quarta-feira, abril 30, 2014

O problema de não haver estratégias para o país ...



Sou um dos que defende há muito que os principais partidos políticos se deveriam entender em matérias consideradas fundamentais para o país. Chamem-lhe consenso, como diz Cavaco Silva, chamem-lhe pacto de regime ou chamem-lhe simplesmente bom-senso, que é mais fácil. Esqueçam os resultados eleitorais, esqueçam o poder e os tachos e escolham meia dúzia de matérias estruturantes em que, independentemente de quem estiver no poder, as políticas a seguir sejam as que foram previamente acordadas. Já cansa a repetitiva lamúria do bota-a baixo em que os partidos que governam desdizem e maldizem tudo o que foi feito pelo Governo anterior.

Vejam o caso do "carro eléctrico" que o então Primeiro-Ministro José Sócrates apadrinhou e adquiriu 17 unidades para as deslocações citadinas dos seus Ministros e que, com a chegada do actual Governo ficaram parados nas garagens. Três anos depois, o actual Ministro do Ambiente e Energia, Jorge Moreira da Silva, reviu as prioridades, retomou o projecto da mobilidade eléctrica e garante que ele veio para ficar. Mais, Moreira da Silva quer mesmo que, para além dos governantes, a generalidade da Administração Pública passe a circular em veículos não poluentes.

Este é um episódio que retrata bem as fragilidades das políticas públicas nacionais. Não me interessa quem é que "descobriu" a ideia nem quem a pôs de lado, nem tão-pouco, saber por que motivos. O que acho é que foram três anos perdidos. E tudo porque não há uma ideia para o país, não há uma estratégia, um rumo que seja seguido independentemente de quem nos governe. E é assim nos transportes/mobilidade, na educação e por aí fora, e por aí fora ...

terça-feira, abril 29, 2014

Soneto do amor e da morte



De Vasco Graça Moura


"Soneto do amor e da morte"

 

 

quando eu morrer murmura esta canção
que escrevo para ti. quando eu morrer
fica junto de mim, não queiras ver
as aves pardas do anoitecer
a revoar na minha solidão.

quando eu morrer segura a minha mão,
põe os olhos nos meus se puder ser,
se inda neles a luz esmorecer,
e diz do nosso amor como se não

tivesse de acabar, sempre a doer,
sempre a doer de tanta perfeição
que ao deixar de bater-me o coração
fique por nós o teu inda a bater,
quando eu morrer segura a minha mão.

segunda-feira, abril 28, 2014

Os kiwis e a Revolução de Abril de 1974



No twiter alguém afirmava "a SIC diz que antes de 74 não havia kiwis em Portugal. Obrigado Otelo!". Não sei se isso é verdade mas, de facto, não me recordo de, antes da Revolução, ter comido (ou sequer visto) kiwis. O que não quer dizer que passados 40 anos, a minha memória esteja completamente fragilizada. E a provar o que digo, posso afiançar-vos que me lembro (e bem), por exemplo, que antes do 25 de Abril vivíamos em ditadura e as nossas vidas eram constantemente sobressaltadas por uma polícia política que prendia e torturava só porque as pessoas tinham ideias políticas diferentes. Lembro-me (e bem) que travámos uma guerra sem sentido para onde eram arrastados milhares de jovens que não percebiam porque estavam ali, e que morriam e/ou ficavam estropiados física e mentalmente. Lembro-me (e bem) da censura que decidia o que poderia ser escrito e publicado nos jornais e na televisão e apresentado nos teatros e cinemas. Lembro-me (e bem) dos "bufos" que não conhecíamos e que nos cercavam, que poderiam estar tão perto que um simples espirro poderia ser denunciado como uma tremenda conspiração contra o regime. Lembro-me (e bem) que um encontro entre duas pessoas era considerada como uma manifestação conspirativa e, como tal, proibida. Lembro-me (e bem) como as mulheres eram menorizadas e como a mortalidade infantil era elevadíssima. Lembro-me (e bem) das muitas famílias que viviam em habitações sem luz, sem água e sem casa de banho, da alta taxa de analfabetos e da educação superior que só era acessível às classes mais favorecidas. Enfim, lembro-me (e bem) de um dia, há 40 anos. em que uns corajosos militares arriscaram as suas vidas e devolveram a Portugal a liberdade e a esperança tão ansiadas.

Mas se, de facto, para além de todas as outras coisas, a revolução também nos trouxe os kiwis, então, ainda estou muito mais agradecido a esses militares de Abril.

quinta-feira, abril 24, 2014

"25 de Abril"



De Sophia de Mello Breyner Andresen



"25 de Abril"

 

Esta é a madrugada que eu esperava
O dia inicial inteiro e limpo
Onde emergimos da noite e do silêncio
E livres habitamos a substância do tempo


quarta-feira, abril 23, 2014

Vem aí mais uma taxa ... a pensar na nossa saúde!



Para mal dos nossos pecados já nos habituámos às trapalhadas dos membros do Governo. É um corrupio constante do "diz que disse" entre Secretários de Estado e Ministros que produzem as afirmações mais díspares ou juram a pés juntos que o que tinham anunciado, afinal, não era bem assim. Criou-se uma rotina de expectativas (adivinhar quem é que diz a verdade e quando) idêntica à dos furinhos das caixas de chocolates da Regina quanto à tablete que vai sair.

Desta vez esperamos com ansiedade a nova medida anunciada pela Ministra das Finanças (eu ouvi esse anúncio) sobre a criação de uma taxa adicional sobre produtos que tenham impacto nocivo na saúde, nomeadamente os que contêm altos teores de açúcar e de sal. E já se vai falando também no tabaco e no álcool.

Ao certo, ao certo, ainda não temos qualquer certeza que isso vá acontecer. Pires de Lima, o Ministro da Economia, já manifestou que não está de acordo (será mais um joguinho do Governo?), os produtores dos hipotéticos produtos constantes na lista também se mostraram preocupados com a quebra das vendas e com o consequente aumento do desemprego. O Presidente da Confederação Empresarial Portuguesa (CIP) - António Saraiva - criticou a medida, e pediu sensatez ao Governo.

Mas a grande incógnita está em saber-se quais os produtos que podem ser considerados nocivos para a saúde. Serão os alimentos que conhecemos como a “comida de plástico”, que podem provocar aumentos excessivos de peso? Serão também os doces de uma forma geral, chocolates, gelados, refrigerantes, aperitivos salgados, bebidas com álcool? É que, para mim, todos eles podem de facto fazer mal à saúde se ... ingeridos em excesso. Contudo, repugna-me a ideia de ser lançada a denominada "fat tax", movimento que tem ganho alguns seguidores por essa Europa, não tanto pela preocupação única de proteger a saúde dos cidadãos mas, fundamentalmente - sejamos sinceros - para conseguirem gerar mais receitas e, eventualmente, haver alguma poupança nos gastos com os cuidados médicos resultantes dos tais excessos a que me referi.

E é verdadeiramente controversa esta medida. Tanto mais que, sendo generalizada, pode tornar-se perigosa. Por exemplo, acham mesmo que quem beber um copo de vinho tinto a cada refeição corre algum risco de saúde? Ainda por cima sabendo-se que o vinho tinto - se bebido com moderação - faz bem ao coração, à libido, à dieta e ainda combate o envelhecimento precoce. Então por que carga de água é que o vinho poderá vir a ser penalizado com mais esta taxa?



terça-feira, abril 22, 2014

A relação desconfortável



Ainda não passaram três anos após a eleição de Assunção Esteves para a Presidência da Assembleia da República e o PSD, que a promoveu ao segundo lugar da hierarquia do Estado, já se mexe e remexe, desconfortável com as sucessivas gafes que a senhora vai coleccionando. Há quem diga que Assunção Esteves é "imprevisível" e que, provavelmente, não sabe gerir situações de tensão. Será, mas exige-se bastante mais de um Presidente da Assembleia da República. Não basta que seja imparcial, é necessário que tenha bom-senso, mostre equilíbrio e saiba dialogar em português que todos entendam, sem "inconseguimentos" e histerismos. E à senhora presidente não lhe chega ser diferente (pensar, falar e agir de maneira diferente) dos Presidentes que a antecederam, todos eles muito competentes e que dignificaram a sua função. Uma coisa é uma questão de estilo, outra é esta "irreverência saltitante" que não nos transmite grande segurança. E já figuras bem conhecidas dos portugueses criticam, em tom menos abonatório, a Presidente. Como o fez o empresário Henrique Neto na Revista do Expresso da passada sexta-feira ao afirmar "Assunção Esteves nunca foi tida como muito sã da cabeça ...".

Woody Allen disse: "Há casamentos que acabam bem, há outros que duram para sempre". Parece-me que no caso do "casamento" entre Assunção Esteves e o PSD ele está destinado a acabar bem e ... em breve.

segunda-feira, abril 21, 2014

Só boas notícias. Em 2015 não haverá aumento de impostos ...



Lembram-se do que disse o Governo na última terça-feira? "Para se conseguir cumprir a meta de 2,5% do PIB para o próximo ano, tomar-se-ão as medidas necessárias mas não haverá aumento de impostos para 2015, nem outras medidas que impliquem um adicional esforço sobre salários e pensões". Boa notícia esta! Os ministros decidiram, então, "cortar 1.400 milhões no próximo ano sem sacrifícios adicionais para contribuintes". Muito Boa Notícia"! Só não concretizaram como. Ou antes, sugeriram que poderiam poupar 730 milhões de euros com a redução de custos nos ministérios, 180 milhões com rescisões amigáveis e aposentações na função pública e, quantos aos restantes 490 milhões, aí é que se fecharam em copas. Não deixaram, no entanto, de sublinhar que "algumas medidas de carácter extraordinário vão ser mantidas". Mas não disseram quais ...

Claro que essas boas notícias só são possíveis porque vai haver eleições em breve. Depois, presumo eu, a más notícias aparecerão. De qualquer jeito o que já foi anunciado prende-se com a dita "reforma do Estado" (ou lá o que é ...), e incluem, sobretudo, cortes e reorganizações em ministérios e outros serviços do Estado, fusões, diminuição dos custos com o número de funcionários públicos (portanto, mais alguns vão ser mandados embora) e redução de custos com consultorias.
 
Mas, para além das sugestões sugeridas e da diminuição das despesas com a saúde (admitida pela Ministra das Finanças), o que eu acho preocupante, o que eu não consigo entender é a razão que levou o actual Executivo a demorar 3 anos para começar a reduzir naquilo que ele próprio considerava serem as "gorduras do Estado". Só agora, porquê? Certamente porque foi muito mais fácil começarem pelos cortes dos salários e pensões. É que, segundo dizem, "A corda rebenta sempre pela parte mais fraca".



terça-feira, abril 15, 2014

Quando se atiram foguetes antes da festa ...



Mostrar demasiado entusiasmo perante vitórias previamente anunciadas (no desporto como na política) pode ser muito perigoso. "Cantar de galo" antecipadamente não costuma dar muito bons resultados.

Vejam a recente euforia patenteada pelo Governo quando há poucas semanas erguia cartazes a dizer que "há sinais de recuperação que não podem ser ignorados e que nos indicam que estamos a ir pelo caminho certo. Até porque os mercados voltaram a confiar em nós. Os portugueses estão quase a senti-lo no seu próprio bolso".

Aconselharia o mais elementar bom-senso que os resultados obtidos com a subida das exportações, a redução das importações, as taxas de juro a cair e a descida do desemprego - embora todos esses indicadores sejam encorajadores - fossem geridos de forma cautelosa porque tamanha "festança" corre o risco de acabar de repente e deitar abaixo as expectativas entretanto geradas. Até por que os dados positivos anunciados, não se fazem sentir na vida concreta das pessoas. O empolamento da tal euforia pode, portanto, tornar-se perigoso.

E já esta semana se soube que houve um abrandamento do crescimento das exportações e uma aceleração das importações (portanto, um recuo na balança comercial que se quer equilibrar) e o desemprego que parece ter estabilizado, poderá crescer, segundo a previsão do FMI. Mas, mais importante que os resultados da recuperação (que sobem e descem), o que me parece fundamental é perceber-se que eles são fruto de circunstâncias (a que nós quase sempre somos alheios) e não de uma alteração estrutural, de uma modernização da nossa capacidade produtiva, a qual, efectivamente, não se verificou. Daí a continuação do nosso empobrecimento.

É o que dá atirar os foguetes antes da festa!

segunda-feira, abril 14, 2014

Afinal, o problema não é deles, é meu, é nosso, é do país ...



Assunção Esteves pertence a um certo grupo de pessoas que vai dizendo, aqui e ali, umas coisas que caem mal junto dos portugueses. E o pior é que não se trata de inabilidade política, ela diz (eles dizem) o que realmente sentem. E, no caso da Presidente da Assembleia da República, ela tem o hábito, naquele seu esquema de "toca e foge", de responder aos jornalistas sorrindo e a correr, deixando frases isoladas que, porém, querem dizer tudo.

A propósito da próxima comemoração dos 40 anos do 25 de Abril, Assunção Esteves confirmou que os militares da Associação 25 de Abril foram convidados para assistir à cerimónia mas que não poderiam fazer qualquer discurso. E se eles não aceitarem, perguntou um jornalista? Nesse caso, respondeu, "o problema é deles". Uma resposta do tipo "temos pena", digna de um adolescente mal-educado. E, como se não chegasse, a Presidente da Assembleia da República foi mais longe e classificou as reivindicações dos militares a usarem da palavra na cerimónia como algo "que não existe".
 
Só que - enorme equívoco - o problema não é "deles" (dos militares). O problema é da senhora Presidente da Assembleia da República que não quer ser incomodada com um discurso que, provavelmente, sairia do "alinhamento normal" do discurso parlamentar, nomeadamente os vindos das bancadas da maioria. Ainda por cima numa comemoração de uma data redonda, em que os "velhos" capitães de Abril poderiam ser incómodos ao lembrarem as ambições e o espírito de Abril que, à força, nos têm querido fazer esquecer. É, digo eu, a mania dos Capitães de Abril de quererem o protagonismo no 25 de Abril, só por que (coisa pouca) derrubaram uma ditadura de 48 anos.
 
Por isso digo, o problema não é da Presidente da Assembleia da República, o problema é meu, é do país que tem como segunda figura do Estado a Dra. Assunção Esteves que já demonstrou por várias vezes não ter um pingo de bom senso. E, seguramente, que essa teria que ser uma das qualidades exigidas para se ser a segunda figura do Estado português.



sexta-feira, abril 11, 2014

A verdadeira explicação sobre o novo acordo ortográfico



Há muito que se sabia que o “novo acordo ortográfico” iria trazer vantagens para alguém. E não era, certamente, a uniformização da escrita portuguesa que motivava os mentores de todo este processo. Ainda por cima para obrigar países que, embora tenham o português como língua oficial, são habitados por milhares de pessoas que não sabem escrever nem falar o português. Então quais os verdadeiros interesses? O conhecido escritor brasileiro Charles Kiefer avança com uma explicação:

"... No entanto, no campo estratégico, nos movimentos de longo prazo, o Brasil terá grandes vantagens, tanto que os outros países da CPLP resistiram por mais de uma década ao acordo. Mas quais são essas vantagens estratégicas? A primeira delas, e talvez a mais importante, é a possibilidade de o Brasil conseguir um assento permanente no Conselho de Segurança da ONU. Em que sentido, indagarão os céticos? O que a unificação científica tem a ver com o CS? Ocorre que, com a unificação, os falantes de língua portuguesa serão aumentados bastante, já que se somarão os habitantes de todos os oitos países. Hoje, na hora de se produzirem documentos, há uma torre de babel entre os nossos países. São clássicas, e cómicas, as situações na ONU na hora das atas, dos documentos, das produções de acordos comerciais em que o funcionário do órgão pergunta: Escreveremos em português de Portugal ou do Brasil? Após o acordo, toda a documentação será exarada num mesmo sistema ortográfico. Isto, para efeitos práticos e legais, significará que o português unificado representará mais de 250 milhões. Como o Brasil é o país económica e populacionalmente mais poderoso do conjunto da CPLP, nossas chances de ingressar no CS aumentam exponencialmente. Se algum brasileiro supõe que ombrear com EUA, Rússia, França e Inglaterra não tem importância política, económica, social e histórica deveria fazer, urgentemente, um cursinho de Direito Internacional. Fazer parte do Conselho Permanente da ONU ajudará até ao vendedor de pipocas da esquina, ao plantador de laranjas, ao professor universitário, à empregada doméstica. Até os grevistas do Cpergs terão melhores argumentos ao defenderem melhorias salariais aos que professores que ensinam uma das mais importantes línguas do planeta. A segunda vantagem estratégica do Acordo Ortográfico é que ele torna o Brasil o maior fornecedor de bens e serviços ligados aos setores de comunicação, educação e informática dos oitos países. Dados preliminares anunciam algo em torno de 400 milhões de dólares por ano em ganhos diretos para o avançado parque editorial brasileiro, por exemplo. Dos oito países, o Brasil tem as editoras mais poderosas, as maiores e mais avançadas gráficas, o melhor e mais competente parque industrial na área dos produtos informatizados. Se eu fosse um escritor moçambicano ou português, faria passeata contra o acordo! Mas sou brasileiro e por isso não me filio ao partido dos descontentes, dos críticos e de todos que acreditam que língua e poder não são coisas que se conjugam".

Para quem ainda tinha dúvidas, acho que este texto é suficientemente esclarecedor.



quinta-feira, abril 10, 2014

O novo acordo ortográfico foi um passo em falso?



Ao contrário do que li em alguns artigos de opinião, acho perfeitamente legítimo que muitos se batam pela não aplicação do acordo ortográfico que alguns querem impor. Recentemente houve um debate parlamentar que, claro está, terminou sem conclusões. E isto reflecte bem a opinião de muitos portugueses que não vêem qualquer lógica na sua aplicação. Então, por que não aceitar que o Acordo Ortográfico foi um passo em falso em que não há vencedores nem vencidos?
 
A ortografia é a representação do idioma e, porque está em constante evolução, se diz dinâmica. Embora haja quem defenda que a forma como escrevemos não altera o modo como dizemos as palavras, tenho para mim, que falamos como escrevemos. Com as devidas excepções e tendo em conta - lá está - as introduções que vão sendo adaptáveis.

O que nunca aceitei foi a cedência pura e simples aos interesses do Brasil só por que tem muito mais gente e há interesses a respeitar. Brasil que, curiosamente, ainda não aprovou formalmente o acordo. E, sejamos realistas, o A.O. não aproximou Portugal e Brasil, como nos quiseram impingir, nem facilitou o intercâmbio cultural e o interesse literário. Nada!
 
Ainda que o acordo só mude 2% das palavras que, nós portugueses, normalmente usamos, há uma questão de princípio que eu continuo a defender.

Mas sobre os tais interesses a que eu me referia, amanhã cá estaremos para abordar o assunto.

quarta-feira, abril 09, 2014

De facto, as torneiras estavam lá ...





Conheci o Sr. Rocha por mero acaso. Tinha acabado de comprar torneiras para a casa-de-banho e cozinha e perguntei à senhora que me atendia se conhecia um canalizador que mas pudesse colocar. Quase ao mesmo tempo que recebi a resposta negativa da funcionária um senhor que estava atrás de mim disse:


"Boa tarde, sou o Rocha, se quiser posso fazer esse serviço".

Na ausência de outra alternativa mostrei-me interessado mas ainda questionei se ele daria conta do recado uma vez que o modelo daquelas torneiras era muito recente ...

"Não há problema, sou canalizador da Câmara e vai ver que vai ficar contente ..."

Acertámos a data e o preço (que foi extremamente alto mas, como referi, não conhecia mais especialistas) e fiquei à espera. Entretanto, e por causa das coisas, telefonei para os serviços da Câmara e indaguei se havia por lá um tal Rocha, canalizador. Havia, de facto, um Rocha que era canalizador, e mais, era fiscal de canalizadores. Fiquei mais descansado.
No dia aprazado, mas quase uma hora depois do combinado, o homem apareceu mas estranhei que não trouxesse qualquer material de trabalho. O meu olhar fê-lo responder:

"Hoje só venho ver o local da montagem das torneiras". Indiquei os locais e o Rocha saiu prometendo voltar dois dias depois.

Na nova data, voltou a chegar muito atrasado e, por indicação minha começou por colocar a torneira da cozinha. A operação foi rápida e passou de imediato à misturadora da banheira. Até aqui não houve problema e as duas foram postas "en su sítio" antes do meio-dia. Quando eu pensava que a manhã "ainda era uma criança", o bem-dito do Rocha disse-me que ia almoçar. E foi aí que começou o calvário. Tempo para um almoço de estadão, durante a tarde pausa para uma cervejola, pausa para um café e com tantas pausas o dia foi passando e o serviço não ficou concluído. Teria que voltar uns dias depois para a conclusão do trabalho.

Voltou, é certo (até porque ainda não tinha recebido o pagamento) e colocou as duas misturadoras que faltavam, a do lavatório e a do bidé. Só que - e isto é um pequeno pormenor - elas estavam de facto colocadas mas não deitavam água. Pior, a água saía por debaixo das loiças, sítios por onde, supostamente, ela não deveria sair.

E ali ficámos, eu a olhar (cada vez mais nervoso) e ele, o canalizador (o técnico), a olhar também como se um problema daqueles fosse impossível de resolver. Até que lhe perguntei "Então, Sr. Rocha, não consegue arranjar uma solução?" Ao que ele respondeu "As torneiras estão colocadas". "Sim", retorqui, "elas estão lá realmente mas a água não sai. E a casa de banho está inundada". Depois de um pequeno silêncio, ouvi de novo a frase "mas as torneiras estão colocadas". Foi então que me passei de vez. Tínhamos entrado num impasse. Cada vez mais nervoso, peguei-lhe num braço e disse para sair da minha casa. Ainda lhe dei umas notas (pela montagem das misturadoras da cozinha e da banheira, aquilo que eu achei justo), acompanhei-o à porta e disse para não voltar.

Só que fiquei com outro "pequeno problema" para resolver. Impedir que a água saísse por onde não devia e fazê-la correr pelo caminho certo, nas tais torneiras que o Sr. Rocha tinha realmente colocado. Comecei a fazer experiências, fui observando os resultados, e gastei um ror de tempo até chegar a bom termo. Afinal, mesmo sem ser especialista na matéria, tinha conseguido chegar lá.

Já passaram alguns anos mas ainda hoje me recordo bem quer da cara "do cara" dizendo num tom monocordicamente descontraído "mas as torneiras estão colocadas" quer da forma irritada como corri com ele. Ainda me lembro (depois de tudo estar a funcionar como devia e da calma ter voltado) como me ri por ter chegado à conclusão que o "faça você mesmo" às vezes até resulta ...





















segunda-feira, abril 07, 2014

Ah, as malditas generalizações ...



Tenho aqui escrito repetidamente que é perigoso fazerem-se generalizações. Perigoso e injusto em certos casos. Ainda há dias Paulo Portas, no Parlamento, afirmou que as pessoas que deixaram de ter direito a rendimento social de inserção (RSI), ficaram excluídas dessa prestação social porque tinham mais de 100 mil euros na conta bancária. Diga-se, a propósito, que com as alterações que se têm verificado na Lei nos últimos anos, 32 mil famílias perderam o direito ao RSI, qualquer coisa como mais de 100 mil pessoas.
Sem excluir a possibilidade de haver uns quantos "habilidosos" que, apesar de terem bastante dinheiro ainda sacam (de forma fraudulenta) mais algum ao Estado, custa-me a crer que com 88 euros por pessoa (em média) de RSI alguém possa ter contas bancárias chorudas. Aliás, julga-se que os "espertalhões" não chegarão à dezena. Por isso mesmo, gostaria que fossem divulgados esses números porque acho muito difícil que os sistemas de controlo que certamente foram implementados não tenham conseguido detectar contas bancárias confortáveis pertencentes a cidadãos que se candidataram ao RSI.
Em resumo, Paulo Portas, chamou, de forma demagógica e injusta, vigaristas a cento e tal mil pessoas, cuja esmagadora maioria vive com enormíssimas dificuldades e para as quais o dinheiro do RSI constitui uma preciosa ajuda. Quanto aos infractores, procedam à sua identificação, obriguem a devolver o dinheiro ao Estado e prendam, se for caso disso. Para já o que se ouviu foi um Paulo Portas que, demagogicamente repito, foi ao encontro daqueles que em conversa de café (sem conhecerem a realidade nem situações concretas) afirmam que todos os tipos que recebem o RSI são uns calões que não querem trabalhar. E, simultaneamente, ele conseguiu reduzir uns milhões na despesa, o que é capaz de dar um certo jeito ...


sexta-feira, abril 04, 2014

"Epitáfio"



De Pedro Malaquias


"Epitáfio"




eu não deixo nada feito
fica tudo por fazer
que eu passei parte da vida
a tentar sobreviver
a outra parte a dormir
e outra parte a comer
ou então a fazer coisas
que não vou aqui dizer
mas não deixo nada feito
fica tudo por fazer

eu não deixo nada escrito
fica tudo por escrever
que eu passei parte da vida
a aprender a saber ler
seria muita arrogância
eu pôr-me agora a escrever
e em verdade se diga
que tive mais que fazer
mas não deixo nada escrito
fica tudo por escrever


e até o que foi dito
do que se diz por dizer
às coisas mais delicadas
que põem um tipo a pensar
duvido que alguma coisa
fosse assim tão singular
ou que um dia ainda se diga
sim senhor gostei de ouvir
por isso, p'ra resumir
digo-te sem cortesias
aqui jaz o Malaquias

viesses mais cedo e ainda o vias


quinta-feira, abril 03, 2014

A "Ginjinha Sem Rival"



Lamentavelmente, a "Ginjinha Sem Rival" corre o risco de fechar portas. Trata-se de um estabelecimento que tem 120 anos e constitui um ex-libris da Baixa de Lisboa, “uma instituição e um emblema da cidade” visitada por muitos nacionais e estrangeiros.


E tudo por conta da nova lei do arrendamento urbano, aprovada em 2012, em que os senhorios podem despejar os inquilinos sem necessidade de grandes justificações. Para o conseguirem basta que a denúncia do contrato seja comunicada com seis meses de antecedência e tenha por fundamento a demolição ou realização de obra de remodelação ou restauro profundos que obriguem à desocupação do espaço arrendado. E, neste caso, os proprietários nem sequer pediram qualquer aumento de renda, uma vez que a ideia é construírem um hotel naquele local.


Embora, inicialmente, a aprovação do projecto previsse a manutenção de “ocupação e função” do pequeno espaço de 10 metros quadrados onde a "Ginjinha Sem Rival" está instalada, agora já ninguém acredita que a loja venha a resistir aos novos tempos da modernidade.


Mais do que uma tradição lisboeta, a "Ginjinha Sem Rival" é um património cultural da cidade que vai desaparecer. São comércios como este que fazem a diferença, que atraem os turistas e põem Lisboa nos roteiros internacionais.


Afinal, a "Ginjinha Sem Rival" encontrou um rival que a vai vencer. E sem dó nem piedade!



terça-feira, abril 01, 2014

Quando o telefone toca ...



O título da crónica de hoje poderá ter sugerido a muitos leitores a recordação de um conhecido programa radiofónico - "Quando o telefone toca" - muito popular durante décadas a partir do final dos anos 60 do século passado. Um programa que consistia basicamente em telefonar para uma estação de rádio, dizer-se uma frase publicitária previamente anunciada e, em troca, era passada a música pedida pelo ouvinte. Isto quando o ouvinte não dizia simplesmente que queria ouvir um determinado cantor numa música à escolha do radialista. E o modelo durou, durou, durou (como certas pilhas ...) sempre com grande agrado do público.

Porém, a tecnologia veio dar uma nova dimensão ao "Quando o telefone toca". Com o aparecimento dos telemóveis ficámos a estar permanentemente contactáveis, dia e noite. E já nem me refiro à "banalíssima" (e desagradável) situação do telefone que toca quando estamos a assistir a um espectáculo, a uma aula ou uma reunião. Nesses casos, digo eu, mandaria o bom-senso e a civilidade que desligássemos o aparelho ou, pelo menos, o puséssemos em modo de silêncio. Estava a pensar quando o telefone "se lembra" de tocar quando estamos a milhares de quilómetros dos nossos locais habituais de residência ou de trabalho. E os diálogos (inesperados) acabam por ter a sua piada.

A primeira vez que isso me aconteceu, lembro-me bem, estava em Cuba (a do Fidel Castro) e o telemóvel acordou-me ainda de madrugada. Devido à diferença de horas (era manhã em Lisboa), uma colega minha ligou-me para marcar uma reunião. "Isabel, eu estou em Cuba e só regresso daqui a uns dias", disse-lhe ensonado. Pouco tempo depois de ter ouvido as desculpas pelo incómodo, o aparelho tocou de novo e ouvi novamente a minha colega (com a voz mais fresca do mundo) dizer que, em princípio, a tal reunião realizar-se-ia em tal data. Como já estaria em Portugal no dia indicado, despachei-a rapidamente dizendo-lhe que estaria presente enquanto me amaldiçoava por não lhe ter explicado que a Cuba em que eu estava não era a do Alentejo.

Recentemente, preparava-me para assistir a um espectáculo em Istambul (bebia, então, mais um chá, um dos muitos que já tinha ingerido nesse dia) quando o telefone tocou e do outro lado ouvi a voz do meu amigo António Carlos que me atirou de rompante "Eh pá, ligue para a RTP2 que está a dar um programa que você vai gostar". Respondi-lhe que não podia, que estava na Turquia e que não tinha à mão a televisão portuguesa. Do outro lado o silêncio antecedeu a explosão "Está a gozar comigo? Você está mesmo em Istambul, de verdade? Eh pá, então e quem é que vai pagar esta chamada? Adeus, falamos depois".

A globalização tem destas coisas. Podemos estar longe (mesmo muito longe) mas, ao mesmo tempo, tão perto. À distância de um telemóvel.