quarta-feira, fevereiro 29, 2012

O Panturras

Num destes dias “embarquei” numa aventura para a qual há muito me andavam a desafiar. Tinham-me falado de um restaurante, um tal “Panturras” que ficava algures ali para os lados de Santarém. Um sítio, no meio do nada, numa aldeia com um nome castiço – Advagar - um local onde se comia bem, o chamado tudo incluído, tipo farta-brutos. Lá fui, então, num dia de um radioso céu azul e com múltiplos tapetes de florinhas amarelas e brancas a salpicarem os campos.

Apesar de termos a morada e de o Google constituir uma preciosa ajuda, o certo é que nos enredados por caminhos que não conhecíamos e andámos às voltas vezes sem conta. Foram horas a mais para um trajecto que, se calhar, nem era de todo demorado. Chegámos tarde para o almoço mas ainda a tempo de disfrutar em pleno o que nos levara até ali.

Entrámos no Restaurante Panturras” pelo café (!?) e demos com uma sala ampla, com mesas corridas a lembrar as velhas tascas e várias dezenas de comensais a justificar a qualidade dos petiscos. Como a hora de almoço já ia adiantada, dos pratos principais só havia cozido à portuguesa e cabrito assado no forno. Éramos cinco mas as travessas abundantemente servidas dariam para mais alguns. Mesmo assim, disseram-nos que sempre que os chamássemos trariam mais comida. E chamámos para mais uma dose de batatas fritas que estavam de se lhe tirar o chapéu. O vinho era o da casa, servido em jarro, e bebia-se bem. As sobremesas nem as escolhemos, puseram-nos em cima da mesa duas bandejas redondas com todos os doces que ainda havia. Mousse de chocolate, arroz doce, pudim flã e doce da casa, várias unidades de cada, para tirar a gulodice de misérias. A rematar, cafés para todos e todos repetimos a dose. Toda esta comezaina por 9 euros por pessoa. Os requintes deixámo-los para outras ocasiões. Porém, encontrámos ali um atendimento simpático e eficiente e uma amabilidade genuína que noutros locais mais renomados nem sempre encontramos.

E valeu a pena ir tão longe para aquela refeição? Valeu! Estivemos descontraídos num ambiente despretensioso e não fora aquele “rally paper” inicial que nos fez parecer que estávamos do outro lado do mundo, ainda teria sido melhor. Mesmo assim, um dos elementos do grupo deixou escapar “Há coisas que só se fazem uma vez na vida: vir ao Panturras e ir ao Taj Mahal”, embora, a este último, se chegue mais depressa.

terça-feira, fevereiro 28, 2012

Mais mulheres na gestão das empresas

No último Conselho de Ministros foi aprovada uma resolução que obriga as Empresas do Sector Empresarial do Estado a terem mulheres nos Conselhos de Administração e Fiscalização. É certo que não fixaram a percentagem entre homens e mulheres (o Primeiro-Ministro parece que é contra as quotas) mas a vontade do Executivo é clara: tem que haver igualdade de sexos nos órgãos dirigentes.
Mas o Governo vai mais longe, quer que as empresas privadas onde o Estado é acionista e, também, as empresas do sector privado adoptem medidas similares.

Desculpem-me a franqueza mas parece-me um perfeito disparate colocar a questão deste modo. Relativamente ao Estado e ao seu sector empresarial, tudo bem (embora muito discutível). É uma decisão política mas é o Estado (através do Governo) a mandar no próprio Estado.
Agora nas outras empresas, quer onde o Estado tem acções mas não é maioritário, quer nas privadas, o Governo esquece que existem patrões e accionistas? É que quem manda nessas empresas, quem determina as suas linhas estratégicas e quem escolhe as suas equipas dirigentes são justamente os patrões ou os accionistas. E a intromissão do Estado não faz qualquer sentido.

E depois há a velha questão. Porquê mais mulheres nas Administrações? Só por razões de igualdade? A escolha dos respectivos elementos não deveria ter em conta apenas a competência, independentemente do sexo dos Administradores? No limite, a Administração poderia ser constituída só por mulheres ou só por homens, desde que o critério fosse justamente o da competência.

Os iluminados governantes deveriam saber que, por enquanto, a competência não se determina pelo sexo nem por decreto.

segunda-feira, fevereiro 27, 2012

Gestores de carreira para desempregados


Nestes tempos esquisitos que vivemos, em que se tropeça a cada esquina com ditos infelizes e irreflectidos, proferidos por quem tem a obrigação de medir as palavras antes de as dizer, verifica-se que muitos (cansados e desiludidos) já interiorizaram que é melhor desculpar esses deslizes. E, pior ainda, constata-se que existe um certo acomodamento em relação às medidas tomadas por órgãos responsáveis pelo poder político e legislativo, mesmo as mais impensadas.

Daí que não tenha ficado muito surpreendido quando soube que o Governo ia criar gestores de carreira para desempregados. Ainda assim, achei a ideia uma enormidade. Gestores de carreira para … desempregados? O que é que eles queriam dizer com aquilo? Que raio de carreiras seriam essas destinadas a quem já não tem emprego?

Verifiquei depois que, afinal, o que se pretende é que sejam sempre os mesmos técnicos do IEFP a acompanhar (e orientar, presumo) as mesmas pessoas em situação de desemprego, para que estes não andem de departamento em departamento, de funcionário em funcionário, repetindo vezes sem conta a sua história. Assim sendo, a criação desta nova figura justifica-se. Faz até algum sentido, embora não resolva a situação de fundo, que é, não cria qualquer emprego.

O que parece completamente despropositado é o nome que arranjaram para a função. É que dizer a um desempregado, se calhar já há muito nessa situação, que o seu gestor de carreira o vai atender em seguida, é capaz de não cair lá muito bem …

sexta-feira, fevereiro 24, 2012

A função essencial das mulheres?

Foi nomeado no último fim-de-semana o 3º. Cardeal português, D. Manuel Monteiro de Castro. É a primeira vez que Portugal tem 3 Cardeais e isso encheu de orgulho a comunidade católica portuguesa. O que não “caíram” tão bem foram as palavras do seu primeiro discurso público, nomeadamente quando afirmou: “a mulher deve poder ficar em casa, ou, se trabalhar fora, num horário reduzido, de maneira que possa aplicar-se naquilo em que a sua função é essencial, que é a educação dos filhos”.

Eu sei que o novo Cardeal tem 73 anos e é de uma geração em que o papel das mulheres era outro bem diferente do que têm hoje na sociedade. Mas isso não desculpa, de forma alguma, essa aberrante visão funcional das mulheres que, ao que li, nem corresponde, à posição oficial da Igreja Católica.

É inadmissível que, no século XXI, ainda se apele às mulheres para que abdiquem do seu direito legítimo de optar sobre o que querem fazer da sua vida. Poder escolher, em igualdade com os homens, se querem, ou não, ter uma profissão, uma carreira, uma vida paralela à sua função de mãe. É que educar é uma tarefa da mãe e também do pai e não apenas de um só.

Quero acreditar que D. Manuel não mediu bem as suas palavras, ou que, porventura, as suas palavras não traduziram adequadamente o seu pensamento.

quinta-feira, fevereiro 23, 2012

Em que ficamos?

A notícia foi publicada num jornal da nossa praça. Miguel Relvas revelou que “os ministros vão deixar de ter direito a cartão de crédito para despesas de representação e a impossibilidade de andarem com o carro do Estado aos fins-de-semana e em deslocações que não sejam oficiais”. Medidas essas que o Governo pretende que constituam um exemplo. Porém, quanto às despesas, é melhor explicar que o facto dos senhores Ministros (e Secretários de Estado) não terem direito a cartão de crédito não significa que suportem do seu bolso as despesas que fazem em nome do Ministério. Não, claro que não, eles fazem as despesas na mesma e, mais tarde, serão naturalmente ressarcidos. Para além do “valor simbólico”, a medida pouco acrescentará. Com ou sem cartões de crédito o que é necessário é que haja um rigoroso controlo das despesas efectuadas. Mais nada.

Mas, se por um lado, o Governo se mostrou tão preocupado em anunciar esta medida de transparência destinada a dizer aos contribuintes “olhem para nós e vejam que também sofremos com os cortes”, por outro, como entender que o Gabinete do mesmo Ministro Miguel Relvas tenha gasto 12 mil euros na edição de um livro – Compromisso para uma Nação Forte – com uma tiragem de 100 exemplares e no qual está incluído o programa de governo (que nós poderíamos ir consultar a outras fontes) e um balanço dos primeiros 100 dias do executivo? Tal como fizeram todos os outros governos anteriores quando havia dinheiro a rodos.

Afinal, em que ficamos? “Poupa-se” de um lado e gasta-se estupidamente do outro? Onde é que está a tal poupança, o tal corte das gorduras do Estado que tanto se apregoa?

quarta-feira, fevereiro 22, 2012

O pesadelo das palavras escritas



Fez precisamente um ano na última segunda-feira, dia 20, ainda Sócrates era primeiro-ministro, que a jornalista Maria de Lurdes Vale escrevia no Diário de Notícias uma crónica a que chamou: “Contra os que sempre passaram à frente”. Dizia nomeadamente:

”Terá de haver uma mudança de vida profunda, e já ninguém terá paciência para ser cúmplice de um regime que premeia os amigos e os conhecidos em detrimento dos que tiveram de fazer o caminho à sua própria custa. Ao contrário do que muitos pensam, esta revolta dos jovens de hoje talvez seja a primeira depois do 25 de Abril que tem pés e cabeça”

Como muitos não saberão quem é a estimada jornalista, sempre lhes digo que Maria de Lurdes Vale, depois de ter estado no Diário de Notícias, foi nomeada assessora de imprensa do Ministro da Economia, Álvaro Santos Pereira (com vencimento equiparado a Director-Geral: 3900 euros por mês, acrescidos de ajudas de custo e subsídios de alimentação, Natal e férias) e está agora na Administração do Turismo de Portugal, um Instituto Público.

Dado que não conheço a senhora, não me atrevo a fazer juízos de valor sobre as suas capacidades e competências. Porém, não posso deixar de realçar a subida meteórica e incomum, que conseguiu em tão curto espaço de tempo. Quando há um ano se revoltava - “já ninguém terá paciência para ser cúmplice de um regime que premeia os amigos e os conhecidos em detrimento dos que tiveram de fazer o caminho à sua própria custa” - provavelmente estava a fazer futurologia sobre o seu próprio trajecto. Se calhar também ela foi premiada por ser amiga ou conhecida de alguém e, quem sabe, em detrimento dos que tiveram de fazer o caminho à sua própria custa.

É o pesadelo das palavras escritas. E não há como fugir a elas.



sexta-feira, fevereiro 17, 2012

Vergonha é roubar e ser apanhado



Uma cadeia de hotéis australiana lançou uma proposta ousada aos seus clientes. Num dos seus hotéis está escondida uma obra de arte avaliada em 11 500 euros e o desafio consiste em incitar os clientes a descobri-la e a roubá-la sem serem apanhados. Caso o consigam, podem ficar com ela.


Fiquei deveras confuso. Mas isto não é um estímulo ao roubo? Ou será que estou a interpretar mal tão genial ideia? E eu a pensar que a promoção das empresas era feita pelo apelo aos valores universais, às boas práticas que demonstrem o melhor que elas têm, à qualidade dos seus produtos e serviços. Pura ingenuidade …


A não ser que a iniciativa apenas tenha por objectivo confirmar a afirmação tantas vezes ouvida “Vergonha é roubar e ser apanhado”.


quinta-feira, fevereiro 16, 2012

A obesidade física e mental



Percebo que a Associação Portuguesa Contra a Obesidade Infantil tenha ficado preocupada com o facto de apenas 2% das crianças até aos 10 anos consumirem fruta fresca diariamente. Mas já não entendo que dirijam a responsabilidade dessa lacuna exclusivamente ao consumo da chamada “fast-food”. Toda a gente sabe que as crianças e jovens têm um fascínio por esse tipo de comida e que têm dificuldade em resistir às batatas fritas, aos hambúrgueres e às pizas. Porém, o problema não se fica apenas pelo gosto da rapaziada.


Quanto a mim, existem duas outras questões, igualmente importantes, que têm que ser equacionadas. E ambas têm que ver com as famílias.


A primeira diz respeito ao dinheiro que se gasta com a compra da fruta. Não propriamente pelo preço da fruta em si, mas por que, depois de definidas as prioridades e tendo em conta os magros orçamentos, a fruta não é para muitas famílias um bem de primeiríssima necessidade.


A outra tem a ver com falta de informação de pais e educadores sobre o que deve ser uma alimentação saudável. Por mera desinformação, mas também por comodismo, é, para eles, muito mais fácil empurrar os seus meninos para os Mac’s que pululam por todo o lado do que confeccionar refeições simples, saudáveis e que até não são caras. Dar fruta aos miúdos – mesmo que eles estejam relutantes – nem é tão difícil assim. É só necessário ter imaginação e transformá-la em sumos, batidos, saladas, misturada nas sanduíches, nas espetadas, com queijo fresco, ou seja, devem explorar o consumo da fruta por forma a constituir um alimento mais variado e mais apetecível para as crianças.


E estes dois factores (falta de dinheiro e de informação), conjugados com o cansaço físico e mental e, muitas vezes, o desespero do dia-a-dia de quem tem a obrigação de orientar os jovens, fazem com que se chegue aos tais 2% de miúdos que comem fruta. E se a isto acrescentarmos as horas e horas que as crianças passam em frente dos televisores, dos computadores e das consolas, sem a assistência dos seus educadores, temos um quadro realmente preocupante de obesidade física mas também mental.



quarta-feira, fevereiro 15, 2012

Talvez possamos fazer algo mais …



Mesmo sem vontade, lá voltamos de novo ao assunto: as notícias sobre a desgraça em que se encontra o nosso país não param. Só no último dia de Janeiro ficámos a saber, através do INE, que o investimento empresarial deverá ter caído 17% em 2011 e o mesmo poderá acontecer este ano. O mesmo INE informou que o índice de produção industrial diminuiu 8,7% em Dezembro em termos homólogos. Por sua vez o Eurostat, indica que Portugal chegou ao fim do ano passado com uma taxa de desemprego oficial de 13,6%, percentagem que é um novo recorde e que incluirá qualquer coisa como 800 mil desempregados. Como se vê, só boas notícias!


Mas se os políticos e as políticas não conseguem inverter esta descida aos infernos, por que não sermos nós um pouco mais intervenientes no dia-a-dia? Fazer pequenas coisas que talvez nos dessem resultados insignificantes mas que, mesmo assim, de alguma forma pudessem ajudar a criar ou a manter alguns postos de trabalho.


Do consumo de produtos portugueses já nem falo, a campanha está em marcha e espero bem que a nossa consciência cívica nos faça alinhar neste “proteccionismo” do que é nosso. Mas estou a lembrar-me, por exemplo, dos postos de portagens das auto-estradas que, para além das Via Verdes e dos meios de pagamento automáticos ainda têm um ou dois portageiros. Mesmo perdendo um pouco mais de tempo não será preferível utilizar aquele posto de trabalho … enquanto isso for possível?
E que tal não levantar os tabuleiros das mesas de algumas marcas conhecidas de restauração para ir arrumá-los nos carrinhos a eles destinados? Não por preguiça, já se vê, mas porque se todos se recusassem a isso, certamente que haveria necessidade de contratar umas tantas pessoas (mesmo a ganhar pouco) que, desta forma, poderiam assegurar o seu sustento. Ainda ontem almocei no H3 do Parque das Nações e vi muitos dos presentes a substituir os (eventuais) empregados destinados a essa função, mesmo sem que ninguém lhes tivesse pedido.
E por que não evitar as “caixas expresso” de certos hipermercados em que são os clientes a tratar de tudo sem intervenção de qualquer funcionário?


Dei apenas alguns exemplos de que me lembrei. Admito que os resultados não sejam por aí além. Se calhar, daqui a pouco, os portageiros acabarão, provavelmente os empregados dos restaurantes trabalharão ainda mais, dividindo-se entre a cozinha e o levantar das mesas e, nos hipers, o futuro passará pela presença única de caixas automáticas. Mas deixem-me ao menos sonhar que, através das nossas pequenas acções, possa existir um pouco mais de humanização (mais gente e menos tecnologia a substituí-la) e que seja possível ajudar quem, no momento, tem um emprego precário ou, simplesmente, está desempregado.


terça-feira, fevereiro 14, 2012

Sem … Paciência



Quando deveríamos estar muito preocupados com o que se está a passar na Grécia, quando um conhecido articulista do Financial Times escreveu um artigo de opinião que advoga que justamente a Grécia e, também, Portugal deveriam ir à falência, quando a gigantesca manifestação da CGTP do último fim-de-semana dever-nos-ia fazer reflectir, quando a montanha de preocupações não pára de aumentar e afecta cada vez mais as nossas vidas, o que é que abriu todos os noticiários de ontem das rádios e das televisões e foi o tema principal da internet? – A saída de Domingos Paciência de treinador do Sporting Club de Portugal.


Sabem bem que as minhas crónicas muito raramente abordam o tema futebol (embora eu goste de futebol) mas, hoje, não tive como fugir. Parece que o futebol é, de facto, a coisa mais importante que existe à face da terra. Ainda há dias os jornais (e não só os desportivos) comentavam os 208 mil euros que um jogador do FC Porto ganha mensalmente. Ontem foi a demissão de Domingos que deixou o país em transe. Chegado há meses ao clube, festejadíssimo, desejado como aquele que, finalmente, traria os títulos que têm andado fugidios, acaba por sair pelos maus resultados, dizem uns, por ter tido contactos com o FC do Porto para onde irá em breve, segundo outros.

Tirando a piada que correu célere “Primeiro o Governo tira-nos os feriados e agora o Sporting acaba com o(s) Domingos” digo-vos que não há “Paciência” para tanto. O país não é só isto, mas constato que muitos milhares de cidadãos andam total e sinceramente obcecados com a saída do treinador do clube leonino. Desnecessariamente, gastam tempo e energia. Porém, e ao mesmo tempo, erguem os olhos aos céus na esperança que o novo treinador que já foi designado - também ele, hoje, festejadíssimo e desejado - seja o Messias que lhes vai trazer os tais títulos.


segunda-feira, fevereiro 13, 2012

Os lapsus linguae



Não, não é só por cá que tanto se fala na descontextualização do que dizem os políticos. Eles dizem coisas (eles vão dizendo sempre muitas coisas), toda a gente as ouve repetidas vezes mas, afinal, não foi bem isso que quiseram dizer. E, normalmente, a desculpa é que houve alguém que tirou as frases do contexto em que estavam inseridas. E lá vêm as notas do chefe de gabinete, dos líderes das bancadas parlamentares, dos assessores de imprensa e dos porta-vozes lestos a desmentir, a interpretar, a esclarecer e a desdizer.

Mas há também os lapsus linguae, provavelmente provocados pela falta de atenção de quem tinha a obrigação de ter um pouco mais cuidado com o que diz.

A senhora da fotografia é a secretária de Estado da saúde do governo francês, Nora Berra que, preocupada certamente pela vaga de frio que assola o seu país, sugeriu aos “mais vulneráveis”, incluindo os sem-abrigo, que evitassem sair de casa.

É que, às vezes, o frio enregela-nos as ideias.


sexta-feira, fevereiro 10, 2012

Poema em Linha Recta

De Álvaro de Campos (heterónimo de Fernando Pessoa), “Poema em Linha Recta”


Nunca conheci quem tivesse levado porrada.
Todos os meus conhecidos têm sido campeões em tudo.

E eu, tantas vezes reles, tantas vezes porco, tantas vezes vil,
Eu tantas vezes irrespondivelmente parasita,
Indesculpavelmente sujo,
Eu, que tantas vezes não tenho tido paciência para tomar banho,

Eu, que tantas vezes tenho sido ridículo, absurdo,
Que tenho enrolado os pés publicamente nos tapetes das etiquetas,
Que tenho sido grotesco, mesquinho, submisso e arrogante,
Que tenho sofrido enxovalhos e calado,
Que quando não tenha calado, tenho sido mais ridículo ainda;

Eu que tenho sido cómico às criadas de hotel,
Eu, que tenho sentido o piscar de olhos dos moços de fretes,
Eu, que tenho feito vergonhas financeiras, pedido emprestado sem pagar,
Eu, que, quando a hora do soco surgiu, me tenha agachado,
Para fora da possibilidade do soco;
Eu, que tenho sofrido a angústia das pequenas coisas ridículas,
Eu verifico que não tenho par nisto tudo neste mundo.

Toda a gente que eu conheço e que fala comigo
Nunca teve um acto ridículo, nunca sofreu enxovalho,
Nunca foi senão príncipe. Todos eles príncipes na vida...

Quem me dera ouvir de alguém a voz humana
Que confessasse não um pecado, mas uma infâmia;
Que, contasse, não uma violência, mas uma cobardia!
Não, são todos o Ideal, se os oiço e me falam.
Quem há neste largo mundo que me confesse que uma vez foi vil?

Ò príncipes, meus irmãos,
Arre estou farto de semideuses!
Onde é que há gente no mundo?

Então sou só eu que é vil e erróneo nesta terra?

Poderão as mulheres não os terem amado,
Podem ter sido traídos, mas ridículos nunca!
E eu, que tenho sido ridículo sem ter sido traído,
Como posso eu falar com os meus superiores sem titubear?
Eu, que tenho sido vil, literalmente vil,
Vil no sentido mesquinho e infame da vileza.

quinta-feira, fevereiro 09, 2012

Restos' Gourmet



Quem me conhece sabe da minha relutância em relação à chamada “nova cozinha” ou, “cozinha de autor”. Sem renegar a arte que lhe está subjacente e todo o trabalho, a cor e a organização do empratamento, as minhas desconfianças acabam por me fazer torcer o nariz sempre que aceito um novo desafio para ir a um restaurante que tem um “chef” a comandar a cozinha.


Vamos lá ver, já tenho tido surpresas. Já tenho apanhado manjares que fazem jus à fama com que os nomes dos restaurantes e dos “chefs” são anunciados. No entanto, mantenho as minhas dúvidas e sinto que não estou rendido a essas obras de arte, normalmente com nomes difíceis de pronunciar e que não fazemos a mínima ideia do que é que tratam.


Embora seja moderado no comer, continuo a gostar de pratos à antiga que dão por nomes plebeus como “cozido à portuguesa”, “arroz de cabidela”, feijoada à transmontana” ou carne do alguidar com migas”.


Mas afinal a moda dos “chefs” (e o que eles produzem) é uma mais-valia para a cozinha portuguesa? Será que a nossa cozinha tem um futuro promissor? Não sei. Mas sei que ouvi da boca de um “chef” muito conhecido na nossa praça a resposta à pergunta que formulei: “Não sei, tenho dúvidas. É que cada vez há mais “chefs” e menos cozinheiros”. Tirem as vossas conclusões.


Porém, para que não julguem que, apesar de tudo, eu não faço um esforço, reparem no prato que confeccionei há dias e que dediquei aos meus filhos. Tinha como restos do almoço, uns ovos mexidos e farinheira cozida, juntei-lhes umas rodelas de tomate, uma fatia de pão e umas bagas de uva e … VOILÁ!


Designação do Prato: RESTOS’ GOURMET
Composição:
Eggs em cama de cereais com bagas de uva, carpaccio de tomate e collis de farinheira
E o menu tinha assinatura: Chefs Responsáveis: PAIS’

É que a diferença está nos detalhes …


quarta-feira, fevereiro 08, 2012

A diskette que podia ter sido fatal …



Achei piada (e já vos conto porquê) a duas histórias que li recentemente na imprensa e que se resumem em poucas palavras. A primeira, tem a ver com o facto da Igreja Católica das Filipinas ter dado um endereço errado aos seus fiéis. A ideia era a de acompanhar, através da internet, a posse de um novo bispo. Mas o endereço que indicaram era a de um site pornográfico. Um engano de somenos…
A outra história aconteceu ao Comandante da Polícia Municipal de Coimbra que, cheio de boas intenções, enviou um e-mail de boas-festas aos colegas e a todos os funcionários da autarquia, cujo conteúdo, aparentemente inocente e normal, continha imagens de lindas meninas em trajes bastante reduzidos e algo desadequados ao espírito da quadra natalícia. Uma distracção que lhe custou um procedimento disciplinar.


E achei graça às histórias porque me lembrei de uma situação que me aconteceu há uns anos. Tinha finalizado durante a tarde a apresentação de uma acção de formação que iria dar nos dias seguintes no Porto a quadros directivos da minha empresa. Visionara várias vezes a diskette (ainda estávamos no tempo da pedra lascada) e quando acabei, arrumei-a na minha pasta. Tudo estava em ordem e saí do escritório.

Porém, e estas coisas acontecem, quando à noite, em casa, tive uma dúvida sobre os números que constavam num dos quadros da apresentação fui buscar a diskette e, surpresa das surpresas, o ficheiro que abri não tinha nada a ver com aquilo que tinha preparado. No ecrã só apareceram imagens que, no mínimo, eram muitíssimo ousadas.

Percebi, de imediato, que alguém tinha sabotado o meu trabalho. Não por malvadeza (acredito nisso) mas para me pregar uma partida, e de que tamanho. Calculem se eu só desse pela marosca quando estivesse na presença dos meus respeitáveis colegas, homens e senhoras.

Fiquei irritado, confesso. Mas a coisa foi descoberta a tempo, localizei o meu “divertido” (e irresponsável, neste caso) colega a quem mostrei cara feia e, hoje, recordo a situação como mais uma peripécia de percurso que agora me faz sorrir.

terça-feira, fevereiro 07, 2012

A mão pesada da justiça



Ainda ontem aqui falei em fraudes sem castigo mas, para que não julguem que os nossos sistemas policial e de justiça andam adormecidos, reparem que nem sempre o crime compensa.

Pois é, um tribunal do Porto condenou um sem-abrigo a pagar 250 euros por - há dois anos - ter tentado roubar um polvo e um champô, produtos que não chegaram sequer a sair do supermercado onde se verificou a tentativa de furto. O homem foi apanhado pela segurança.
Ao que li, o acórdão refere explicitamente que produtos como polvos e champôs não são bens de primeira necessidade, pelo que, não houve outra alternativa que não fosse a condenação do sem-abrigo ao pagamento dos ditos 250 euros ou, em substituição, à pena de trabalho comunitário.

Longe de defender qualquer tipo de roubo, naturalmente, o que dá a sensação é que uma coisa é desbaratar o erário público, o dinheiro dos contribuintes e, para isso, sempre se arranja uma desculpa para não se aplicar uma sanção, outra, bem diferente, é roubar descaradamente um supermercado e levar produtos raros e caríssimos como um polvo ou um frasco de champô. E, para estes casos, a justiça tem – e bem – a mão pesada.

segunda-feira, fevereiro 06, 2012

"Lapsos" ou fraude?



Acho um tanto ou quanto exagerado tudo o que se escreveu e ouviu na comunicação social e nos blogues sobre uns eventuais “lapsos” de certas encomendas efectuadas pela Segurança Social. Parece, ao que dizem, que se encomendaram artigos a preços muito acima dos de mercado. E depois? Tanto barulho porque uns rolinhos de fita gomada que nas lojas estão à venda por três euros foram encomendados pelo Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social por 29,6 euros? Ou porque outra entidade da Segurança Social encomendou um marcador preto por 54 euros e outro amarelo por 47,20?
Volto a perguntar: e depois? Afinal, com o que é que esta gente está preocupada? Com o simples facto dos objectos requisitados estarem a ser encomendados a preços muito acima do mercado e muitíssimo mais caros do que nós, comuns mortais sem poder negocial, compraríamos em qualquer hipermercado? Ou será por que se trata de dinheiro dos contribuintes que, uma vez mais, está a ser desbaratado?

Pois embora a Segurança Social tenha justificado o que aconteceu como um “lapso” o que eu acho é que não houve lapso algum. Sistematicamente, e ao longo dos tempos, o que se tem assistido é à falta de rigor na utilização dos dinheiros públicos, à incompetência (sem sanção) das pessoas que têm responsabilidades e à falta de controlo por parte de quem de direito. E eu chamo-lhe incompetência para não lhe chamar fraude.
Só no caso noticiado das fitas gomadas, pagou-se pelas 80 unidades 2 368,00 euros, mais 2 100,00 do que os preços normais. Multipliquem estas verbas por todas as encomendas de todos os serviços do Estado e pensem lá para onde vai o nosso dinheiro. Eu sei que tudo isto não passa de uma gota de água comparado com o que já “enterrámos” no BPN, mas mesmo assim.

Valerá a pena continuar a vociferar? Apesar de tudo acho que sim.


sexta-feira, fevereiro 03, 2012

Comer pouco e devagar



Hoje trago-vos duas “receitas” que poderão ajudar a conseguir um espírito jovem até a uma idade avançada e a ter um peso corporal bastante mais saudável. E não se trata de mais uns estudos, dos muitos que nos chegam todos os dias. Então, quais as soluções propostas?

- Comer pouco poupa o celebro - Cientistas italianos descobriram que comer menos ajuda a manter a mente jovem. Uma dieta frugal pode preservar o celebro dos estragos da idade, já que desencadeia uma proteína que activa uma série de genes associados à longevidade, melhorando as capacidades cognitivas e de memória e diminuindo a agressividade e a tendência para ter Alzheimer;

- Comer devagar – Uma investigadora portuguesa, Júlia Galhardo, ganhou um prémio internacional ao descobrir que comer devagar faz diminuir significativamente o índice de massa corporal. Por outras palavras, comer devagar faz com que se fique saciado mais depressa e, portanto, não se ganhe peso.

Propositadamente não entrei em especificações técnicas de ambos os trabalhos. O que me pareceu mais relevante é que as conclusões a que chegaram são simples e do mais elementar bom senso. Terminada ainda há pouco uma época em que cometemos alguns excessos alimentares, é tempo de reatar (ou começar) as boas práticas, tendo em vista a nossa saúde. E seguindo um princípio básico: comer pouco e devagar.


quinta-feira, fevereiro 02, 2012

Rodrigo Leão em concerto



Na última terça-feira assisti a um magnífico concerto de Rodrigo Leão no Grande Auditório do Centro Cultural de Belém. Como de costume fiquei extasiado pela magia e sofisticação das suas composições. De resto, e para além da sua música de qualidade, Rodrigo Leão esteve muitíssimo bem acompanhado de um lote de músicos absolutamente excepcionais. E mesmo sendo todos eles muito bons, tenho que referir (porque os achei fantásticos) os nomes de Celina da Piedade (acordeão/metalofone e voz – e que voz), Viviena Tupikova (violino e teclado) e Carlos Tony Gomes no violoncelo.


Ao longo de hora e meia, Rodrigo Leão, os seus cinco músicos (já agora, e para que não cometa uma injustiça, indico o nome dos restantes dois músicos: Bruno Silva na viola de arco e João Eleutério na guitarra e metalofone) e ainda com a colaboração vocal de Lula Pena e de Miguel Filipe (em palco) e, em tela, o cantor australiano Scott Mathew e o novo talento brasileiro Thiago Petith encantaram os espectadores que encheram a sala do CCB.


Rodrigo Leão é um dos mais importantes compositores do nosso país. Acompanho-o desde “Os Sétima Legião” e os “Madredeus”. Desde sempre, em grupo ou na carreira a solo, sou admirador incondicional da música que compõe. Subscrevo o que vi escrito no programa de apresentação deste concerto: “uma música poderosamente evocativa, canções para as palavras que se trazem no pensamento e que só cada um de nós ouve”.


Uma nota final para vos dizer que, hoje, no meu blogue “Baú” http://www.bau.demascarenhas.blogspot.com/ publico um vídeo de Rodrigo Leão. Não percam.


quarta-feira, fevereiro 01, 2012

O sono



Há muitos anos que durmo mal. Pouco e mal. Deito-me tarde (muito tarde) e por regra acordo cedo. A minha média de horas de sono é bem inferior às oito horas recomendadas e não me queixo. Habituei-me de tal forma que acho que nem necessito de repousar mais, tanto mais que o corpo tem aguentado bem. Gosto de me deitar tarde e sempre achei que esse período em que quase todos repousam inspira-me à reflexão, à leitura e à escrita. Pelo menos enquanto o meu cérebro não reclama a almofada como aconchego.


Mas nunca imaginei que um estudo viesse a concluir que as pessoas que se deitam tarde têm tendência para ser mais inteligentes do que as outras.


Mas quem sou eu - um tipo normal, que nunca fui excepção para coisa alguma – para contrariar e me excluir dessa tese? Sim, provavelmente “os mais inteligentes deitam-se tarde”.