maior desses países africanos é exactamente o analfabetismo e não propriamente as alterações propostas no novo acordo, que interessarão a uma percentagem reduzida das respectivas populações.

Por último, a uniformização da ortografia vai fortalecer a língua portuguesa, a nível internacional em que aspecto? Não se faziam já acordos comerciais? Não havia já uma diplomacia que escrevia numa língua comum, embora com pequenas diferenças resultantes das características de cada país? Não se ensinou sempre o português no exterior, independentemente dos professores serem portugueses, brasileiros ou dos demais países?

De facto, este novo acordo não me entusiasma. Mais me parece uma falácia “fabricada” por alguns interesses inconfessados. E, note-se, o arrebatamento nem sequer é geral. A começar nos linguistas, nos filólogos, nos docentes dos vários níveis, nos intelectuais e em grande parte da população anónima.

O sentimento é que, ao invés de trazer o tão propalado benefício, vai gerar uma tamanha confusão que irá aumentar o número de pessoas que já escrevem a nossa língua com erros de ortografia. E se já são tantos agora ...

segunda-feira, abril 14, 2008

Esse “bando de loucos”

Juro que não queria voltar a falar nele. Acreditem que essa era a minha intenção, de resto suficientemente reflectida e assumida mas, que querem, aquele homem tira-me do sério.

Ainda ontem quando ouvi Alberto João Jardim afirmar, naquele tom irritante, que concordava que não se realizasse qualquer sessão solene com os deputados na visita do Presidente da República, Cavaco Silva (a quem, em tempos chamou depreciativamente “o senhor Silva"), à região autónoma, porque daria “uma péssima imagem da Madeira mostrar o bando de loucos que está dentro da Assembleia Legislativa Regional”, deu-me uma fúria incontrolável e, como não posso bater-lhe, corri para o computador para desabafar com os meus amigos e dizer-lhes até que ponto chega a minha fúria.

É que, de declaração em declaração, o homem cada vez se excede mais e ninguém consegue (ou quer, ou pode) por cobro a tanto desmando.

Não contente em dizer que no Parlamento Regional se acoita um bando de loucos (os deputados que constituem a oposição, claro está), Alberto João considerou ainda que “o padre Egdar (do PCP) e aqueles tipos do PS iam dar uma imagem péssima da Madeira e ia ter repercussões negativas no Turismo e na própria qualidade do Ambiente”.

Loucura, má-educação e completa falta de respeito pelos deputados eleitos pelos madeirenses e pela instituição do Parlamento Regional, de onde Alberto João depende.
Sim, porque é bom recordar que é o Presidente do Governo Regional que depende do Parlamento Regional e não o contrário.

Porque sei que muitos comungam desta minha irritação, e, também, para os que não tiveram a possibilidade de ouvir o “Rei da Madeira”, convido-os (tenham paciência) a aceder a

Amigos dos CTT

O assunto foi sobejamente divulgado pela comunicação social. Se bem se lembram, em Março de 2003, um edifício de Coimbra que pertencia aos CTT, foi comprado de manhã por 14,8 milhões de euros e vendido na tarde desse mesmo dia por 20 milhões de euros.

A especulação com tanta mais-valia foi de tal modo escandalosa que deu origem a uma investigação, da qual foram, entretanto, constituídos arguídos dois dos administradores da empresa compradora e um vereador da Câmara de Coimbra. Mais tarde, foi instaurado um inquérito à Administração dos CTT de então.

Tudo isto é do conhecimento público há muito e o que se continua a esperar é que sejam apuradas as responsabilidades dos vários intervenientes e que sejam aplicadas as sanções respectivas, quer no que diz respeito à trafulhice com a transacção do prédio de Coimbra quer no que concerne à venda de um outro edifício dos Correios, localizado na avenida da República, em Lisboa.

A suspeita de fraude e de corrupção não é, portanto, novidade.

A novidade tem a ver com o facto de os investigores terem agora encontrado nas suas buscas nos escritórios da empresa que supostamente pagou as comissões, documentos com a referência “Amigos CTT – sem recibo – 1.000.000,00 Euros”.

Ora eu que até sou um confesso entusiasta dos amigos e da amizade, fiquei muito feliz por alguém se ter lembrado dos seus amigos – estes dos CTT – para lhes ofertar, desinteressadamente já se vê, a quantia, pequena mas importante no seu significado, de um milhão de euros.

E ainda há quem diga que já não existem amigos como antigamente!

quinta-feira, abril 10, 2008

Nunca é tarde demais


Estreou-se a semana passada o filme de Rob Reiner “Nunca é tarde demais”, protagonizado por dois dos actores que eu mais admiro – Jack Nicholson e Morgan Freeman.

A história é banal, um tanto ou quanto lamechas e gira à volta da forma como se deve aproveitar a vida ou, se preferirem, o modo como a não podemos desaproveitar.

O tema, admito, é recorrente e não será muito atractivo para os mais jovens, para quem a vida não tem ainda horizonte nem preocupação.

Para os mais velhos, porém, o assunto não é de todo despiciente. Costumo dizer que a vida é como a areia que se esvai pelos dedos (no filme Nicholson diz que a vida é como o fumo que sai pelos buracos das fechaduras). Na verdade, a vida é fugaz em demasia, não podemos dar-nos ao luxo de jogá-la fora.

Nunca é tarde para aproveitar a vida ao máximo.

Voltando ao filme – uma comédia dramática bem construída - ele vale sobretudo pelas excelentes interpretações de Nicholson e de Freeman. Dois magníficos actores no seu melhor.

Se mais razões não houvesse – e há - vale a pena ir ao cinema só para assistir a estas magníficas representações.




quarta-feira, abril 09, 2008

Os maus e os bons exemplos

Ainda não tive oportunidade de me referir aos três excelentes comentários que foram feitos ao texto que aqui publiquei na sexta-feira 28 de Março último, sob o título “Ao que nós chegámos”. Penso que todos eles constituem magníficas reflexões sobre a indisciplina que campeia nas escolas, pelo que agradeço a presença dos três comentadores e das suas clarividentes exposições.


Para aqueles que não leram aquele post, recordo que afirmei o seguinte

“a responsabilidade do que está a acontecer, se a quisermos apurar, pode ser imputada à escola, aos professores, ao Ministério da Educação e aos seus ministros, aos pais dos alunos e, naturalmente, aos próprios alunos”,

tendo acrescentado

“é tempo de deixar de ter medo de dizer que os alunos são tão culpados como quaisquer outros agentes e é absolutamente necessário responsabilizá-los e castigá-los quando eles são os causadores dos problemas”.


Como calculam, são muitas as pessoas que pensam da mesma forma, como é o caso de Miguel Sousa Tavares que, no Expresso do passado sábado, dizia:

“ ... são os pais que acham que não têm o dever de educar os filhos e que basta dar-lhes telemóveis e iPod’s para que eles não chateiem; são os filhos que acham que não têm o dever de obedecer e respeitar os professores na escola; os professores e os concelhos directivos que acham que não têm o dever de impor disciplina e respeito, custe o que custar; e os teóricos da educação que acham que não têm o dever de castigar a sério os alunos mal-educados, pondo-os a fazer trabalhos para a comunidade nos dias de folga, em lugar de os suspender ou trasferi-los de escola”.


Toda a gente reconhece que a questão é complexa. E, para resolvê-la, é necessário que haja muita coragem e determinação. O diagnóstico dos problemas está feito e existe um amplo consenso na sociedade quanto à necessidade de serem tomadas medidas concretas e urgentes para que possamos ter uma escola com disciplina, apelativa para os alunos e com a dignidade e a autoridade que os professores necessitam e merecem.


A terminar, e porque, apesar de tudo, devemos continuar a acreditar, sugiro que esqueçamos por momentos os “maus exemplos” – aqueles que têm servido de suporte para tantas conversas na última semana - para olhar para um “bom exemplo” que nos transmite uma grande esperança no futuro.

E essa esperança responde pelo nome de Eloísa Pires, é estudante em Leiria e em 2007 ganhou o Campeonato Nacional de Língua Portuguesa (para concorrentes entre os 15 e os 18 anos) e, há duas semanas, venceu as Olimpíadas Portuguesas de Matemática.

Um belíssimo exemplo que faz com que confiemos na inteligência e no bom-senso da maioria dos nossos jovens.


terça-feira, abril 08, 2008

Contra factos ...

Como que a corroborar a minha indignação sobre a desorganização dos serviços dos hospitais públicos, expressa no texto que aqui publiquei ontem, dei de caras com a notícia de um caso ocorrido no Hospital Nossa Senhora do Rosário, no Barreiro.

Segundo a imprensa, neste hospital público existia até há pouco uma longa lista de espera para cirurgias oftalmológicas, pelo que a Administração do Hospital decidiu contratar um cirurgião espanhol por tempo determinado. Até aqui ...

Só que este senhor doutor-médico-cirurgião, José Antonio Lillo Bravo, em seis dias realizou 234 cirurgias a doentes com cataratas, enquanto que os restantes especialistas do serviço fizeram apenas cerca de 50 intervenções cada um, no ano inteiro.

Eu repito, o médico espanhol fez 234 operações em seis dias e os colegas portugueses realizaram, cada um deles, 50 operações num ano.

Dir-se-á, não é possível! E se for, há aqui qualquer coisa que não bate certo. E, das duas, uma:

- ou o médico espanhol é um carniceiro que faz as operações de qualquer maneira e ao quilo e ... temos que correr com ele; ou

- os especialistas portugueses andam a fazer uma grande ronha e a gozar com o dinheiro dos contribuintes e ... temos que correr com eles.

Uma coisa é certa. A lista de espera de doentes desceu drasticamente e isso é muito bom para a população e demonstrou que a Administração do Hospital decidiu correctamente. Mas não deveria ficar por aqui. É que as suspeitas que tantas vezes se ouvem de que muitos médicos não fazem mais nos hospitais para pressionar os doentes a recorrer aos seus consultórios privados, acabam de ter a confirmação do próprio médico espanhol que já afirmou:

"Eu percebo a preocupação deles e sei porque há listas de espera tão grandes em Portugal. É que por cada operação no privado cobram cerca de dois mil euros".

Enquanto isso, o oftalmologista espanhol, inscrito na Ordem dos Médicos portuguesa, cobrou apenas 900 euros por cada operação realizada no Barreiro.

E a acreditar no velho aforismo “onde há fumo, há fogo”, será legítimo questionar sobre a possibilidade de haver uma relação efectiva entre a tão baixa produtividade dos médicos hospitalares públicos portugueses e os seus interesses privados.

Eu não acredito em bruxas, mas ...

segunda-feira, abril 07, 2008

Urgências Hospitalares Públicas

Para fugir ao tal vírus informático que teimou em me azucrinar durante mais de uma semana, achei por bem ter uns dias de férias para tentar restabelecer-me da contrariedade, de modo a poder regressar em força à minha actividade normal. Em vão, porém. O tal vírus transformou-se em bactéria e tomou conta deste humilde bloguista, a ponto de me deixar doente. E de tal forma doente que, estando na altura na cidade do Porto, tive que recorrer aos serviços da Urgência do Hospital de Santo António.

Para quem nunca teve a necessidade de utilizar as urgências dos hospitais públicos, não sabe a aventura que aquilo é. Trata-se de um mundo de gabinetes e corredores onde se amontoam doentes e mais doentes e onde se vão observando cenas que impressionam qualquer pessoa, sobretudo pela falta de acompanhamento do pessoal de serviço - médicos, enfermeiros e funcionários. Falta de acompanhamento que, em muitos casos, se arrasta por horas infindáveis e em que tudo se torna mais dramático ainda quando se trata de doentes em estado mais grave e, sobretudo, de doentes muito idosos a que a falta de uma palavra amiga, de um simples gesto de carinho ou de um chegar de um copo de água tornam esse desacompanhamento numa situação desumana.

Durante as quase onze horas que permaneci na urgência tive o tempo suficiente para observar como, em certas fases do processo, o tempo é completamente desperdiçado. Seguramente poder-se-ia fazer mais e melhor. Se compreendo que se tenha que esperar algumas horas pelos resultados de alguns exames, se admito que muitas das esperas sejam o resultado das “urgências” dentro da própria urgência, como por exemplo ter que ir ao bloco operatório fazer uma cirurgia a um doente que requer uma intervenção imediata, outras esperas há em que, por muita compreensão que exista, elas são completamente inaceitáveis.

Vi, por exemplo, pessoas – eram pessoas que estavam ali – em macas, completamente sós, a gritarem de dor, a necessitarem de um apoio para satisfazerem as suas necessidades fisiológicas, horas seguidas a gritar sem que qualquer profissional lhes prestasse a mínima atenção. E fazia doer o coração ver os tais profissionais passarem por esses doentes, completamente insensíveis ao sofrimento traduzido por aqueles gritos lancinantes. Creiam que não estou a exagerar, havia por ali doentes que já estavam à espera de serem atendidos quando eu cheguei e, quando saí, eles continuavam exactamente na mesma situação.

Vi, também, algumas voluntárias muito arranjadinhas que se passeavam aos pares por alguns corredores - não por aqueles onde estavam os doentes que eventualmente mais precisariam delas - em descontraída conversa, pondo os assuntos em dia, mas não acorrendo aos lugares onde, de facto, mais seriam necessárias e onde, certamente, poderiam prestar um serviço eficaz e solidário.

Em suma, vi ali no Hospital de Santo António, no Porto, a mesma desorganização e a mesma falta de atenção para com os doentes que já vi noutras alturas e noutras urgências de outros estabelecimentos hospitares deste país. Admito que temos muito bons médicos e enfermeiros mas a tal desorganização necessita de uma urgentíssima reorganização.

E quando oiço os responsáveis do governo exaltar as inúmeras vantagens e avanços do serviço de saúde público, não posso deixar de pensar em como seria bom que eles se disfarçassem de povo anónimo e se fossem misturar com os demais para verem, ao vivo e sem disfarces, como as coisas acontecem verdadeiramente.