sexta-feira, junho 27, 2014

"Os amantes sem dinheiro"


De Eugénio de Andrade


"Os amantes sem dinheiro"

 
 
Tinham o rosto aberto a quem passava.
Tinham lendas e mitos
e frio no coração.
Tinham jardins onde a lua passeava
de mãos dadas com a água
e um anjo de pedra por irmão.

Tinham como toda a gente
o milagre de cada dia
escorrendo pelos telhados;
e olhos de oiro
onde ardiam
os sonhos mais tresmalhados.

Tinham fome e sede como os bichos,
e silêncio
à roda dos seus passos.
Mas a cada gesto que faziam
um pássaro nascia dos seus dedos
e deslumbrado penetrava nos espaços.


quinta-feira, junho 26, 2014

As mordidelas ...



Convenhamos que há mordidelas e mordidelas. E se percebemos bem as dentadinhas de amor dos namorados (a paixão tem destas coisas ...) já não compreendemos, nem aceitamos, as mordidelas (as dentadas) de desportistas dadas aos seus opositores.

Quando em Junho de 1997 se defrontavam os pugilistas Mike Tyson (antigo campeão do mundo de pesos pesados) e Evander Holyfield (então campeão em título), naquele que chegou a ser conhecido pelo combate do século, Tyson mordeu a orelha de Holyfield, o que levou à interrupção do combate. Reatado o duelo, Tyson voltou a morder a orelha do oponente e acabou por ser desclassificado.

No Mundial de Futebol do Brasil que está a decorrer, no jogo entre o Uruguai e a Itália, o jogador uruguaio Luís Suarez terá mordido um jogador italiano quando ambos se engalfinharam. Verdade, ou não, o facto é que Suarez, o avançado uruguaio do Liverpool, já foi alvo de várias penas pesadas, incluindo uma, em 2013, por ter mordido o sérvio Branislav Ivanovic, jogador do Chelsea e outra, em 2010, quando actuava no Ajax, ao morder Otman Bakkal, do PSV Eindhoven, ambas na região do ombro. Trata-se, digo eu, de um caso de compulsão obsessiva.

Enfim, no caso do "canibal Suarez", pode ser que se trate de tiques nervosos, quiçá motivados por não conseguir reagir bem à pressão dos jogos. Quanto ao lendário Mike Tyson o que me ocorre dizer é que ele se tornou ... vegetariano.

quarta-feira, junho 25, 2014

Bebo ou não bebo? Vou pensar no assunto ...



Um relatório da Organização Mundial de Saúde conclui que cada europeu bebe, em média, 12,4 litros de álcool por ano, enquanto que em Portugal, a média é de 13,4 litros. Numa lista de 34 países, Portugal surge em nono lugar no que se refere à média anual de consumo de álcool per capita. Por outro lado, Portugal revela ser um dos países com mais abstémios, o que indicia elevado consumo dos que bebem.

Como não fazia a mínima ideia da quantidade de álcool bebo por ano, pus-me a fazer contas e, assim por alto (por norma só bebo vinho tinto e, quase sempre só aos almoços de fim-de-semana), digamos que dois copos a cada uma destas refeições, já ultrapassam a quantidade média atribuída a cada português. Se acrescentarmos umas quantas cervejas nos dias mais quentes e uns uísques em dias especiais, dou-me conta que figurarei na lista dos que consomem mais. Estarei, portanto, a abusar do álcool e isso - em princípio - não é bom. Porém, ao que se sabe, a ingestão de vinho pode trazer benefícios à saúde do ser humano, nomeadamente pelo seu efeito antioxidante e por actuar beneficamente nas paredes das artérias. Aliás, desde há muito que está associado ao bem-estar e longevidade.

Voltemos ao relatório da OMS. O que a pesquisa não divulgou (mas sabe-se que é assim), é que os que bebem mais mostram sinais inequívocos de regeneração contínua dos neurónios e melhor memória de curto e longo prazo bem como maior rapidez de raciocínio e de reacções. Como reforço da tese que a ingestão de álcool faz bem, o jornal britânico Daily Mail, anunciou que cientistas descobriram que idosos que bebem uma quantidade moderada de álcool possuem 30% menos probabilidade de desenvolver demência e 40% menos de sofrer de Alzheimer do que aqueles que não consomem esse tipo de bebida.

"Anyway" (que é uma expressão de que eu gosto particularmente ... sobretudo quando já bebi um pouco mais), a utilizar-se a ironia, poder-se-ia dizer que "antes bêbado que demente". Vou, pois, pensar no assunto ... Mãos aos copos!

sexta-feira, junho 20, 2014

"No meu tempo ..."




"Ah, no meu tempo é que ...". É uma expressão que não gosto de utilizar, tão-pouco de a ouvir. "Velhos saudosistas" têm tendência a usá-la para realçar as coisas boas que aconteciam quando eram crianças ou jovens, como que a querer dizer que aquelas é que eram realmente boas enquanto que as de agora não prestam.

É verdade que noutros tempos havia coisas de que hoje temos saudades. O respeito, por exemplo. Seguíamos um cardápio tradicional baseado na cozinha mediterrânea em que os produtos não tinham tantos pesticidas nem eram geneticamente modificados, por exemplo (embora nesta matéria possam ser aduzidos montes de argumentos contra). Havia mais tempo (e vontade) de nos darmos com a família e os amigos, por exemplo. A composição tradicional das famílias (muitas das actuais ainda nos fazem confusão, mas há todo um esforço de as compreender e aceitar), por exemplo. Mas também havia muitas coisas de que não gostávamos ou, simplesmente, não existiam.

Nas últimas décadas foram postas à nossa disposição (foram inventadas, foram criadas) tantas coisas tão boas e que nos dão tanto jeito. Os computadores e a internet, a televisão, os telemóveis (tirando a parte menos boa da questão), as diversas máquinas (frigorífico, de lavar roupa, café e tantas outras) de que já não conseguimos prescindir.

Daí que ache mais sensato não ter demasiadas saudade do "meu tempo" por que o "meu tempo" é também hoje, é agora. Tal como dizia Vinicius de Moraes:

"... Eu morro ontem
Nasço amanhã
Ando onde há espaço:
Meu tempo é quando ..."


quinta-feira, junho 19, 2014

Quando "dignidade" soa a uma palavra menor ...



Há dias falei ao telefone com um grande Amigo (que foi meu chefe e com quem aprendi muito) que se mostrava desolado com o facto de auferir uma parca pensão de mil e poucos euros, depois de ter oferecido à empresa onde trabalhou 40 anos, com total dedicação e disponibilidade (reconhecidas aliás na época) e que o guindaram a alto quadro da organização. Ele foi, de facto, um profissional competente e totalmente dedicado.

O desabafo que ouvi da sua boca deixou-me a pensar como é injusto que depois de tanto esforço e durante tanto tempo, a empresa não lhe tenha atribuído, como reconhecimento devido, uma pensão mais digna. Estou a falar-vos deste meu Amigo mas esta posição contempla, naturalmente, todos aqueles que se encontram na mesma situação. E serão muitos.

Por outro lado, soube-se a semana passada que o ex-Ministro da Economia de José Sócrates, Manuel Pinho, de 60 anos, está a negociar com Ricardo Salgado a sua reforma antecipada, vinte anos depois de ter entrado no grupo BES. Uma negociação que passa por reclamar mais de 3,5 milhões de euros de compensação até à idade da reforma (65 anos). Fonte do Grupo Espírito Santo afirmou que Pinho tem direito a uma reforma desde os 55 anos, não como administrador do BES África (onde aufere cerca de 50 mil euros mensais), mas como administrador executivo que foi, durante cerca de 10 anos, no BES.

Não disse, mas decerto entenderam, que o meu Amigo também trabalhou no BES. Mas, como em tantas outras coisas, também aqui se verificam tratamentos diferenciados. Não pretendendo questionar sequer quem "deu" mais à Instituição. O que sublinho é que um - quadro superior do Banco - esteve lá mais de 40 anos e tem mil e poucos euros de pensão, enquanto que o outro - Director e mais tarde Administrador - esteve metade desse tempo e, sabendo como o BES teve durante ano a fio, uma política generosa de remuneração dos seus quadros de gestão, está a negociar mais de três milhões e meio de euros, o que dará uma reforma substancialmente maior.


A vida é injusta, já dizia o Calimero. Mas podia ser um bocado menos quando o que está em causa é a dignidade das pessoas.

segunda-feira, junho 16, 2014

Ainda sobre o Tribunal Constitucional ...



A última crónica que aqui publiquei suscitou viva discussão com vários Amigos sobre as funções do Tribunal Constitucional. Alguns deles questionavam mesmo se os juízes não estariam a ultrapassar as suas competências e, pura e simplesmente, não estariam a fazer política. E essa é exactamente a questão. Quanto a mim, a função de um Tribunal Constitucional é interpretar e defender a Constituição e isso faz-se através do julgamento político das leis que lhes são propostas. Ou seja, os juízes devem interpretar essas leis no sentido que as mesmas não firam os princípios constitucionais.

Mas há quem defenda também - Fernando Ulrich, por exemplo - que para além dos juízes (os tais que analisam politicamente as leis) os economistas também deveriam ter assento no TC. Como se a confiança que possamos ter nos juízes fosse menor do que nos economistas.

Durante a tarde também discutimos isso e, claro está, não deixámos de falar nos efeitos dos chumbos do TC que se estimam na casa dos 600 milhões de euros. O que não chegámos a comentar - porque só se soube à noite - é que, de mansinho, Alberto João Jardim veio a Lisboa pedir mais 950 milhões e que o Governo se prepara para injectar nas empresas públicas de transportes mais uns parcos 1 300 milhões de euros.

O que vale é que, nós contribuintes, cá estaremos firmes e hirtos preparados para mais uns sacrifícios que entendam aplicar-nos. Chamem-lhes impostos ou outra coisa qualquer ...

quinta-feira, junho 12, 2014

O que os juízes do Tribunal Constitucional não devem ou não podem mesmo fazer ...



Fiquei completamente "abazurdido" quando li no jornal "Público", a entrevista onde a Vice do PSD, Teresa Leal Coelho, defende limites à acção dos juízes do Tribunal Constitucional quando "extravasem" as suas competências. Dito de outra maneira, o TC deve ser alvo de "sanções jurídicas" por parte dos tribunais europeus, caso os poderes que lhe são atribuídos sejam "extravasados". Ou, ainda, dito de uma outra maneira, o TC "não pode ter um poder absoluto" e os juízes devem estar sujeitos à "legalidade da União Europeia".

Eu até percebo que aos partidos que estão no Governo lhes custe muito ver as medidas que "tão arduamente elaboram" serem vetadas, umas atrás das outras, pelos juízes do Tribunal Constitucional. Porém, pretender que as leis portuguesas tenham menos força do que as leis comunitárias ou que o Tratado Orçamental se sobreponha a qualquer norma da nossa Constituição, já me parece demasiado. Pelo menos até ver ...

Há aqui uma clara questão de incompatibilidade. Parece que a denominada "legalidade europeia" não é compatível com a nossa norma fundamental - a Constituição. E é exactamente por isso que a deputada insiste "se os tribunais tomarem decisões incompatíveis com a legalidade da União Europeia, o Tribunal de Justiça da UE tem competência para condenar o Estado" português por "incumprimento". Só que, como recordou o constitucionalista Vital Moreira, "quando um país não pode cumprir uma obrigação perante a União por causa de uma decisão do TC, os responsáveis pela eventual sanção pecuniária aplicada pela União não são os juízes do Constitucional mas sim o país". Isto é, a factura recairia fatalmente sobre os contribuintes. Se é isto que a maioria quer ...

Recordo as linhas finais de um artigo de Nicolau Santos no Expresso do último sábado: "... preferem um país sem uma Constituição? Ou uma Constituição sem um Tribunal Constitucional que a faça respeitar? E como se chama a um regime político assim?


quarta-feira, junho 11, 2014

A indisposição do Presidente



A indisposição do Presidente da República quando discursava ontem na Guarda nas cerimónias do Dia de Portugal não mereceriam um comentário, ainda que breve, não fossem certas circunstâncias. Cavaco Silva teve um desfalecimento, coisa que acontece a qualquer ser humano mas, logo que recuperado, o PR recuperou também o discurso no justo momento em que o tinha interrompido. Nada de anormal, portanto.

O que me pareceu mais esquisito - as tais "certas circunstâncias" a que me referi - foi, por um lado, alguns jornalistas terem atribuído o mal estar do Presidente ao coro de protestos que vinha de um local onde se aglomeravam alguns manifestantes - um puro disparate, na minha opinião - e, por outro lado, à investida da segurança do PR a mandar (ou a tentar mandar) os fotógrafos apagarem as imagens que tinham feito do desfalecimento de Cavaco. Este último facto, um acto politicamente grave e democraticamente reprovável.

sexta-feira, junho 06, 2014

Charadas ...



Gosto de charadas, de enigmas, de problemas mais ou menos difíceis de resolver. De algumas charadas, diga-se. Contudo, nas que à política dizem respeito, as charadas soam-me a mentiras, a esquemas para baralhar a rapaziada. E as coisas obscuras difíceis de compreender passam a manobras dilatórias (palavra muito ouvida ultimamente) e mentirosas que só confundem e provocam as mentes medianamente inteligentes.

Vem isto a propósito do chumbo do Tribunal Constitucional a três normas do Orçamento de Estado, supostamente por estarem feridas de inconstitucionalidade. Como o Governo achou que o TC está a impedir a sua "boa governação" (ainda que, aqui e ali, as suas práticas sejam ilegais/inconstitucionais), decidiu pedir uma "aclaração" (que palavra maravilhosa, na linha de outras como "inconseguimento" e quejandas) do Acórdão.

E aqui é que está o busílis. Ao que ouvi a um jurista e um juiz do Tribunal da Relação de Lisboa, o Código do Processo Civil, revisto em 2013 pela actual Ministra da Justiça, Paula Teixeira da Cruz, deixou de admitir os pedidos de aclaração.

Ou seja, o Governo quer fazer uma coisa que já não é possível fazer porque o próprio Governo decidiu que iria deixar de ser possível fazê-lo. Portanto, e para não lhe chamar mais uma vez incompetente, diria (da forma mais simpática possível) que se trata apenas de uma charada.

Mas a minha "simpatia" esgotou-se quando ouvi o Primeiro-Ministro proferir: "tem de se escolher melhores juízes para o Tribunal Constitucional". Era só o que nos faltava! Um Governo que reiteradamente viola a Constituição da República e sistematicamente desfere ataques a um outro órgão de soberania. Cavaco Silva e os portugueses têm uma palavra (de repúdio) a dizer ...

quinta-feira, junho 05, 2014

O futebol e os meus descontentamentos ...




Já aqui tenho manifestado o meu desagrado pela histeria televisiva a que assistimos quando a nossa selecção de futebol vai participar nalgum campeonato da Europa ou do Mundo. E eu que até gosto de futebol não suporto mais o relato e as imagens dos mais ínfimos detalhes: os jogadores a sairem do hotel ou a entrarem no autocarro e o acompanhamento do dito autocarro (de mota, de automóvel ou até mesmo de helicóptero) que se desloca para aqui ou para acolá. Isto para já não falar de Cristiano Ronaldo que é mencionado a cada minuto, mesmo sabendo que ele é o melhor do mundo. Tudo nas televisões generalistas (e não só) em simultâneo. É, francamente, demais. Não há pachorra ...

E o que dizer quando a selecção é recebida pelo Presidente da República, das palavras de incentivo e de circunstância antes de irem todos almoçar nos salões do Palácio de Belém? É que não vejo a mesma atenção para outros atletas, de outras modalidades. Mesmo que esses atletas não se preparem apenas para partir mas já tenham regressado vitoriosos das suas competições.

Como foi o caso do canoista Fernando Pimenta que conquistou no último domingo a medalha de ouro na prova de K1 1.000 metros das Universíadas de Verão realizadas na Rússia. Ou dos atletas que conquistaram quatro medalhas (uma delas de ouro) na Taça do Mundo de Ginástica Artística Masculina e Feminina que terminou também no passado domingo no Centro de Alto Rendimento de Anadia, em Aveiro.

Por acaso, assistiram à recepção desses atletas em Belém? Ou será que já viram nas redes sociais uma "selfie" desses atletas tiradas com Cavaco Silva?



terça-feira, junho 03, 2014

O lamento de Olli Rehn



Se consigo entender as razões do porta-voz do PSD, Marco António Costa, perante o chumbo a três normas do Orçamento do Estado para 2014, em que acusa o Tribunal Constitucional de querer arrastar o país para o passado e de atropelar as competências do Parlamento, já me é difícil "engolir" que o Comissário Europeu dos Assuntos Económicos, Olli Rehn, considere muito frustrante ser recorrentemente confrontado com questões sobre decisões do Tribunal Constitucional (TC) que "forçam" o Governo português a encontrar medidas orçamentais alternativas.

Forçam? É que, mesmo correndo o risco de ser deselegante para o Governo Português, o mais elementar bom-senso impunha que Olli Rehn equacionasse a questão de uma outra forma: afinal, porque carga de água é que o Tribunal Constitucional considera inconstitucionais todos os Orçamentos e todos os Rectificativos apresentados pelo Executivo Português? Se se interrogasse nestes termos, provavelmente poderia ser levado a pensar ou que o Governo Português é incompetente ou, simplesmente, se está nas tintas para a Constituição Portuguesa e, daí, "fabricarem" sucessivos orçamentos que não respeitam a Lei Fundamental do País.

Antecipando que as medidas propostas nada tinham de ideológico, haveria, ainda, uma terceira hipótese de escolha para o Comissário Europeu. Inteligente como deve ser, poderia, quem sabe, imaginar que o Governo Português era simultaneamente incompetente e se estava nas tintas para a Constituição. Mas isto sou eu a dizer, que tenho mau feitio.