sexta-feira, maio 30, 2014

"Sorriso Audível das Folhas"



De Fernando Pessoa, o "Sorriso Audível das Folhas"



Sorriso audível das folhas
Não és mais que a brisa ali
Se eu te olho e tu me olhas,
Quem primeiro é que sorri?
O primeiro a sorrir ri.

Ri e olha de repente
Para fins de não olhar
Para onde nas folhas sente
O som do vento a passar
Tudo é vento e disfarçar.

Mas o olhar, de estar olhando
Onde não olha, voltou
E estamos os dois falando
O que se não conversou
Isto acaba ou começou?

quinta-feira, maio 29, 2014

Será desta?



Depois de algumas vezes ser putativo candidato a candidato à liderança do PS sem que chegasse a avançar definitivamente, nesta quarta-feira António Costa anunciou a sua decisão firme de ser candidato à chefia do PS e, eventualmente, de ser Primeiro-Ministro. E porquê só agora, perguntar-se-á? Talvez porque Costa como muitos outros socialistas (e não só socialistas) mostrou-se insatisfeito com a vitória curta do partido nas eleições europeias.

Mas para alcançar esse desiderato, vai ter que derrubar muitas barreiras e, desde logo, as condições estabelecidas no estatuto do partido que determinam que um congresso extraordinário tem de ser convocado pela comissão nacional do partido, pela maioria das federações socialistas ou pelo secretário-geral. E não me parece que António José Seguro esteja para aí virado nem que as federações estejam todas ao lado de Costa. Resta a decisão da comissão nacional do partido que está marcada para o próximo sábado.

A "guerra" começou nas hostes socialistas. Depois das eleições de domingo é bom para a saúde do Partido Socialista e da nossa democracia que alguma coisa aconteça no PS. A vida política não é um concurso de vaidades, a vida política é um sentido de serviço em torno de ideias políticas. O Partido Socialista e o país necessitam urgentemente de uma personalidade forte a comandá-los e de um outro rumo. E não me parece que isso se conseguisse se Seguro ganhasse as próximas legislativas.



quinta-feira, maio 22, 2014

O despotismo no seu melhor ...



A Nigéria é o maior produtor de petróleo de África. E tal como acontece noutros países (em África e não só), o país é rico (quero dizer, as elites são muito ricas) e o povo vive miseravelmente. Embora a Nigéria seja considerado um país emergente pelo Banco Mundial (será em 2050 uma das 20 maiores economias do mundo), a corrupção e o despotismo grassam, impossibilitam o desenvolvimento e a população em geral vive em pobreza extrema. Enquanto isso, a tal elite exibe, despudoradamente, as suas riquezas.

Como foi o caso recente do casamento da filha do presidente da Nigéria marcado por um detalhe que caracteriza bem o regime: todos os convidados receberam, como lembrança do casamento, um iPhone de ouro de 24 quilates, personalizados com o nome dos noivos. Nem mais.

E não é a primeira vez que o presidente fez isso. No ano passado ele encomendou, pagos pelo Governo, claro está, 53 iPhones de ouro para comemorar os 53 anos da independência do país.

Chocante, na verdade ...

quarta-feira, maio 21, 2014

Prestidigitadores



Em tempos idos, com o auge nas décadas de 40 a 60 mas que continuaram, ainda, por muitos anos, o rei dos ilusionistas portugueses, também reconhecido internacionalmente, dava pelo magnífico nome de Conde d'Aguilar. Recordo-o bem, tinha uma figura muito característica. Apresentava-se sempre de casaca, faixa verde e vermelha ao peito, e muitas medalhas. Logo na sua entrada em palco se notava um toque de antipatia, talvez um excesso de altivez. Porém, os seus truques eram feitos com extrema elegância e transportavam-nos ao fascinante mundo da ilusão. O Conde d'Aguilar foi, de facto, um grande mágico que marcou uma época em Portugal.

Agora já não se tiram coelhos da cartola como dantes. Agora é a vez do (Passos) Coelho e a sua gente se dedicarem à prestidigitação, à mágica não tradicional, à habilidade manhosa e à trapaça para confundir os portugueses. Vejam, por exemplo, como a Contribuição Extraordinária de Solidariedade (CES) se transformou na Contribuição de Sustentabilidade ou como transformou a CES de imposto transitório em definitivo com a nova designação.

Foi-se o deslumbramento e a ilusão de outrora. Dos actuais "mágicos" só esperamos as duras penas que teimam em continuar a infligir-nos.



terça-feira, maio 20, 2014

17 de Maio - um novo feriado nacional?



Este 17 de Maio, o dia em que voltámos a ser senhores do nosso destino (?) por nos termos livrados da troika deu-nos uma certeza e, também, uma esperança. A certeza de que o tal relógio digital do Largo do Caldas estava certo quanto à data e hora da saída da troika de Portugal e a esperança que a data seja reconhecida como feriado nacional. Afinal, Paulo Portas fartou-se de dizer que o fim do programa de ajustamento seria como um novo 1º. de Dezembro, igual ao que em 1640 libertou os portugueses do jugo dos castelhanos.

Mas não nos iludamos e sejamos prudentes com o foguetório. A troika saiu mas pouco ou nada vai mudar na vida dos portugueses porque a política de austeridade e empobrecimento vai-se manter. Com este Governo e certamente com o próximo, mesmo que as cores governamentais se alterem. Por muitos e bons anos, pelo menos até que o bom-senso dos políticos e das políticas europeias e nacionais assente arraiais.

E digo que a nossa vida se irá manter porque quero ser optimista. Para além de todos os problemas da Europa e dos nossos próprios problemas estruturais que já vêm de longe (e parece que não há reforma de Estado que lhes ponha cobro), temo que a irracionalidade dos mercados, a eventual queda dos juros dos empréstimos e a descida das exportações não tornem, uma vez mais, o país ainda mais insustentável. E aí, tudo poderá recomeçar com um novo resgate. E aí, é melhor esquecer o eventual e desejado feriado do 17 de Maio, da mesma forma que já esquecemos o do 1º. de Dezembro.



sexta-feira, maio 16, 2014

E que tal apanhar um banho de sol?


Acreditem que pior do que a derrota do Benfica na final da Liga Europa, o que mais me aborrece - e preocupa - são os dados anunciados pelo INE de que o PIB português contraiu 0,7% entre Janeiro e Março, interrompendo assim o ciclo de crescimento dos três trimestres anteriores. A economia portuguesa contraiu inesperadamente (????) no primeiro trimestre do ano. E diziam que tudo estava a correr tão bem ...

Enfim, para tentar salvar a nossa mente sem a ajuda de ansiolíticos, sugiro que tomem um copo de um bom vinho tinto ou "peguem" um solzinho que, por enquanto, ainda é de borla por generosidade do Governo, se bem que a troika tenha chegado a pensar em aplicar uma taxa a quem apresentasse sinais de um ténue bronzeado que fosse.

E a propósito, e para descanso de quem receia a exposição ao sol por causa do cancro de pele - sobretudo as senhoras - aqui está uma boa notícia. Segundo investigadores suecos que estudaram o assunto durante 20 anos, o risco de cancro de pele e a mortalidade são maiores entre as mulheres que evitam a exposição ao sol por falta de vitamina D. Como vêem, não há que ter medo. Aproveitem bem o sol mas ... com conta, peso e medida, claro.


quinta-feira, maio 15, 2014

A maldição continua ...



Não vou comentar a final da Liga Europa de Futebol que terminou há poucas horas, em que o meu Benfica não foi capaz de levar de vencida a equipa do Sevilha. Uma vez mais, de forma perdulária e com alguma falta de sorte, perdemos a 8ª final europeia depois de, no ano passado, nos ter acontecido o mesmo frente ao Chelsea. A maldição de Béla Guttmann continua a pairar sobre a Luz.

E é exactamente sobre "maldição" de que todos falam, mas de que poucos sabem o que foi, que gostaria de recordar esse episódio. Pois bem, Béla Guttmann, o "feiticeiro húngaro", foi treinador de vários clubes, em vários continentes e, na maioria dos casos, fez desses clubes campeões. Também no Benfica isso aconteceu. Para além de títulos nacionais, em 1961 e 1962 o Benfica foi campeão europeu de clubes, vencendo dois colossos da época (que continuam a ser). Em 61 ganhou ao Barcelona e no ano seguinte ao poderoso Real Madrid. Só que o técnico estava em fim de contrato e, para renová-lo, pediu um aumento salarial para continuar no clube. A direcção não aceitou e o treinador saiu, não sem antes ter proferido a tal praga: “Sem mim, nem daqui a cem anos o Benfica conquistará uma taça continental”. Dito e feito, desde então a nuvem negra sempre pairou sobre o Benfica que disputou oito finais e perdeu-as todas. E eu "não acredito em bruxas, pero que las ay, las ay"!

Ainda que oficialmente ninguém queira assumir que haja um certo mau olhado, em Fevereiro deste ano, o Sport Lisboa e Benfica inaugurou no seu estádio uma estátua de bronze em homenagem a Béla Guttmann. O monumento representa Guttmann em pé, segurando em cada braço um dos troféus de campeão europeu que conquistou pelos encarnados. Ao pé da estátua está uma das mais emblemáticas frases ditas pelo treinador ao longo de sua passagem pelo clube: Só quem está aqui dentro, no Benfica, é que pode saber o que é mística. Não há nenhum clube do mundo com a mística igual à do Benfica.”

Há quem diga que o objectivo simbólico da estátua era o de "quebrar a maldição" lançada pelo ex-treinador húngaro. Porém, como se viu agora, o Benfica (e a sua mística) continua sem conseguir vencer uma final europeia. Se não me falham as contas, a cumprir-se a maldição na íntegra, ainda faltam 48 anos para conseguirmos ser novamente campeões da Europa. É muito, pelo menos para mim é demasiado ...



terça-feira, maio 13, 2014

Podem tentar, mas os portugueses já não acreditam ...


Com base em alguns indicadores favoráveis, bem podem tentar convencer-nos que, após três anos de "medidas" duras impostas pela troika e pelo Governo de Passos Coelho, o sufoco acabou e que "a partir de agora, doravante e pró futuro" a vida vai ser um mar de rosas. Podem tentar mas, infelizmente, todos sabemos que não vai ser assim. Se é verdade que a publicidade voltou a crescer, que o turismo interno aumentou e que a venda de carros novos disparou, fruto, quem sabe, de uma ilusória retoma da confiança, como é que nos vamos esquecer que salários e pensões foram cortados para sempre, que os impostos aumentaram brutalmente (e em breve haverá mais alguns), que o número de desempregados e emigrados é enorme e que a dívida do Estado não pára de crescer? Podem tentar, mas os portugueses já não acreditam ...

terça-feira, maio 06, 2014

É uma casa portuguesa, com certeza!



Depois de uma ausência de muitos anos, fui há dias jantar a uma casa de fados. Devo dizer que, tanto quanto me lembro, não senti grandes alterações desde a última vez que lá estive. A comida é mais ou menos do mesmo tipo, o ambiente idem e os fados, apesar dos novos tempos, continuam a ser os de sempre. Desgraçadinhos, muitos deles de faca e alguidar.

Mas, por que se tratava de um clássico, prestei especial atenção à letra de "Uma Casa Portuguesa", fado celebrizado por Amália Rodrigues nos idos anos 50 do século passado.

Durante décadas foi um fado emblemático que passou muito na rádio. Para além da voz inconfundível de Amália, o Estado Novo utilizou a letra do fado para sugerir ao povo como devia aceitar a pobreza em que se vivia. De uma maneira subliminar fazia-se a apologia da alegria da pobreza e da existência singela para a qual bastava "pão e vinho e um caldo verde, verdinho a fumegar na tigela".

O que nunca me passaria pela cabeça é que tantos anos depois, em liberdade há décadas, a mensagem (actual, de novo) lá estivesse outra vez, embora na voz de outras fadistas. Novamente a ideia de que temos que empobrecer. Novamente o discurso da alegria da pobreza e da existência singela. E, realmente, o que podemos querer mais do que "no conforto pobrezinho do meu lar, há fartura de carinho"? Agradeçam, pois, a sopa e a peçazita de fruta do jantar. E agradeçam, também, o sol, que nos dá ânimo e que, por enquanto, ainda é de borla ...


Para quem já não se lembra aqui estão, na íntegra, os versos de "Uma Casa Portuguesa"



Numa casa portuguesa fica bem,
pão e vinho sobre a mesa.
e se à porta humildemente bate alguém,
senta-se à mesa co'a gente.
Fica bem esta franqueza, fica bem,
que o povo nunca desmente.
A alegria da pobreza
está nesta grande riqueza
de dar, e ficar contente.


Quatro paredes caiadas,
um cheirinho à alecrim,
um cacho de uvas doiradas,
duas rosas num jardim,
um São José de azulejo,
mais o sol da primavera...
uma promessa de beijos...
dois braços à minha espera...
É uma casa portuguesa, com certeza!
É, com certeza, uma casa portuguesa!



No conforto pobrezinho do meu lar,
há fartura de carinho.
e a cortina da janela é o luar,
mais o sol que bate nela...
Basta pouco, poucochinho p'ra alegrar
uma existência singela...
É só amor, pão e vinho
e um caldo verde, verdinho
a fumegar na tigela.


Quatro paredes caiadas,
um cheirinho á alecrim,
um cacho de uvas doiradas,
duas rosas num jardim,
São José de azulejo
mais um sol de primavera...
uma promessa de beijos...
dois braços à minha espera...
É uma casa portuguesa, com certeza!
É, com certeza, uma casa portuguesa!




É uma casa portuguesa, com certeza!
É, com certeza, uma casa portuguesa!


segunda-feira, maio 05, 2014

Futebol ... mas não só ...



Já não posso ouvir a estafada lengalenga de que os povos do sul são mandriões e que lhes falta a disciplina, a organização e a vontade de trabalhar. Teoria, de resto, recorrentemente repetida pelos povos do centro e do norte da Europa. Mas, caramba, algumas coisas teremos de bom ...

E a prova disso é que nas duas principais competições europeias de futebol as duas finais vão ser disputadas por equipas que pertencem aos "calaceiros" países do sul. Na final da "Champions" estarão duas equipas de Espanha e na final da Liga Europa, uma espanhola e uma portuguesa. É certo que nem todos os jogadores daqueles clubes são naturais desses países (aqui o meu argumento escuda-se, naturalmente, na globalização) mas todas as quatro equipas são fruto da disciplina, da organização e do muito trabalho feitos nestes países. Às vezes até com integração de jogadores provenientes desses outros países (assim de repente, recordei-me de alguns que jogaram no Benfica: o alemão Robert Enke, o belga Michel Preud'homme, os suecos Schwarz e Mats Magnusson e o dinamarquês Manniche, p.e.) países, sociedades e pessoas muito certinhos e arrumadinhos que tanto desfazem em nós.

Mas só por má fé ou sectarismo primário é que podem apontar o dedo para dizer cobras e lagartos dos países do sul. No que nos diz respeito - Portugal - e para além do futebol (que não é coisa menor) e do sol, e das praias, e da gastronomia, e dos vinhos, e da hospitalidade das nossas gentes, e da monumentalidade e da História do nosso país, temos muitas áreas em que provámos exactamente o contrário de que nos acusam. A não ser assim porque carga de água é que grandes multinacionais (estou a lembrar-me da Siemens e da Auto-Europa, por exemplo) insistem em trabalhar em Portugal, com operários, técnicos e gestores portugueses?

E já nem quero puxar pelos galões, porque se assim fosse, teria que recordar que este pequeno país de malandros (e descansem que não vou até ao tempo dos descobrimentos), tem um Nobel da Medicina e um Nobel da Literatura, cientistas reconhecidos internacionalmente e campeões europeus, mundiais e olímpicos em várias modalidades desportivas. "Coisitas menores" que muitos dos grandes países não se podem orgulhar.