terça-feira, setembro 30, 2008

Eu também quero … se ainda for a tempo

Lembro-me, era eu ainda um garboso moçoilo, de ouvir o meu pai dizer que tinha concorrido por diversas vezes a bairros da Câmara de Lisboa e que por uma razão ou por outra nunca tinha conseguido casa alguma. Umas vezes por que ganhava de menos, outras por que ganhava demais, outras ainda por que não tinha filhos, finalmente, por que já tinha muitos filhos. Segundo ele, as casas eram sempre atribuídas a amigos e conhecidos dos poderes de então e, nem ele nem nenhum dos seus conhecidos que tentava a sua sorte, sabia ao certo a razão de serem invariavelmente excluídos. Isto, na década de 50 ou 60 do século passado, quando “mandava quem podia e obedecia quem ... não era burro”, não fosse o diabo tecê-las.


Passados tantos anos, e já em pleno regime democrático há mais de 30, sabe-se agora que a atribuição de casas (não estou a referir-me às habitações destinadas à reinserção de pessoas despejadas das barracas) pela Câmara Municipal de Lisboa continua a fazer-se sem regras e sem critérios conhecidos. Prosseguem as irregularidades, ilegalidades, cunhas, favoritismo, falta de transparência e corrupção, de mãos dadas com o sentimento de total impunidade e onde a ética e a pouca vergonha campeiam.

Mais do que uma gestão incompetente existe uma clara falta de transparência na tomada de decisões, uma ausência de controlo por parte das estruturas adequadas e um assumido abuso de poder.

Aliás, como poderia haver um controlo adequado, e necessário, se o universo do chamado “Património Disperso da Câmara” nem sequer é do conhecimento da própria Câmara. Parece mentira mas o proprietário de milhares de casas espalhadas pela cidade (a CML) não faz ideia do seu património.

E os casos, os muitos que foram sucedendo durante décadas, estão a saltar agora para os jornais e para as televisões para espanto e indignação de muita gente.

O Expresso do passado sábado dava conta da entrega de casas camarárias a vários funcionários, jornalistas, artistas e autarcas.

Por exemplo, a um Director de Departamento do Município que tem um T1 em Telheiras desde 1989, onde o seu filho agora habita. Paga 95 euros de renda.

Por exemplo, a uma Chefe de Gabinete do actual Vice-Presidente, antiga administradora da Gebalis (uma empresa municipal) a quem foi atribuído um T1 em Telheiras. Agora mora lá o seu filho e há uns anos propôs a compra do apartamento por 10 mil euros, transacção que não se chegou a concretizar por um triz.

Por exemplo, a uma responsável da Segurança Social de Lisboa e Vale do Tejo que teve direito a uma casa na Quinta dos Barros e que paga uma “renda técnica”.

Por exemplo, a um jornalista muito conhecido que, por causa das “dificuldades” que estaria a passar, foi-lhe atribuído um andar na Estrada da Luz, em Benfica, mas que fazia do restaurante “Solar dos Presuntos” o seu local de almoço.

Por exemplo, a um funcionário da Câmara (hoje Director de Departamento da CML) que, por estar em processo de divórcio, foi-lhe concedido um apartamento em Telheiras. Dezoito anos depois, esse senhor voltou a casar, comprou outra casa e na de Telheiras mora o filho. Justificação: não tem dinheiro para comprar casa ao filho e além disso aquela é a casa de reserva. Nunca se sabe se voltará a divorciar-se.


Os exemplos não acabam e a “sem-vergonhisse” também não.

E chegam ao ponto de proclamar que “não há nada de extraordinário nisto ... é uma realidade histórica”, como afirmou o eterno vereador (que está na Câmara desde o 25 de Abril), Pedro Feist.

Realidade histórica? Devem estar a gozar com o pagode! Então não sabem quantas habitações lhes pertencem e onde estão situadas, não definem regras claras, transparentes e públicas para a atribuição das casas, fazem o que querem, não são controlados e ainda acham que não há nada para questionar?

É verdade que em Portugal, o “favorzinho” e o “jeitinho” nunca foram crime. E, por isso mesmo, estas pessoas dormem descansadas, de consciência tranquila, sem que sejam responsabilizadas por tais desmandos


E só agora, e em virtude das denúncias feitas e da exposição dos casos na comunicação social, o actual Presidente da Câmara de Lisboa sai a terreiro para dizer que a coisa vai mudar e que vão ser avaliadas todas as mercês dadas até agora.


Só espero ir, ainda, a tempo de pedir ao senhor Presidente uma casita para o meu filho. Pode ser também em Telheiras. É que não tenho dinheiro para lhe comprar uma e ele já está em idade de morar sozinho.


segunda-feira, setembro 29, 2008

Pulseiras

Finalmente foram criadas pulseiras electrónicas para recém-nascidos, que visam reduzir a possibilidade de se registarem raptos de bebés nas maternidades.


Quando, uns anos mais tarde, esses recém-nascidos forem já adolescentes e assistirem a um festival de rock da pesada, já não estranharão que lhes coloquem uma pulseira no braço para participarem nos vários concertos que ali se realizem.

Mais tarde ainda, quando forem adultos ou tiverem possibilidades económicas para passarem férias num magnífico e exótico “resort” das Caraíbas, também não se espantarão se lhes aplicarem uma outra pulseira, esta, sinal de regime de “tudo incluído”.

E se, por desgraça, um dia estiverem a contas com a justiça, voltarão a não estranhar que, caso o mereçam e os tribunais assim o determinem, que tenham que andar “agrilhoados” a pulseiras electrónicas de segurança para poderem andar em “liberdade”.


Pulseiras para a vida. Destino ou fatalidade?

domingo, setembro 28, 2008

Homenagem


Já se sabia que Paul Newman estava muito doente. A notícia da sua morte, porém, não deixou ninguém indiferente. O actor norte-americano faleceu aos 83 anos, depois de há poucas semanas ter decidido sair do hospital para, segundo afirmou, esperar pela morte em sua casa e junto dos seus.

Paul Newman, os olhos azuis mais famosos e sedutores do cinema, foi também director, argumentista e produtor. A sua obra foi transversal a várias gerações e marcou profundamente os espectadores de todo o mundo.
Como actor, as suas interpretações eram de tanta qualidade que foi nomeado dez vezes para os Óscares e conseguiu a desejada estatueta em 1986, pelo desempenho em "A Cor do Dinheiro".
Contudo, a nossa homenagem não é dirigida apenas ao actor. Recordamos também o Homem que durante décadas a fio quis ajudar a fazer do mundo um lugar melhor para todos.

Interveio na sociedade americana, ao lado dos Democratas, de forma firme e assertiva e, através da sua fundação - “Newman's Own Foundation” – contribuiu com milhões de dólares para causas a favor dos mais carenciados.

Apesar da sua enorme popularidade, nunca deixou de ser uma pessoa simples que gostava de coisas simples. Segundo um seu conterrâneo, dono de um restaurante, Newman, como qualquer vulgar cidadão americano, não dispensava um bom hamburgo com muita cebola e alho por cima, a que juntava ketchup.

Paul Newman. Um grande actor e um grande Homem que ficará na nossa memória.




sexta-feira, setembro 26, 2008

Fim

Mais um poema de Mário de Sá-Carneiro


FIM

Quando eu morrer
Batam em latas,
Rompam aos saltos e aos pinotes
Façam estalar no ar chicotes
Chamem palhaços e acrobatas.

Que o meu caixão vá sobre um burro
Ajaezado à andaluza
A um morto nada se recusa
E eu quero por força ir de burro...

quarta-feira, setembro 24, 2008

Não Percisa


Poderia ficar horas a fio a olhar para o cartaz abaixo, com deleite e estupefacção. Contudo, “perciso” dizer que acabo por não ter a certeza se tantos erros correspondem, efectivamente, a uma infinita ignorância, como parece à primeira vista.

É que publicitar que numa festa de “anivercario”, os “anevercariantes” não pagam e só os “combidados” é que têm que entrar com o pilim, pode muito bem tratar-se de uma acção de marketing bem imaginada.

E nisto das estratégias publicitárias, mesmo tratando-se da venda de “samdes” de “fianbre” não nos podemos fiar. Ainda que o anúncio seja verdadeiramente
expressivo.

E a desconfiança surge sempre que nos lembramos de um cartaz há anos exibido numa estrada a caminho da Ericeira:

“Vende-se pão com chouriço e sem”.

A frase mal construída acabou por ser, depois de detectado o erro, uma engraçada imagem de marca.




segunda-feira, setembro 22, 2008

Nobreza



A história conta-se em poucas palavras. Um homem, militar de carreira, chegou um dia a Presidente da República.
Ainda nestas funções viu ser aprovada uma lei que ele promulgou sem reservas (podendo não o ter feito) e que impedia que os PR’s pudessem acumular as reformas de Presidente com outras reformas do Estado. Na prática, ele assinou a sua própria sentença. Sabia que só poderia vir a ter a reforma de Presidente da República ou a de General do Exército.

Mais tarde, o general recorreu à justiça e, muitos anos depois, os tribunais decidiram que ele poderia ter as duas reformas. Em Julho último começou a receber a reforma de general (que lhe tinha sido negada pela lei anterior) a que junta a reforma de Presidente da República.

Só que os tribunais determinaram também que Eanes tinha ainda direito a receber 1 milhão e 300 mil euros de rectroactivos pela reforma de general não auferida. Era-lhe devido todo esse dinheiro – e é muito dinheiro - mas ele recusou receber esse montante.

Pura parvoíce, dirão alguns. Não acho. Para mim, com esta atitude, que a maioria das pessoas não assumiria, Ramalho Eanes demonstrou, de forma inequívoca, a sua integridade que preza acima de tudo, e mostrou que continua fiel aos princípios e aos valores que sempre lhe reconhecemos.


Mas para quem já não se recorda, lembremos ainda, que no ano 2000, foi oferecido a Eanes a promoção a marechal. A mesma distinção que ele, enquanto Presidente, propusera aos seus antecessores em Belém, António Spínola e Costa Gomes. Só passado um ano se soube que Ramalho Eanes recusou ser marechal por que “dessa promoção não resultaria qualquer mais-valia para o país ou para as Forças Armadas.


Enquanto que muitos, sem quaisquer escrúpulos, se desunham para obter títulos e notoriedade, Ramalho Eanes é a imagem da honradez e da nobreza.



domingo, setembro 21, 2008

Tesos mas ... de barriga cheia

Escreveu Daniel Amaral

“Se as famílias portuguesas fossem pessoas sensatas, teriam adaptado os seus gastos aos rendimentos de que dispunham e hoje enfrentariam os mesmíssimos problemas à excepção de um deles: o individamento. Mas não. Reza a história que sempre gastaram o que tinham e o que não tinham e hoje estão a pagar por isso...”


Então, e agora escrevo eu, se as famílias tivessem sido um bocadinho menos gastadoras e hoje estivessem a enfrentar exactamente os mesmos problemas, para quê, afinal, tanto esforço feito? Apenas para ficar menos individadas? E as viagens que fizeram, e o carro que trocaram, e as roupas que compraram e os belíssimos restaurantes onde jantaram, isso não conta?

Resumindo, teriam prescindido de todos esses prazeres mas ficariam com (quase) os mesmos problemas.

Assim, é verdade que estão individados mas ... “de barriga cheia”.


quinta-feira, setembro 18, 2008

A verdadeira igualdade de oportunidades

Muito se tem dito e redito sobre a imensa distância que vai das palavras dos que prometem, às acções que, de facto, são levadas à prática. E se todos os políticos prometem que a verdadeira igualdade de oportunidades é um direito de todos, a verdade é que, no dia-a-dia, isso não acontece e, muitas vezes, existem discriminações gritantes nada compreensíveis.

Por isso, achei interessante que o guia turístico lançado recentemente pela Câmara Municipal de Mangualde publicite, em pé de igualdade, os pontos de maior interesse turístico da região, dando destaque à sua gastronomia e indicando as unidades hoteleiras, os restaurantes e ... as três casas de alterne existentes no concelho, repectivamente em Fagilde, Mangualde e Oliveira de Frades.

Democracia é também o direito de oportunidades iguais para todos. Mesmo para as casas de alterne. Goste-se ou não, critique-se ou não.


quarta-feira, setembro 17, 2008

Disciplina precisa-se


Quem esteve na tropa antes do 25 de Abril sabe bem do terror que se entranhava na pele só de se ouvir falar em RDM – Regulamento de Disciplina Militar. Ele era (e não sei se ainda é) um regulamento tão rigoroso que, em nome da disciplina, tudo proibia desde que não autorizado pelas respectivas hierarquias. Os que viveram esse tempo “sabem bem do que é que eu estou a falar”, como diria o Octávio Machado.

Para os mais novos e também para aqueles que já tem razões de queixa da sua memória, conto uma situação (a mais simples que me lembro) que dá uma ideia de como era viver sob a espada de um regulamento feroz que podia, a qualquer momento, cair em cima das nossas cabeças:

Uma noite jantava com outros camaradas num restaurante completamente cheio. Chegou um grupo de oficiais superiores e como não havia mesa e nós éramos os únicos militares fardados, fomos obrigados a ceder os nossos lugares para que eles se sentassem e pudessem jantar. Não tivemos outra alternativa que não fosse pagar e sair. O RDM era bem claro quanto aos direitos de quem tinha maior patente e aos deveres de quem estava abaixo deles.

Mas isso passou-se em 1971, no século passado e em plena ditadura. Numa época em que se confundia autoridade com autoritarismo e disciplina com
despotismo.


Pois 37 anos passados, os jornais dos últimos dias noticiaram que o Director Nacional da Polícia de Segurança Pública, o superintendente-chefe Oliveira Pereira, vai apresentar um projecto de um novo regulamento de continências e honras na PSP, ao estilo do mal-amado RDM.

Por exemplo, prevê o tal projecto que
“os polícias não possam fumar, mascar pastilhas elásticas, nem falar ao telemóvel diante de superiores, sem deles obterem prévia autorização”.

Ingénuo como sou, pensava eu que, perante a vaga de criminalidade que nos tem afligido, os dirigentes da PSP estariam muito mais preocupados em conseguir melhores níveis de desempenho. Dizendo de outra forma, que deveriam querer mais polícias e polícias melhor armados e preparados para enfrentar os bandidos.

Mas não. Pelo menos o senhor Director Nacional parece estar muito mais atento aos aspectos comportamentais dos seus subordinados. Por isso entende que a melhor maneira de ter uma polícia competente passa por exigir o cumprimento de umas continências feitas a preceito e a proibição de mastigar umas pastilhas elásticas em frente dos seus superiores sem a necessária autorização.

Com tanta disciplina desta o povo sentir-se-á, sem dúvida, muito mais protegido.

O mundo está a desabar

Os piores receios confirmam-se e o mundo parece mesmo estar a desabar.

Depois de todas as crises que se abateram sobre nós, só faltava a notícia que faliu o quarto maior banco de investimentos dos Estados Unidos, o Lehman Brothers, e que a maior seguradora mundial (para alguns a maior dos Estados Unidos e a terceira mundial), a American International Group (AIG) irá, provavelmente, anunciar a falência nos próximos dias.

Os mais distraídos destas coisas da economia poderão pensar que as falências destas empresas apenas devem preocupar os americanos em geral e os seus investidores em particular.

Nada de mais errado. O descalabro a que chegaram estes dois potentados da finança vai provocar, inevitavelmente, graves consequências na economia mundial e, em Portugal, a falência da AIG deverá originar um impacto ainda maior do que o colapso do Banco, uma vez que, para além de diversos investidores institucionais portugueses, a seguradora emprega no nosso país 90 pessoas e tem mais de 40 mil apólices em vigor.

Apesar da queda do preço do petróleo nos mercados internacionais e do Banco Central Europeu ter já anunciado que vai injectar 70 mil milhões de euros no mercado monetário da Zona Euro para aliviar as tensões provocadas pela crise financeira nos Estados Unidos, o futuro próximo parece não ser brilhante. Tanto mais que se adivinha que, por efeito dominó (ou talvez não), venham a caminho as falências dos Bancos (também americanos) Bear Stearns, Northern Rock e Indymac. Para já.

Nunca como agora me pareceu tanto que o badalado estilo americano de vida, o conhecido “American way of life, mais não é do que uma expressão que significa “o mundo vai desabar”.



segunda-feira, setembro 15, 2008

Ainda à volta da Volta a Portugal em bicicleta

Ao reler o texto que aqui foi publicado às primeiras horas de hoje, não pude deixar de pensar na forma entusiástica como "vivia" o ciclismo na minha juventude, enquanto que agora vejo apenas uma modalidade que me deixa um tanto ou quanto indiferente. Mas a verdade é que as minhas preferências foram-se alterando significativamente ao longo dos anos.

No entanto, e apesar de os meus gostos actuais não estarem em verdadeira sintonia com as provas velocipédicas, não gostaria de terminar esta matéria, sem vos contar quatro pequenas curiosidades acontecidas noutras “Voltas”

- A primeira Volta a Portugal realizou-se em 1927 e tinha duas categorias: a dos “Fortes” e a dos ... “Fracos”;

- Entre 1928 e 1935, João Gomes correu pelo Benfica, sempre sem qualquer remuneração. Um notável espírito de “Fair-Play” e amor à camisola. Venceu várias etapas nas Voltas;

- Segundo consta, na Volta de 1951, um dos maiores ciclistas de sempre, Ribeiro da Silva, devido ao calor, parou numa venda para beber uma cerveja fresca. Como não tinha dinheiro, teve que esperar por um carro de apoio para pagar a dívida;

- Em 1984, Venceslau Fernandes – o pai de Vanessa Fernandes – ganhou a Volta com 39 anos de idade.



Enfim, outros tempos e outras Voltas!



A Volta a Portugal em bicicleta

Desde os meus tempos de menino que não via, ao vivo, uma etapa da Volta a Portugal em bicicleta. Este ano, tive a oportunidade de assistir ao prólogo da 70º. Volta, um contra-relógio individual de sete quilómetros.

O espectáculo em si, quero dizer, o estar a olhar para uns mancebos que sentados em cima das bicicletas se esfalfam que nem uns danados para obter um melhor tempo que os demais, não é particularmente excitante mas, tenho que admitir, que o colorido dos equipamentos, das bandeiras e dos carros de apoio acabam por transmitir uma certa alegria a quem, mesmo debaixo de um sol quentíssimo, assiste ao esforço tremendo daqueles herois do asfalto.

Mas, para além das cores, há todo aquele movimento e barulho que incomoda toda a gente e que, presumo, deixará à beira de um ataque de nervos quem tanto se esforça para manter e aumentar o ritmo da pedalada.

Primeiro vem o motociclista da brigada de trânsito a abrir caminho, com luzes e sirenes que não páram de tocar. Depois vem o pobre do ciclista e, logo colado a ele, segue um carro de apoio que entre buzinadelas constantes, debita através da instalação sonora do próprio carro, gritos de incitamento ao corredor

“venga, venga, venga, venga, António ... “, no caso das equipas espanholas ou

“bora, bora, bora, bora, campeão, mexe essas pernas, bora, bora, bora ...”, na versão portuguesa,

ou outras frases de pretenso estímulo, tudo muito gritado, chegando alguns, para além de todo este ruído, a “socar” furiosamente as portas dos carros, na tentativa de empolgar os pobres moços, muitos deles demasiado enfezados para tamanho esforço.

Um verdadeiro inferno para quem assiste mas, sobretudo, para os corajosos corredores que se vêm totalmente esmagados entre o batedor e o carro de apoio, ambos apostados a furar os tímpanos dos coitados com tantos gritos e barulhos de sirenes e de buzinas.

Paralelamente existe um outro espectáculo a que poucos conseguem resistir. O de enormes autocarros das empresas patrocinadoras da Volta que distribuem a multidões sôfregas, enlouquecidas e desesperadas, todo o seu “merchandisind” de camisetas, bonés e abanicos para o calor, tudo com o logótipo e o nome da empresa, para que o pobre “portuga”, que tanto aprecia o que é de borla, ande feliz da vida a fazer publicidade a troco de coisa nenhuma. Ainda por cima satisfeitos, não por se tornarem verdadeiros veículos publicitários, mas por que conseguiram obter – depois de inúmeros encontrões e pisadelas – uma ou duas T-Shirts e bonés.

Ainda existe um outro espectáculo que, a mim em particular, me dá um gozo dos diabos, e que é o de ouvir uma série de peritos destas coisas das bicicletas, que tudo conhecem sobre a modalidade e sobre os corredores. Não resistem mesmo a opinar sobre se eles estão, ou não, a dosear convenientemente o esforço ou sobre se deviam, ou não, já ter metido uma nova mudança que desse mais força ao andamento.

Verdadeiros “experts”, digo-vos eu, que não se cansam de comentar todos os aspectos relativos à Volta, o traçado do circuito, as potencialidades dos corredores, a actuação dos batedores das polícias e mais umas dúzias de considerações pitorescas e sem interesse, tudo proferido com o ar mais sério de profundos conhecedores da matéria. Onde nem sequer faltam aqueles “tugas”, normalmente emigrantes em “vacances” que, quando os corredores passam junto a eles, batucam loucamente nas vedações de segurança ao mesmo tempo que gritam “Vite, vite, vite, allez, allez ...” e se viram imediatamente para trás para concluir “A ver se os gajos mexem aquele cu!”

Espectáculos únicos a não perder.

quinta-feira, setembro 11, 2008

Empenho

Quando escrevi há umas semanas que a diplomacia económica levada a cabo pelo primeiro-ministro José Sócrates na Venezuela, Angola e Síria constituíam esforços notáveis de criação de novos espaços que pudessem vir a substituir os nossos mercados tradicionais de exportação, ainda não se conheciam as mais recentes iniciativas do governo.

E elas vieram a público logo no início de Agosto quando foi anunciado o lançamento oficial do “nosso” computador portátil para crianças do primeiro ciclo que dá pelo nome de “Magalhães” e que se destina, igualmente, à exportação. Ontem, foi a vez do anúncio de 120 novos projectos para a região do Oeste, no montante de dois mil milhões de euros e, hoje, foi aprovado em Conselho de Ministros o protocolo com a brasileira Embraer para a instalação de duas unidades industriais em Évora para a produção de peças para aviões, um contrato de 170 milhões de euros que vai criar uma pipa de postos de trabalho na região.


Pode-se discordar das políticas de Sócrates em várias matérias mas, caramba, temos que reconhecer que o homem se tem empenhado!

quarta-feira, setembro 10, 2008

Sagacidade

Mais de um milhão e meio de alunos regressaram hoje à escola. E, como é hábito nestas alturas, os miúdos foram bombardeados com as perguntas do costume, nomeadamente:

“Então e o que é que queres ser quando fores grande?”

Pois um deles, fugindo aos sonhos rotineiros de quererem ser médicos, jogadores de futebol ou bombeiros, disse com o ar mais cândido do mundo:

“Quero aprender”

“Sim, mas o que gostavas de ser um dia? Queres aprender para quê?”, insistiu o jornalista.

Ao que o garoto respondeu com toda a simplicidade:

“p’ra ser esperto”.

Espanha, um problema

O economista Daniel Bessa publicou no Expresso do dia 2 de Agosto, uma crónica com o título acima indicado que dizia o seguinte:

“... engana-se quem pensar que a recessão da economia espanhola é uma recessão como as outras: resultado do subprime, da situação de dificuldade em que se encontra o sistema financeiro à escala global, do aumento das taxas de juro, da recessão das economias americana e europeia no seu conjunto. Sofrendo os efeitos de tudo isto, a recessão da economia espanhola é muito mais.
É o resultado de uma orientação errada de toda a política económica ao longo da última década. Salários, custos e preços demasiado elevados ...
... Quando as economias americana e europeia começarem a recuperar, a Espanha manter-se-á em recessão”.


Para quem, e são muitos, andam há anos a louvar as magníficas políticas macro-económicas de “nuestros hermanos”, não podemos de deixar ficar boquiabertos perante uma situação que parece configurar aquela máxima “a montanha pariu um rato”. Mesmo que o nível de vida dos nossos vizinhos continue a ser muito superior ao nosso.


segunda-feira, setembro 08, 2008

Cavalheirismo



Depois de dois “posts” seguidos sobre violência é tempo de falarmos de assuntos mais agradáveis.

E a crónica de hoje tem a ver com pessoas que - num tempo em que os verdadeiros valores andam um tanto esquecidos - ainda são capazes de saber assumir as suas responsabilidades e de mostrar atitudes nobres e dignas.

Claro que a história que agora vos conto não é nada comum. Até por que, por maior que seja a consciência das pessoas, só a existência de um "milagre" podia permitir um desfecho tão feliz como o que se veio a verificar.
Mesmo considerando que o protagonista é uma pessoa especial, o final, ainda assim, poderia ter sido bem diferente.


Pois o que aconteceu foi que o famosíssimo actor George Clooney esteve envolvido num acidente rodoviário numa pequena cidade de Itália. E, por que foi ele o causador do sinistro, decidiu não se esconder atrás da sua celebridade e reconheceu imediatamente que era o culpado.

Só isso? Não! No dia seguinte quando a proprietária do veículo acidentado chegou à garagem, encontrou um carro novinho em folha, no valor de 17 640 euros, e um bilhete que dizia:

“Sinto muito. Espero que algum dia me perdoe. George Clooney”


Tanto cavalheirismo parece saído de um filme, não acham?



domingo, setembro 07, 2008

Violência doméstica

O assunto é recorrente e, periodicamente, a imprensa e as instituições não-governamentais dão conta de novas estatísticas actualizadas e, infelizmente, com números superiores às anteriores.

Em 2007, 23 mulheres foram assassinadas em Portugal e, destas, vinte morreram às mãos dos maridos, namorados e ex-companheiros. Mas outras 57 mulheres foram alvo de tentativa de homicídio, 54 por parte dos companheiros.

Desde Janeiro deste ano até 9 de Agosto último já morreram 31 mulheres de forma violenta.

De notar que vão crescendo as agressões entre os mais jovens, sobretudo na faixa etária dos 18 aos 23 anos, o que, atendendo às sucessivas campanhas de sensibilização efectuadas, é, de facto, muito preocupante.


Mas atenção, quando falamos de violência doméstica não devemos apenas contabilizar as mortes, nem pensar que as vítimas são apenas mulheres, embora elas sejam de facto, e em percentagem esmagadora, as mais agredidas. Temos igualmente que considerar os múltiplos casos de maus-tratos psíquicos, de ameaças, de coacção, de difamação e de injúrias a mulheres mas, também, a homens e, cada vez mais, a idosos.

E os números são tão significativos e preocupantes que as estatísticas mostram que, em 2007, quatro em cada dez portugueses foram vítimas de violência física, psicológica ou sexual. Isto só em casos que chegaram ao conhecimento das entidades policiais ou das instituições não-governamentais de apoio às vítimas, pelo que, decerto, muitas outras situações se deram mas que ficaram guardadas dentro de paredes.


Por isso é necessário continuar a lutar por todos os meios. Há que intensificar a informação e denunciar os agressores. Temos que erradicar da sociedade este problema grave que é universal, que “ataca” ambos os sexos, que acontece em todos os níveis sociais e que dá pelo nome de violência doméstica.

sexta-feira, setembro 05, 2008

Violência

Aceito como bom o princípio que numa sociedade aberta e democrática, deveria ser obrigatório a abertura de um inquérito sempre que as forças policiais e de segurança matem. Isto por que não posso sequer imaginar que as corporações que têm por missão proteger o cidadão, se disfarcem de cowboys da pradaria e comecem a disparar ao mais leve agitar de vento ou, pior ainda, possam utilizar indiscriminadamente as suas armas a coberto da autoridade que a lei lhes confere.

Mas convenhamos, o Estado não pode deixar de actuar de forma enérgica para garantir a segurança dos cidadãos.

Portugal está a braços com uma onda de criminalidade e violência que varre todo o território. Para além dos “carjacking”, são trocas de tiros entre bandos rivais, são assaltos a ourivesarias, a caixas multibanco, a farmácias, a pastelarias, a postos de gasolina, a bancos e chegou-se já ao ponto de assaltar uma carrinha de transporte de valores em plena auto-estrada e com métodos inovadores entre nós.

Os bandos criminosos estão a mostrar audácia, eficiência, profissionalização e, na maioria dos casos, um alto grau de violência.

E a questão é esta, perante este novo quadro, como devem agir as forças de segurança? Com luvas de pelica na esperança de conseguir a detenção dos malfeitores por métodos pacíficos? Seria óptimo que isso acontecesse mas, infelizmente, as coisas não funcionam desse modo.

Para suster toda esta vaga de crimes é necessário que haja acções diversificadas de prevenção e que as nossas forças policiais e de segurança efectuem no terreno intervenções intimidatórias e musculadas.

Deixemo-nos de hipocrisias. Se é verdade que a população não se sente mais segura só porque uns atiradores especiais conseguiram abater um assaltante de um banco, se é verdade, também, que o país não se sentiria mais tranquilo se a pena de morte voltasse a ser introduzida em Portugal, resta-me pelo menos a convicção de que se as polícias agissem com determinação e com responsabilidade, os portugueses dormiriam muito mais descansados.

quarta-feira, setembro 03, 2008

Ainda o discurso do Presidente Cavaco

Já passou um mês após o discurso à Nação do Presidente da República, cujo o anúncio, se bem se lembram, alimentou um dia inteiro de especulação e criou enormes expectativas nos portugueses. Esperava-se que ele falasse em cenários horríveis que estariam em risco de acontecer ou, no mínino, que viesse dizer aos seus humildes súbditos coisas que eles estivessem realmente interessados em ouvir, por serem, afinal, assuntos que mexem no dia-a-dia das pessoas.

Mas o Presidente interrompeu as suas merecidas férias para, à hora de abertura dos telejornais, enviar recados ao país, melhor dizendo, à classe política, sobre o estatuto político-administrativo dos Açores, assunto muito importante sem dúvida mas que, para a maioria dos portugueses, não significa rigorosamente nada.

Num magistral artigo de opinião de Clara Ferreira Alves, num Expresso do princípio do mês, lia-se:

“Desde que o Presidente Cavaco foi eleito ainda não lhe ouvi uma palavra de jeito. O Presidente alinhava umas palavras em forma de discurso, soletra umas solenidades de circunstância, meia dúzia de lugares-comuns de sensatez e outras tantas banalidades, junta uma pitada de preocupação e vago fervor patriótico, acrescenta umas generalidades institucionais e já está.”

E, mais à frente:

“... é mais uma cena paroquial e uma anedota de Verão. Não estava à espera que ele fosse falar sobre o mundo complexo em que vivemos e vamos viver, com a perspicácia e a inteligência de um homem de Estado. Podemos tirar o rapaz de Boliqueime mas não podemos tirar Boliqueime do rapaz, dir-se-ia com crueldade. O Presidente Cavaco é um rapaz de Boliqueime e isso não é uma coisa boa. Nem má. É o que é. Num grande país europeu como a França, a Alemanha ou a Grã-Bretanha, Cavaco seria um apêndice, nunca um órgão político.”


A verdade é que a inquietação que o anúncio do discurso que o Presidente acabou por fazer à noitinha, provocou-me durante todo o santo dia uma enorme ansiedade e desorientação. A tal ponto que conseguiu baralhar o arrumo das malas que estavam a ser preparadas para viajar no dia seguinte. E, mais do que o desinteresse que teve o tal discurso, esse tempo que me fez perder, isso eu não lhe perdoo.

terça-feira, setembro 02, 2008

Uma nova geração?

Fartos já da jactância insuportável dos Beckham e dos Cristianos Ronaldos desta vida, olhamos agora com esperança para uma nova geração de atletas que mostram uma forma de estar, no desporto e na vida, que temos visto pouco nestes últimos tempos. Apesar de serem já umas super-estrelas, são pessoas “vulgares” e humildes como a maioria das criaturas comuns.

Nelson Évora é um bom exemplo desta nova linhagem de campeões em que depositamos tanta esperança. Vanessa Fernandes é outro bom exemplo que, para além da categoria que tem evidenciado por todo o mundo, mostra uma personalidade simples que é bem expressa na frase que correu célere, logo após ter terminado o triatlo olímpico:

“Ai carago, fogo, o raio da prova já acabou”.

Mas a simplicidade, a generosidade e a solidariedade de Vanessa traduziu-se de forma bem significativa numa outra atitude que demonstra a sua sensibilidade genuína. Os 22 500 euros que lhe renderam a medalha de prata de vice-campeã olímpica do triatlo irão direitinhos, por sua vontade agora revelada, para instituições de apoio a crianças.

É ou não é legítimo confiar nesta nova geração?

segunda-feira, setembro 01, 2008

Promessas – 8 Medalhas – 2

Mais uma vez, desta nos Jogos Olímpicos, mas que acontece, igualmente, nos Campeonatos Europeus e Mundiais de qualquer modalidade em que participemos, muitas das esperanças ficaram-se apenas por isso mesmo. “Muita parra e pouca uva”, como dizem no Algarve.

Recordo para quem já esqueceu, ou prefere não se lembrar, que nas semanas que antecederam o início dos Jogos de Pequim, os jornalistas, os comentadores encartados e os coitados dos próprios atletas, juraram a pés juntos que desta vez é que era, que choveriam medalhas até fartar, que nunca o Estado tinha dado tantas condições como agora, que a forma de cada um nunca tinha sido tão boa e que, finalmente, tínhamos todas as condições para ganhar mais medalhas que os nossos vizinhos espanhois e, quem sabe, que os próprios chineses.

Parole, parole, parole ...

Só que as provas foram-se sucedendo e acabámos por ver cair uns quantos (poucos) recordes nacionais e, quanto a medalhas, apenas duas. Perante a desilusão provocada por resultados mais modestos do que os esperados – embora agora digam que esta foi a nossa melhor participação de sempre - a “chama olímpica do sonho” feneceu e ficámos a pensar no nosso triste fado e na má sorte que sempre nos acompanha nestas andanças.

Mas o que mais me incomoda no meio de tudo isto, e acreditem que é a pura verdade, é a sempre presente necessidade que sobressai em muitos, principalmente nos jornalistas, de criar à força as maiores expectativas quanto a possíveis vitórias, antes mesmo das provas começarem. Aliás, foi frequente ouvirem-se entrevistas a “olímpicos” que, depois da segunda ou terceira questão, lá tinham que responder à pergunta sacramental “e, quanto a medalhas?”. Seria muito mais fácil, e honesto, darem-nos conta tão-somente da evolução dos desportistas e dos seus sucessos e insucessos. Sem pressões excessivas nem falsas fantasias que, por norma, se têm mostrado completamente desajustados. Acredito que seria muito melhor para os próprios atletas e para os portugueses em geral.

E, se bem me lembro, foi assim que aconteceu quando Carlos Lopes e Rosa Mota foram campeões olímpicos.

Porém, o que mais me revolta é que, agora que se encerraram os Jogos de Pequim, aqueles mesmos que nos prometeram que viríamos da China a abarrotar de medalhas, virem apontar o dedo ao Estado por ter gasto 15 milhões de euros dos contribuintes na preparação de toda a nossa campanha.

Que grande hipocrisia! Como se um país, pequeno como o nosso e com todas as dificuldades que conhecemos, não tivesse, ainda assim, a obrigação de manter uma elite de atletas de alta competição. É que o tempo do “orgulhosamente sós” já lá vai.

Por isso, seria bom lembrarmo-nos que neste tipo de competições internacionais, os nossos atletas estão presentes por mérito próprio, isto é, atingiram os mínimos exigiveis para estarem lá (já são campeões só por esse facto) e estão a concorrer com a nata dos atletas mundiais. E, já agora, lembrar que muitos desses atletas estrangeiros são efectivamente melhores do que os nossos, o que não quer dizer que não possamos ser-lhes superiores em determinados momentos. Temos bastos exemplos disso.

Seria prudente, portanto, que a humildade e a seriedade norteassem as nossas ambições e que tivessemos consciência que os prémios acabarão por aparecer se, e quando, formos melhores que os outros e não antes.